Skip to main content

O INCT Observatório das Metrópoles lança a 2ª edição do livro “Desigualdade e Segregação na Metrópole: Rio de Janeiro em tempo de crise”, de Luciana Corrêa Lago. O estudo foi pioneiro ao investigar as transformações socioespaciais ocorridas nas décadas de 1970 e 1980 na metrópole periférica do Rio de Janeiro, com foco específico nas desigualdades socioespaciais intrametropolitanas e tendo como referência o modelo binário núcleo-periferia. A autora constrói sua análise a partir dos dados censitários e avança incorporando dados relativos ao perfil sócio-ocupacional e às condições de moradia e infraestrutura. O livro é uma referência dos estudos realizados pela Rede Nacional Observatório das Metrópoles e agora está disponível para download.

APRESENTAÇÃO

Desigualdade e Segregação na Metrópole: Rio de Janeiro em tempo de crise

Por Suzana Pasternak Taschner

Como já disse Flávio Villaça, no seu livro seminal Espaço intra-urbano no Brasil, “tem havido nas últimas décadas um crescente desenvolvimento das investigações regionais e uma surpreendente estagnação dos estudos intra-urbanos” (Villaça, 1998:17). Quais os processos socioespaciais intra-urbanos mais significativos e importantes? E é na resposta a estas questões que o trabalho de Luciana avança de forma inequívoca.

Na década de 1920, teóricos da Escola de Chicago, como Burgess e seus círculos, Hoyt e seus setores, forneceram alguns modelos pioneiros, embora bastante descritivos. São referência até hoje, embora pouco explicativos e muito ligados às cidades norte- americanas. Castells (1972) avançou nos estudos intra-urbanos, chamando a atenção para os elementos da estrutura espacial e tentando esmiuçar a lógica de implantação dos espaços da produção, do consumo, da troca e da circulação (Capítulo III de La Question Urbaine). Neste livro e em outros escritos recorta um elemento fundamental da estrutura intra-urbana — o centro. Em trabalhos posteriores, comenta outros processos socioespaciais — os subúrbios e a segregação das elites.

A origem histórica da segregação na cidade ocidental liga-se à Revolução Industrial, quando o grau de urbanização cresceu, trabalho e residência se separaram no espaço físico, e burguesia e operariado passaram a morar em locais distintos no espaço intra-urbano. Uma questão importante seria por que uma cidade escolheria crescer da forma tradicional, com os ricos na área central e a pobreza cada vez mais empurrada para a periferia, ou por que a classe média usaria seus recursos para lotear a terra virgem das áreas limítrofes, indo residir na franja suburbana, em casas individuais isoladas, formando aquilo que Fishman (1996) chamou a “utopia burguesa”, forçando a classe trabalhadora a ocupar uma zona ensanduichada entre o CBD (Central Business District) e os subúrbios ricos.

Como coloca Fishman, pode-se resumir de forma grosseira que as cidades da Europa continental e as latino-americanas optaram pela estrutura tradicional, enquanto que as britânicas e norte-americanas tomaram o rumo da suburbanização. Fishman aponta que, embora a cidade industrial seja descrita por um diagrama claro e objetivo pelos estudiosos da Escola de Chicago, sua forma liga-se no fundo às escolhas e valores de grupos poderosos dentro da cidade. “A decisão da burguesia de Manchester e de outras cidades industriais pioneiras em 1840 de se suburbanizar criou a estrutura básica da cidade anglo- americana, enquanto a decisão de grupo comparável em Paris nos anos 1850 e 1860 (auxiliada por considerável ajuda e intervenção governamental) em viver em apartamentos centrais, criou a cidade moderna estilo continental” (Fishman, 1996:30).

