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Favela de Paraisópolis em São PauloFavela de Paraisópolis em São Paulo Reprodução/Web

O Brasil possui atualmente 11.425.644 pessoas morando em favelas. Apenas no município do Rio de Janeiro são 1,4 milhões. Em São Paulo, 1,3 milhões. No município de Belém, apesar do número absoluto ser menor (758 mil pessoas), são 54% dos domicílios em favelas. Neste artigo Suzana Pasternak e Camila D’Ottaviano procuram analisar como a realidade habitacional extremamente precária de parcela considerável da população brasileira de baixa renda acabou por consolidar políticas públicas que atuam “fora da lei”. O argumento das autoras é de que as experiências das políticas habitacionais para população de baixa renda no Brasil metropolitano adquiriram uma posição particular neste campo de tensões. As práticas prevalentes da moradia “ilegal” dos grupos populares tornaram-se tão dominantes nas últimas quatro décadas que transformaram as políticas institucionais vigentes até então, aproximando-as destas práticas.

O artigo “Paradoxos da política de intervenção em favelas em São Paulo: de como a prática virou política…” integra o livro “Paradoxes of the intervention policy in favelas in São Paulo: how the practice turned out the policy” (no prelo), organizado por Willem Salet, que será publicado neste segundo semestre de 2017 nos EUA, pela selo Routledge Handbook of Institution and Planning (New York).

O artigo de Suzana Pasternak e Camila D’Ottaviano fazem uma recuperação histórica dos dados sobre favelas no Brasil; as políticas habitacionais destinadas a esses territórios. Em um segundo momento, focam a análise no município de São Paulo, mostrando a evolução das intervenções em favela por parte do ente governamental. As autoras descrevem três estágios nessas intervenções, a) Remoção da favela e realocação dos favelados; b) A urbanização de favelas; e c) Os caminhos para a regularização da cidade ilegal.

Suzana Pasternak e Camila D’Ottaviano integram o Núcleo São Paulo do INCT Observatório das Metrópoles.

INTRODUÇÃO

Tendo como foco a Favela e as políticas recentes de intervenção em áreas faveladas, este artigo procura analisar como a realidade habitacional extremamente precária de parcela considerável da população brasileira de baixa renda acabou por consolidar políticas públicas que atuam “fora da lei”. Como o esboçado pelo capítulo introdutório de Salet, este livro enfoca a dinâmica entre condições institucionais e pragmáticas no planejamento das cidades. Nosso argumento é que as experiências das políticas habitacionais para população de baixa renda no Brasil metropolitano adquiriram uma posição particular neste campo de tensões. As práticas prevalentes da moradia “ilegal” dos grupos populares tornaram-se tão dominantes nas últimas 4 décadas que transformaram as políticas institucionais vigentes até então, aproximando-as destas práticas.

Historicamente, o acesso à moradia para a população de baixa renda no Brasil se deu, em geral, de forma precária e a partir de três tipos básicos de moradia: os cortiços, as favelas e os loteamentos periféricos, com moradia própria e autoconstrução. Desde o início do século XX as favelas têm sido marca da cidade do Rio de Janeiro. Porém desde meados do século, a moradia em favela tem sido uma opção importante da população de baixa renda não apenas nas metrópoles, mas em quase todas as cidades brasileiras de porte médio e grande (PASTERNAK & D’OTTAVIANO 2015).

Com isso, o crescimento das cidades brasileiras ao longo da segunda metade do século XX se caracterizou pela configuração de duas cidades distintas: uma cidade legal, consolidada pela implementação de parcelamentos oficiais (legalizados) localizados, usualmente, em áreas mais centrais, destinados à moradia das classes médias e altas; e uma cidade ilegal, destinada à moradia das classes baixas, caracterizada pela implantação de loteamentos ilegais (ou irregulares) nas porções periféricas dos municípios, pela consolidação de favelas em diversas áreas e pela oferta de cômodos em cortiços nos bairros históricos centrais.

Se, em 1960, a taxa de urbanização no Brasil era de 44,7%, a concentração de população nas zonas urbanas cresceu paulatinamente desde então, passando de 55,9% em 1970, para 67,6% em 1980, chegando a 75,6% em 1991. O Censo de 2010 apontou que 84,36% da população brasileira é urbana.

A demanda por moradia, serviços e infraestrutura urbanos tem acompanhado esse processo:

O Brasil, como os demais países da América Latina, apresentou intenso processo de urbanização, especialmente na segunda metade do século XX. Em 1940 a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000 ela é de 81,2%. Esse crescimento se mostra mais impressionante ainda se lembrarmos dos números absolutos: em 1940 a população que residia nas cidades era de 18,8 milhões de habitantes e em 2000 ela é de aproximadamente 138 milhões. Constatamos, portanto, que em sessenta anos os assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 120 milhões de pessoas.

(…)Trata-se de um gigantesco movimento de construção de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população bem como de suas necessidades de trabalho, abastecimento, transportes, saúde, energia, água, etc. Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha respondido satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse espaço. Bem ou mal, de algum modo, improvisado ou não, todos os 138 milhões de habitantes moram em cidades” (MARICATO, 2002:16).

O crescimento populacional urbano tem se concentrado, sobretudo, nas porções periféricas das cidades brasileiras. Em números absolutos, nos últimos 40 anos as áreas urbanas incorporaram praticamente 108 milhões de novos moradores. O resultado final são cidades com extensas áreas periféricas, com grande concentração de moradias inadequadas e/ou localizadas em favelas e loteamentos ilegais. Devido à falta de uma política habitacional eficiente para a população de baixa renda, o mercado habitacional informal tem sido decisivo na configuração das nossas cidades (PASTERNAK & D’OTTAVIANO 2015 e D’OTTAVIANO & QUAGLIA 2010).

Até meados dos anos 1980, os governos locais e mesmo nacional utilizavam a letra estrita da lei no tratamento destes fenômenos: uma cidade não deveria, segundo a norma, apresentar estas formas de ocupação do solo. Favelas, por exemplo, eram vistas como moradia provisória e solução ilegal e, por esta razão, ignoradas pelo poder público.

Do ponto de vista das políticas públicas, experiências inovadoras, como as de intervenção em áreas de favela no Rio de Janeiro nos anos 1950 e depois em São Paulo nos anos 1980, abriram caminho para um novo entendimento sobre a forma como o poder público poderia atuar nas extensas áreas irregulares das cidades brasileiras.

Do ponto de vista legal, a nova Constituição de 1988 avançou na definição da necessidade de uma política urbana, conforme indicado em seus artigos 182 e 183 – Capítulo II – Da Política Urbana.

O fim do Banco Nacional de Habitação, responsável pela construção de grandes conjuntos habitacionais periféricos e a nova Constituição Federal marcaram um período de maior protagonismo dos municípios, inclusive em relação à política habitacional.

A aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257), em 2001 define como alguns dos paradigmas da política urbana nacional o direito à cidade, o direito à moradia digna e a função social da propriedade.

Este texto procura mostrar como práticas heterodoxas e mesmo à revelia da lei estrita foram sendo utilizadas de forma crescente pelo poder público, criando uma nova jurisprudência. E como, em alguns momentos, a lei foi moldada pela prática.

Faça, no link a seguir, o download do artigo artigo “Paradoxos da política de intervenção em favelas em São Paulo: de como a prática virou política…”

Publicado em Artigos Científicos | Última modificação em 06-09-2017 17:01:14