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O INCT Observatório das Metrópoles divulga o lançamento do livro “A Cidade e a Modernização: sociedade civil, estado e mercado em disputa pelo conceito de planejamento urbano”, do professor Milton Cruz. A publicação A Cidade e a modernização é o resultado de estudo de caso de uma das grandes cidades brasileiras, Porto Alegre. Suas gestões municipais “apostaram”, desde o início do século XX, nas concepções e nos instrumentos de planejamento urbano para construir e organizar a cidade. Apesar disso, problemas urbanos típicos das cidades brasileiras, como a irregularidade fundiária, o déficit habitacional, a fragmentação social e a segregação urbana, cresceram e persistem até hoje.

O autor busca compreender por que o sistema de planejamento urbano, mesmo inovando com a introdução do planejamento participativo na elaboração do Plano Diretor e do Orçamento Participativo (criados na década de 1990), mostrou-se limitado para enfrentar esses problemas.

Entre os enfoques destacam-se: o conceito de modernização que a pesquisa indicou como adequado para a análise da cidade; como a sociedade civil questiona a representação de desenvolvimento social hegemônica no Brasil; as possibilidades de organização de um Sistema de Planejamento orientado para o desenvolvimento da sociedade civil; e a importância das abordagens de Jacobs e de Harvey para a crítica do planejamento urbano, das ações governamentais e do mercado.

A pesquisa revelou algo que precisa ser estudado com olhar crítico para que se vislumbrem possibilidades de superação do atual paradigma modernizante que põem em risco a sustentabilidade econômica e social de nossas cidades. Trata-se da ausência de uma reflexão crítica sistemática que alimente a opinião pública com ideias e propostas consistentes para o planejamento e a organização da cidade.

As entidades da sociedade não tematizam a cidade como o fazem com os temas econômicos e políticos e a abordam como uma colagem de fragmentos que se conflitam ou se excluem. Assim, a cidade perde parte significativa de seu potencial criador e a sociedade se deixa aprisionar por “forças invisíveis” que naturalizam os conflitos e as desigualdades urbanas.

Entretanto a mesma sociedade que ainda não vê a cidade como sua responsabilidade e construção toma iniciativas inovadoras, como a criação do Sistema de Planejamento Participativo, o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial, indicativo de desejos e vontades de mudança e do seu potencial criador.

MILTON CRUZ é Pós-doutor em Sociologia da Conflitualidade, doutor e mestre em Sociologia, especialista em Projetos Sociais e Culturais, graduado em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura), todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professor do Curso de Especialização “Cidades – Gestão Estratégica do Território Urbano” da Unisinos. É pesquisador do Núcleo Porto Alegre da Rede INCT Observatório das Metrópoles. Pesquisador do Ipea e FEE/RS – Cidades da Região da Fronteira. Tem experiência em Administração Pública pela Secretaria da Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul e nas Prefeituras de Porto Alegre, São Jerônimo, Vacaria, além da região metropolitana, envolvendo temas como Plano Diretor, Planejamento Estratégico Municipal e Orçamento Participativo.

A seguir o texto de apresentação do livro “A Cidade e a Modernização”, assinado pelo autor.

 

APRESENTAÇÃO

Por Milton Cruz

Doutor em Sociologia e Pesquisador do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre

O presente livro tem como foco de atenção a cidade, que sofre os impactos do processo de modernização das sociedades, a qual é analisada a partir do caso de Porto Alegre, uma das grandes metrópoles brasileiras cujas gestões municipais “apostaram”, desde o início do século XX, nas concepções e nos instrumentos de planejamento urbano.

Apenas descrever o processo histórico de planejamento da cidade pareceu, desde os primeiros momentos da coleta de dados, como uma abordagem que não teria capacidade compreensiva e explicativa para responder porque o sistema de planejamento urbano, mesmo inovando com a introdução do planejamento participativo na elaboração do Plano Diretor e o próprio Orçamento Participativo (criados na década de 1990) – que descentralizaram as decisões na gestão local – se mostrou limitado para enfrentar os graves problemas que a cidade vem acumulando.

Para abordar a cidade como objeto empírico de um estudo científico foi necessário utilizar referenciais teóricos de diferentes áreas do conhecimento, uns mais relacionados com o planejamento urbano e o desenvolvimento da economia capitalista, e outros com a psicologia social. Da psicologia social foram resgatados os conceitos de representação social que permitiram definir um conceito atual e geral o suficiente para analisar as representações (reais e não idealizadas) dos atores-chave que interagem nos espaços onde se debate e formula a política de planejamento urbano de Porto Alegre. Esse é um conceito que permite relacionar julgamento, tomada de decisão e ação dos atores em movimento com a sua visão de mundo, que é desenhada pelas instituições sociais e pela cultura.

A categoria “modernização” apareceu como elemento central da abordagem da cidade real, seja pela sua presença sistemática no discurso de gestores públicos, do setor privado e de representantes da sociedade civil (como uma categoria que se relaciona, na grande maioria das vezes, positivamente com o desenvolvimento econômico), assim como pela sua relação com o processo atual de mudança acelerada por que passam as cidades brasileiras. Essa categoria permite relacionar as mudanças ocorridas em nossas cidades, como a globalização promovida pela economia capitalista, sem desconsiderar nossa especificidade que apresenta um forte hibridismo.

A identificação da natureza e da qualidade das arenas públicas em que os atores-chave se encontram para apresentar suas visões, debater projetos e deliberar sobre as propostas para a política de planejamento urbano, mostrou-se necessária para poder entender e explicar as razões da persistência de práticas e concepções tradicionais relacionadas com contextos autoritários que não valorizam o diálogo livre de coação e a formação de opinião a partir da diversidade das visões presentes na sociedade.

Foi abordado o exemplo das grandes cidades norte-americanas dos anos 1960, que perderam espaços de convivência e de formação da identidade comunitária e de bairro, para chamar a atenção para a possibilidade de outra modalidade de modernização e de planejamento urbano que não aqueles que desconstroem ambiências urbanas ricas em interações sociais e a memória cultural deixada pelas gerações anteriores.

Desde os primeiros momentos de concepção da pesquisa, o compromisso foi contribuir para a construção de uma abordagem científica que questionasse as práticas dos órgãos estatais e as concepções de planejamento urbano e de cidade que se mostram incompatíveis com a construção de uma cidade que garanta a cidadania para todos e com o fortalecimento da sociedade civil. E, também, indicar possibilidades de construção de uma relação democrática entre o Estado, o mercado e uma sociedade civil que possa se expressar com autonomia em esferas públicas de debate sobre a cidade.

É necessário observar que a pesquisa revelou a ausência, na sociedade, de uma reflexão crítica sistemática que alimente a opinião pública com ideias e propostas consistentes para o planejamento e a organização de uma cidade cuja vocação seja a concessão do direito de cidadania para todos.

As entidades representativas da sociedade ainda não tematizam a cidade como o fazem com os temas econômicos e políticos, e quando a abordam esta aparece representada como uma colagem de fragmentos que se conflitam ou se excluem. Essa é uma abordagem em que a cidade perde parte significativa de seu potencial criador e em que a sociedade se deixa aprisionar por “forças invisíveis” que naturalizam os conflitos e as desigualdades urbanas.

Por outro lado, a mesma sociedade, que ainda não vê a cidade como sua responsabilidade e construção, tomou iniciativas como a criação do Sistema de Planejamento Participativo, o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial, indicativos de desejos e vontades de mudança e do seu potencial criador.