Os atuais modelos de estruturação intra-urbana relacionam as transformações socioespaciais em curso à globalização da economia urbana. As cidades que integrariam as redes da economia mundial declinariam as atividades industriais e expandiriam as atividades financeiras e de serviços, com a conseqüente emergência de uma nova estrutura social, caracterizada pela expansão das camadas superior e inferior da hierarquia social e diminuição das camadas médias, com maior concentração de renda. Espacialmente, esta estrutura bimodal resultaria numa ordem dual, com espaços marcadamente ricos e pobres. Esta hipótese é descrita sobretudo por Saskia Sassen (The global city, 1991). Muitos estudos relativizam esta hipótese dual, como os de Marcuse (1989), Castells (1992), Preteceille (1993, 1995), entre outros. Esta crítica à tese dual não questiona o pressuposto da polarização da estrutura social, mas coloca-a como extremamente simplificadora e matiza seu reflexo espacial.

Luciana, de forma pioneira, procura captar as transformações socioespaciais ocorridas nos anos 70 e 80 numa metrópole periférica — o Rio de Janeiro. Quais as relações espaço-sociedade numa metrópole do chamado Sul, com inserção específica na economia mundial? Manutenção, alargamento ou revisão do modelo segregado de moradia das classes sociais?

O nosso padrão histórico, a partir dos anos 40, podia ser resumido à questão centro-periferia, parodiando círculos de Burgess, onde os ricos estão no centro e os pobres na periferia. Mas Luciana coloca, com propriedade, que a consolidação da estrutura socioespacial centro-periferia não significa que estes dois espaços sejam homogêneos. Segundo ela, o espaço metropolitano chega aos anos 90 mais fragmentado socialmente.

Uma nova escala espacial de segregação social tem se colocado, a de enclaves de ricos e de pobres, ou seja, espaços fisicamente delimitados, sejam eles ocupações ilegais ou condomínios fechados. Tanto em uns como em outros privatiza-se o espaço público, impedindo a livre circulação. Este retorno a artefatos das cidades medievais — muralhas, nos espaços residenciais de setores altos, banditagem e controle de circulação, nas favelas e ocupações — transforma o espaço urbano das metrópoles brasileiras numa floresta de Sherwood tropical, onde, atrás dos muros, só se convive com semelhantes e, fora dos muros, pode existir um malfeitor atrás de cada árvore, com aniquilamento da tolerância e do convívio com o diverso, que são a essência da urbe.

Como elemento importante de análise, a autora introduziu a mobilidade residencial intra-metropolitana. A quantificação destes fluxos permite mensurar o crescimento diferencial do espaço metropolitano e colocar hipóteses sobre as razões desse crescimento distinto por segmento espacial. A redução do contingente de migrantes questiona, tal como em São Paulo, a associação histórica feita entre migração, pobreza e favelização.

Tal como em São Paulo, o aumento, no caso paulistano, e o recrudescimento, no caso carioca, da população favelada, deve-se mais ao empobrecimento da população metropolitana que à chegada de novos contingentes migratórios. No Rio de Janeiro, a população que já residia na cidade em 1980 foi responsável por 70% do incremento populacional nas favelas no período 1980-91. Em São Paulo, 72% dos chefes favelados em 1993 estavam há mais de dez anos na cidade, e 36% moravam na mesma favela onde foram entrevistados há mais de uma década (FIPE, 1994).

Na década de 1970, a auto-segregação das elites vai se traduzir num fechamento de áreas valorizadas, para os pobres, com seu deslocamento em massa para a periferia. Esta periferia, entretanto, não era local apenas da pobreza. A chegada de setores médios já mudava a paisagem urbana, menos homogênea. O sonho da casa própria transformou a periferia metropolitana, tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo, num enorme e horizontal canteiro de obras, com casas individuais em constante construção, sempre inacabadas. Luciana coloca que nos anos 80 esta histórica atratividade da periferia como possibilidade de obtenção de casa própria diminui. Os deslocamentos populacionais continuam a ocorrer muito mais pelo processo de expulsão dos pobres que por ascensão à casa própria.

