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Direito à Água e ao Esgotamento Sanitário nas Metrópoles Brasileiras

By 27/11/2014janeiro 23rd, 2018Entrevistas

Os desafios para o Direito à Água e ao Esgotamento Sanitário é o tema da entrevista com Léo Heller, novo Relator Especial da ONU para o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário. Heller faz um balanço das políticas para o saneamento básico no país – apontando avanços e barreiras; comenta a falta de integração metropolitana para a gestão da área e a crise hídrica em São Paulo. “Temos no Brasil 96 milhões de habitantes com atendimento precário em esgotamento sanitário. Ou seja, muito ainda precisa ser feito”.

O professor da UFMG Léo Heller será o novo Relator Especial da ONU para o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário. Ele vai substituir a portuguesa Catarina de Albuquerque que foi a primeira relatora das Nações Unidas para a área.

Heller é professor aposentado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Escola de Engenharia (UFMG) e uma das referências na área de Saneamento Básico no país. Foi o coordenador do estudo Panorama do Saneamento Básico no Brasil, que subsidiou a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) – considerado um marco para a área com metas e investimentos previstos para os próximos 20 anos.

 

Leia:

Plano Nacional de Saneamento Básico: o que falta para avançar?

A gestão do saneamento no Brasil

A principal atividade do relator são missões que visam verificar o nível do atendimento aos princípios estabelecidos na Resolução A/RES/64/292 da ONU, publicada em julho de 2010, que reconhece o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário como direito básico de todo ser humano, e determina que tal acesso é condição essencial para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos.

O Observatório das Metrópoles tem acompanhado os debates da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Água e Esgotamento Sanitário. A atual relatora Catarina de Albuquerque realizou missão no Brasil em dezembro de 2013 e foi recebida no Rio de Janeiro pela equipe da professora Ana Lúcia Britto (PROURB/Observatório) e em Belém pelo pesquisador Juliano Ximenes (UFPA/Observatório).

 

Veja o resumo da missão na Baixada Fluminense realizada por Catarina de Albuquerque.

A seguir a entrevista com o professor Léo Heller na qual aborda as políticas para o saneamento básico no país – apontando avanços e barreiras; comenta a falta de integração metropolitana para a gestão da área e a crise hídrica em São Paulo.

 

ENTREVISTA

Léo Heller, Relatoria Especial da ONU para o Direito à Água e ao Esgotamento Sanitário

– Professor, você foi escolhido para ser o próximo Relator Especial da ONU para o Direito Humano à Água e Esgotamento Sanitário – substituindo a atual relatora Catarina de Albuquerque. Na tua opinião, quais os principais desafios a serem superados para garantir o Direito à Água e Esgotamento sanitário no mundo?

Léo Heller: O desafio é enorme, já que existe um grande número de pessoas no mundo sem acesso à água e ao esgotamento sanitário. Segundo os Dados de Monitoramento dos Objetivos do Milênio (Unicef e OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas não possuem acesso a esgoto adequado e cerca de 700 milhões de pessoas não têm acesso à água potável. E deve ser observado que são dados conservadores. Portanto, há um grande desafio a ser superado pela falta de acesso.

O trabalho de Relator obviamente tem limitações. O que ele faz são recomendações, missões de avaliação nos países e um diálogo com os vários atores para destacar o papel do Direito à Água e ao Esgotamento Sanitário como um direito humano, que deve ser tratado e respeitado, e colocado em destaque nas agendas nacionais e internacional. Além disso, vejo que o Direito Humano à Água e o Esgotamento Sanitário tem relação direta com outros direitos como moradia adequada, de saúde, de gênero, de não discriminação, entre outros.

– Quais serão as regiões prioritárias no teu mandato que começa em dezembro de 2014?

Léo Heller: Eu prefiro falar em tipologias de países, do que em áreas prioritárias. Países pobres, por exemplo, serão objeto de atenção e missões, já que enfrentam desafios para romper barreiras para o acesso à água e ao esgotamento. Desafios políticos, econômicos e de capacitação técnica e tecnológica. Também serão visitados países populosos como os asiáticos; países que vêm sofrendo com a crise econômica. Como essas populações estão tendo acesso a políticas públicas de acesso à água em um contexto de crise econômica? A ideia é consolidar um olhar mais global sobre o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário.

Além disso, as relatorias funcionam por meio de missões. A atual relatora Catarina de Albuquerque realizou 15 missões ao longo dos 6 anos de mandato. A ideia é que eu volte em alguns lugares que ela visitou para avaliar se avanços ocorreram ou não, se houve mudanças em relação à primeira avaliação. Nesse sentido, talvez eu avalie o Brasil, mas apenas no fim do meu mandato – já que a Catarina realizou a sua missão no nosso país em dezembro de 2013.

– Em relação ao Brasil, a atual relatora da ONU para o Direito à Água e Saneamento, Catarina de Albuquerque, realizou visita oficial em dezembro de 2013 e apontou profundas desigualdades no acesso ao saneamento entre as diferentes regiões do país. No relatório a relatora explica que enquanto Sorocaba (SP) tem taxa de tratamento de esgoto de 93,6%, em Macapá (Amapá) a taxa é de apenas 5,5%. Qual a realidade do direito ao saneamento básico no Brasil?

Léo Heller: Eu coordenei o estudo “Panorama do Saneamento Básico do Brasil”, que deixa claras as profundas assimetrias que existem no país em relação aos serviços de saneamento básico. Cito assimetrias regionais, por exemplo, as regiões Norte e Nordeste possuem taxas inferiores de atendimento do que as regiões Sul e Sudeste. Têm ainda assimetrias entre rural e urbano; assimetrias socioeconômicas – fizemos avaliações de categorias como renda, escolaridade e cor da pele; e assimetrias relacionadas ao porte das cidades, entre outras.

