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Eduardo Pereira Nunes, presidente do IBGE no período 2003-2011, destaca a importância do órgão e da aplicação do Censo 2020, argumentando que os censos decenais preenchem as lacunas de informação resultantes da ausência de registros administrativos adequados.

O IBGE e o Censo Demográfico de 2020

Rio de Janeiro, 14 de março de 2019
Eduardo Pereira Nunes

Durante a posse da nova presidente do IBGE, o Ministro Paulo Guedes criticou a dimensão e custo do Censo Demográfico de 2020. Não perdeu a oportunidade para incluir o Censo na lista de cortes de despesas que pretende fazer, com o argumento de que este é enorme e muito caro.

É preciso que o ministro saiba que as informações do Censo são vitais para a sociedade “conhecer a realidade econômica, social e ambiental do país, para o melhor exercício da cidadania” que sintetiza a missão do IBGE. Ao IBGE compete retratar a realidade brasileira para que a sociedade conheça o seu passado, entenda o presente e decida sobre o seu futuro. E, para tanto, o Censo de 2020 é essencial.

Os argumentos de que o Censo é caro; o questionário é grande; maior que o dos países desenvolvidos; e de que quem pergunta muito ouve o que não quer, não parecem condizentes com a absorção da pasta do Planejamento pela da Economia.
Não são as perguntas do Censo que custam caro ao governo. Caro custará planejar as ações públicas para atender as demandas da sociedade expressas nas respostas ao Questionário do Censo. Questionários de países mais desenvolvidos são menores porque não precisam incluir perguntas sobre escolaridade, acesso aos sistemas de saúde, condições de habitação e outras, pois contam com registros administrativos apropriados para o planejamento de ações futuras.

Os Censos decenais preenchem as lacunas de informação resultantes da ausência de registros administrativos adequados. Japão, Noruega e Suécia, países com alto nível de desenvolvimento social, de fato, não precisam de um Censo para avaliar a mortalidade infantil, a quantidade, qualidade e precariedade das suas habitações. Entretanto, este não é o caso do Brasil.

Por exemplo, em junho de 2010, na véspera do Censo, houve um devastador temporal no Estado do Alagoas, cuja enchente do Rio Mundaú destruiu, ao longo de 80 km, residências e construções públicas, como hospitais, cartórios e secretarias municipais de cidades ribeirinhas, como São José da Laje, União dos Palmares, Branquinha, Murici e Rio Largo, esta última localizada a 24 km de Maceió. A Defesa Civil necessitou do apoio do IBGE para avaliar o número de domicílios e famílias afetadas, pois a enxurrada destruíra os registros administrativos locais. Por sorte, o IBGE concluíra a atualização e localização dos domicílios que seriam visitados, em agosto. A Defesa Civil conseguiu estimar o número de famílias deslocadas, acomodá-las em tendas provisórias, ou transportá-las para domicílios de parentes e amigos em outras localidades.

E o IBGE pode estimar o número de habitantes residentes, de fato, no município, mesmo sem ter mais as suas moradias e, assim, evitou subestimar a população residente, o que implicaria a redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) pelos anos seguintes.

Recentemente, em Brumadinho (MG), a queda da barragem da VALE soterrou muitas construções. Novamente, as informações do Cadastro de Domicílios do IBGE podem servir para avaliar o número de habitações atingidas. Exemplos, como estes, não são encontrados nos países mais desenvolvidos.

Ainda assim, o ministro precisa saber que, no Censo de 2010, o IBGE contratou 230 mil recenseadores e contou com a valiosa participação dos servidores de todas as Diretorias, Unidades Estaduais e Agências Municipais do IBGE, além de 7.000 postos informatizados de coleta, a maioria cedida gratuitamente pelas Prefeituras. Esta operação foi organizada para, em 4 meses (agosto-novembro), visitar 67,5 milhões de domicílios, recensear 190,7 milhões de habitantes e encontrar cerca de 6,2 milhões de domicílios vagos, a maioria situada em vazios demográficos rurais (no Sul, Sudeste e Nordeste) e no centro antigo de cidades como São Paulo.

O Censo 2010 revelou a existência de 23 mil habitantes com mais de 100 anos de idade e 450 mil com mais de 90 anos. Mostrou que a continuidade da queda da taxa de fecundidade levou, desta vez, à queda da nossa população infantil com menos de 14 anos (50,3 milhões, em 2000, e 45,1 milhões, em 2010), alertando que a população parará de crescer e continuará a envelhecer.