Do ponto de vista metodológico, a presente investigação utiliza intensamente dados censitários de 1970 e 1980. Tabulações especiais dos dois Censos Demográficos conduziram a cuidadosa categorização do tecido metropolitano em cinco tipos analíticos: Rio de Janeiro, Niterói, periferia consolidada (Nilópolis e São João do Meriti), periferia em consolidação (Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Magé) e periferia em expansão (Itaboraí, Itaguaí, Mangaratiba, Maricá, Paracambi e São Gonçalo), de acordo com suas taxas intercensitárias de crescimento demográfico na década de 1980.

A periferia consolidada é composta pelos municípios com crescimento inferior a 1% ao ano; a periferia em consolidação, por aqueles com crescimento entre 1% e 2%; e a periferia em expansão, por aqueles com taxas superiores a 2%. Dentro do município do Rio de Janeiro, as regiões administrativas foram agrupadas em quatro áreas — Centro, Zona Sul, subúrbios 1 e 2. Resultados da década de 1970 colocam a periferia metropolitana do Rio de Janeiro como a principal receptora de migrantes na década, vindos sobretudo da capital.

De outro lado, migrantes pobres de outros Estados localizaram-se em favelas nas zonas centrais e suburbanas da capital. Concluindo, a migração direta foi para as áreas centrais do município sede, e não para a periferia, que correspondeu a uma segunda etapa do processo migratório. Nos anos 80, há forte redução da taxa de crescimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O total de migrantes na RMRJ passa de 1,33 milhão em 1980 para 455 mil em 1991.

Interiormente, não só as áreas centrais apresentaram taxas de crescimento próximas a zero; o mesmo ocorreu com a periferia consolidada. A periferia em consolidação também perdeu posição como receptora de migrantes na década de 1980 — seu saldo migratório caiu de 153 mil pessoas nos anos 70 para 96 mil nos anos 80. Os dados da periferia em expansão, por sua vez, mostram que os migrantes tenderam a se localizar em áreas cada vez mais distantes do centro: seu saldo migratório subiu de 69 mil para 86 mil pessoas, entre os anos 70 e 80. Como em São Paulo, o crescimento reduzido foi fortemente periférico.

O trabalho avança analisando o perfil dos migrantes pela renda, instrução, origem, ocupação, categoria socioocupacional, condições de ocupação e tipo de domicílio e acesso a infraestrutura básica. Ao incorporar dados relativos ao perfil socioocupacional e às condições de moradia e infra-estrutura, traz inédita e importante contribuição ao estudo da dinâmica intra-urbana.

Desigualdade e segregação na metrópole: o Rio de Janeiro em tempo de crise foi defendida como tese de doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Acrescenta à já reconhecida obra da autora sobre produção imobiliária um novo eixo de análise, ligado à demografia intra-urbana e à caracterização da migração. Como se vê, a partir do presente estudo, foram elaborados critérios de análise que não se esgotam no objeto investigado, mas permitem avançar na análise de processos sociais ligados à produção do espaço. Certamente incentivará mais pesquisas sobre as questões abordadas, dentro da importante temática dos estudos urbanos e das transformações das metrópoles no limiar do novo milênio.

Faça o download no link do livro Desigualdade e segregação na metrópole: o Rio de Janeiro em tempo de crise.

DIFUSÃO CIENTÍFICA

Com mais de 100 livros publicados ao longo de sua trajetória (1995-2015), o INCT Observatório das Metrópoles vem realizado um trabalho de difusão científica com a disponibilização dos seus livros em formato eletrônico (pdf ou e-book) para o público em geral. A iniciativa é uma ação vinculada à divulgação da ciência no âmbito do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT/CNPq).

Nos últimos anos várias publicações foram disponibilizadas de forma gratuita e para amplo acesso da sociedade. Veja a seguir a lista dos livros acessíveis em formato eletrônico.

Índice de Bem-estar Urbano (IBEU)

Estrutura social das metrópoles brasileiras – Análise da 1ª década do século XXI

Análise Social do Território – Metodologia para o estudo da estrutura urbana brasileira

A Cidade contra a Escola?

Desigualdades urbanas, desigualdades escolares

Cultura Política, Cidadania e Voto

Região Metropolitana de Curitiba

Turismo e Imobiliário nas Metrópoles