O Panorama do Saneamento Básico aponta que existem 96 milhões de pessoas com atendimento precário em esgotamento sanitário e 18 milhões sem atendimento. Em relação ao abastecimento de água são 64 milhões com atendimento precário.

Em geral no Brasil quem não tem acesso ao esgotamento sanitário, por exemplo, são as populações mais pobres – algo que também acontece no mundo. Mas no nosso país isso é ainda mais marcante devido ao reflexo do modelo de desenvolvimento brasileiro historicamente verificado, gerador de desigualdades e segregação.

– E quais barreiras precisam ser superadas para a questão do saneamento no Brasil?

Léo Heller: A situação do esgoto é mais preocupante do que da água. Isso porque o déficit de acesso ao esgotamento sanitário é grande no Brasil. Nas áreas rurais, a cobertura de esgoto adequado é muito baixa, muito inferior à de água. As áreas rurais no país irão exigir um olhar muito próprio quando a questão for o saneamento básico, visto que a área rural não funciona se pensarmos na lógica da transposição do modelo urbano para o rural (diferenças sociais, étnicas etc). O Brasil não tem tradição em pensar políticas públicas de saneamento básico para áreas rurais.

As barreiras são várias. Principalmente no plano das políticas públicas: planejamento, financiamento, capacitação técnica, entre outras questões. O Plano Nacional de Saneamento Básico tem uma lógica importante porque mostra que investimento em infraestrutura não é suficiente (apesar de todos os recursos do PAC). Ou seja, o país precisa de dois eixos de ações complementares: eixo estrutural e eixo estruturante. Sendo que, no segundo caso, organizar as instituições que cuidam da gestão da água e esgotamento sanitário (capacitação técnica, regulação, capacitação, desenvolvimento científico e tecnológico) é uma questão fundamental.

Em minha opinião, fica patente como a questão do saneamento básico passa pela questão da gestão. Vemos que o problema é fortalecer as institucionalidades do setor. Isso precisa ser visto no Brasil.

 

– E como você avalia a situação do direito à água e esgotamento sanitário nas metrópoles brasileiras?

Léo Heller: O Ipea publicou estudo que mostra que, no caso específico do saneamento básico, a integração metropolitana é muito incipiente no país. Existem poucas experiências de integração. E, além disso, há pendências jurídicas para se pensar a gestão metropolitana.

Na prática, há um baixo nível de integração que se reflete nas políticas públicas e na oferta de acesso. Nem todos os serviços de água e esgotamento na metrópole precisam ser integrados, parte tem um caráter local. Mas questões como produção e gestão de água não é municipal – é normalmente uma produção partilhada, como também é o tratamento de esgoto.

 

– O Brasil está vivendo talvez a sua maior crise hídrica, especialmente no estado de São Paulo. A atual relatora Catarina de Albuquerque responsabilizou a administração pública estadual pela falta de água. Você concorda com a opinião dela, de que a crise se deve à má gestão da água por parte do poder público?

Léo Heller: A Catarina Albuquerque deu uma opinião absolutamente correta. Houve é claro uma exploração do que foi dito – havendo uma repercussão exagerada. Mas o que ela disse foi que faltou planejamento – um sistema de gestão de água bem planejado também considera em seu planejamento as variações de clima (e a possível falta de água).

Participei de um programa da RBC que mostrou a população de um conjunto habitacional em São Paulo que ficou quase 15 dias sem acesso a água. O marco legal (Resolução A/RES/64/292 da ONU, publicada em julho de 2010, que reconhece o acesso à água potável e ao saneamento básico como direito básico de todo ser humano) fala de melhorar progressivamente o acesso, ou seja, não deve haver retrocesso. No caso desses moradores de São Paulo, houve um retrocesso, de piora de qualidade de vida – riscos de saúde, financeiros etc.

Então Catarina chamou a atenção de que isso poderia ter sido evitado com planejamento. O Plano Nacional de Sanemento Básico (Plansab) pensa o saneamento no Brasil para daqui a 20 anos. Ao pensar o futuro, o Plano traça cenários – políticos, econômicos, de capacidade de gestão etc. O planejamento de uma região densa como São Paulo deve levar em consideração no seu planejamento de futuro cenários de escassez de água e como superar isso.

 

– Para terminar a entrevista, podemos dizer que houve avanços na área do Direito à Água e Saneamento Básico no Brasil nos últimos anos? Estamos avançando?

Léo Heller: Acho que é importante destacar que ocorreram avanços no plano nacional. Foi importante a criação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental; a progressão e estabilidade nos investimentos na área (PAC 1 e 2); criação de um marco legal (Lei 11.445 – Lei das Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico), que valorizou o planejamento com a elaboração do Plansab.

A lei aponta que os estados e municípios se organizem para a gestão da água e do esgotamento sanitário: com regulação, relações mais balanceadas e claras entre o titular (municípios) e os prestadores. Podemos dizer que também foram verificados avanços no controle social (Conselho das Cidades e seus correlatos estaduais). Se compararmos a situação do saneamento hoje e de 15 anos atrás, os avanços são visíveis. Mas ainda não são suficientes. É preciso investir em medidas estruturantes. O sucesso do Plano Nacional do Saneamento Básico, por exemplo, depende da capacidade de gestão dos municípios.

 

Última modificação em 27-11-2014