Alertas desta natureza não têm preço. São informações que devem ser usadas para planejar com racionalidade e sentimento de justiça social o nosso futuro. Portanto, é preciso, sim, que o Censo faça as perguntas para os governantes saberem o que responder e como enfrentar os desafios.

O Censo não é uma mera contagem de população, mas uma radiografia detalhada da nossa realidade econômica, social, demográfica, ambiental e territorial. O Censo atualiza o Cadastro de Endereços, que será a base das amostras das pesquisas da década de 2020, como a PNAD Contínua. Também atualiza as informações sobre escolaridade da população, acesso aos serviços públicos, atualiza a base econômica das Contas Nacionais, Regionais e Municipais e muitas outras informações sobre a nossa realidade.

Se o Censo 2020 visitar uns 70 milhões de domicílios nos 5.570 municípios para analisar as condições de vida de 210 milhões de habitantes, cada milhão gasto representará dez anos de construção de uma nova sociedade. No Censo 2010, foram gastos R$ 1,3 bilhões, dos quais 70% do valor representaram gastos com pessoal (230 mil recenseadores). Corrigindo estes valores pela inflação acumulada na década, de cerca de 100%, aquele orçamento de 2010 passaria para cerca de 2,6 bilhões de reais, em 2020. Como o número de domicílios a visitar também cresceu junto com a população, mesmo distante, avalio que o Censo de 2010 deva custar, em 2020, em torno de R$ 3 bilhões. Se calcularmos este custo por habitante, seriam apenas R$ 15,00, em 10 anos, ou R$ 1,50, ao ano. Muito pouco!

Também é preciso lembrar que o Censo utiliza dois questionários. Em 2010, o Questionário Completo foi aplicado numa Amostra de 7 milhões de domicílios (10% dos domicílios), abrangendo todos os municípios. Foram meses de estudos, consultas, testes e avaliações das Perguntas e da Amostra, que antecederam a preparação do Questionário do Censo.
Já o Questionário Simplificado foi aplicado nos demais 50 milhões de domicílios ocupados em 2010. Por ser um questionário simplificado, cada entrevista demorava menos de 10 minutos, ao passo que o Questionário da Amostra demorava de 15 a 25 minutos para ser respondido.

Nas grandes e médias cidades o recenseador leva mais tempo para convencer síndicos, porteiros e moradores a respeito da importância do Censo, do que para coletar as respostas. Uma campanha de conscientização da população, acerca da importância do Censo para o país, contribuiria para acelerar a coleta dos dados e reduziria os gastos com as entrevistas, sem precisar cortar perguntas do Questionário.

Em dólares do dia do discurso do ministro (22/02/2019), o gasto com o Censo 2020 seria de US$ 810 milhões, ou 15% a mais do que custou em 2010. A título de comparação, o Censo 2010 dos Estados Unidos consumiu US$ 12 bilhões para recensear cerca de 300 milhões de habitantes. Vale dizer, foram gastos US$ 40,00 por habitante residente em território americano, contra US$ 3,70 por habitante residente em território brasileiro. Mesmo sendo muito maior que o Censo americano, o brasileiro foi quase 11 vezes mais barato, demonstrando que não é o tamanho do Questionário que determina o custo elevado do Censo.

O Censo do Brasil foi totalmente informatizado e concebido pelos técnicos do IBGE, desde a elaboração do questionário eletrônico e a contagem prévia dos domicílios para elaboração do Cadastro de Endereços, passando pela Coleta dos dados nos 67 milhões de domicílios, com 230 mil Palmtops configurados para o Censo, até o processamento final dos dados enviados ao TCU, em 25 de novembro de 2010, para este órgão usar os dados atualizados da população municipal na definição do valor do FPM.

O Censo 2010 contribuiu para ampliar o reconhecimento internacional da comunidade estatística a respeito da competência dos técnicos do IBGE, ao promoveram tamanha inovação tecnológica no Censo e divulgar seus resultados no prazo planejado, o que valeu à Instituição o Prêmio concedido em 2011 pela UNESCO de uma das 10 melhores inovações tecnológicas a serviço da sociedade.

É o reconhecimento da sociedade a respeito da importância do IBGE que deve ser avaliado e não somente o gasto com suas atividades. Reduzir o tamanho do Censo para cortar despesas significa criar a cultura do avestruz na administração pública: não pergunte muito para não precisar saber como responder! A missão do IBGE é a outra.