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Porto Alegre

O Coletivo a Cidade que Queremos Porto Alegre tem participado dos debates sobre a revisão do Plano Diretor da capital gaúcha, iniciativa que representa a articulação da sociedade civil para o monitoramento e a participação nas políticas públicas urbanas. Para embasar o debate, o coletivo tem produzido textos e análises sobre o papel do plano diretor. Um artigo de destaque é “Plano Diretor: questão técnica ou política?”, assinado pelo professor Mário Leal Lahorgue, vinculado ao Departamento de Geografia da UFRGS e pesquisador da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

Coletivo A Cidade que Queremos foi criado por organizações e movimentos sociais de Porto Alegre em 2015, É um espaço público de articulação e debate da cidadania sobre o presente e o futuro da cidade de Porto Alegre. De caráter plural, e sem filiação partidária, o coletivo adota a diversidade de demandas, de proposições e das formas de ação coletiva relativas às políticas públicas e a ocupação e uso do espaço urbano, sempre orientados pelos princípios que historicamente constituíram a luta nacional pela reforma urbana, pela gestão democrática das cidades e pelo respeito ao ambiente natural, preceitos esses consagradas na Constituição de 1988 e posteriores regulamentações, como é o caso do Estatuto da Cidade, lei que deve ser seguida pelos municípios do país.

Pesquisadores do Núcleo Porto Alegre da Rede INCT Observatório das Metrópoles integram o coletivo, buscando atuar no monitoramento urbano local.

PLANO DIRETOR: QUESTÃO TÉCNICA OU POLÍTICA?

Por Mário Leal Lahorgue *

Professor Mário Leal Lahorgue

O Plano Diretor, quando colocado no papel, aparece como um produto técnico e, muitas vezes, é visto apenas deste ponto de vista. Mas, como nos lembra um certo pensador que viveu no século XIX, se a aparência das coisas coincidisse com sua essência, a Ciência seria desnecessária.

Na essência, o Plano Diretor é um produto político, entendido aqui política como negociação /disputa entre atores, segmentos e classes sociais presentes no território urbano. Não se pode esquecer que a palavra grega polis é a origem/raiz tanto da palavra política quanto cidade, sendo a polis o lugar de encontro entre o público e o privado, entre o individual e o bem comum.

Por que começar por este ponto? Pensemos nas questões básicas dos processos de revisão: por que boa parte do Plano nunca saiu do papel e nunca foi implementado? Por uma questão técnica? Não, por uma questão política. Colocar o problema do Plano Diretor na técnica é escamotear a política. É preciso disputar politicamente o Plano, não só sua formulação, mas sua implementação.

Qual é um dos equívocos mais tradicionais? Há um enorme esforço em fazer um Plano tecnicamente muito bom, mas se esquece que a implementação é política. O Plano, quando pronto, não é o resultado final da cidade que queremos, mas apenas o começo. Devemos cobrar, inclusive com ações judiciais se for o caso, que o Poder Público representado pelo governo municipal implemente efetivamente o Plano. Por que raramente se cobra que a Prefeitura implemente efetivamente um Plano? Por que nunca se cobra que o município use os instrumentos do Plano? – que por sinal estão prontos, à disposição!

É por esta razão que defendo que se deve começar discutindo – e propondo – quais são os princípios básicos que consideramos indispensáveis para um Planejamento Urbano.

Para começar pelo básico é preciso lembrar a todos que o nome do processo já diz o que ele é: uma revisão, não um começo do zero ou o descarte total do que já existe. O Prefeito, o SINDUSCON ou qualquer outro ator não pode – e isto precisa ficar bem claro – achar que tem permissão para fazer qualquer coisa, a seu bel prazer, com o Planejamento da cidade.

Temos várias escalas que confirmam isto:

a) Internacionalmente, a ONU, através das Conferências Habitat, propõe – e o Brasil é signatário e partícipe das Conferências! – a ideia de uma cidade para todos, inclusiva e sem discriminação de nenhum tipo.

b) Nacionalmente, a Constituição, O Estatuto da Cidade e toda a Legislação Nacional está apoiada no conceito difuso de Direito à Cidade, cidade democrática, etc.

c) No Plano local, o Próprio parágrafo único do Art. 2º do Plano Diretor diz que: “na aplicação, na alteração e na interpretação desta Lei Complementar, levar-se-ão em conta seus princípios, estratégias e diretrizes”. É explícito: só poderão haver alterações que não desconsiderem os princípios norteadores do PD.

E qual é o princípio básico, anunciado já no Art. 1º?  “cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”. Esta é a base do Plano Diretor. Este é o princípio que não se pode abrir mão. É preciso pensar primeiro na cidade, na coletividade. Não é a propriedade ou direitos individuais a base do Planejamento. Não se planeja e muito menos se gestiona uma organização complexa qualquer com base na individualidade. Muito menos uma cidade.

E o que deve ser garantido para que o princípio funcione?

– gestão democrática, por meio da participação na formulação, execução e acompanhamento do Plano;

– promoção da qualidade de vida, reduzindo as desigualdades e exclusão social;

– fortalecimento da regulação pública sobre o solo urbano, mediante a utilização de instrumentos redistributivos da renda e da terra urbana.

– regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda;

– inibição da especulação imobiliária, dos vazios urbanos e da verticalização excessiva.

– recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado a valorização de imóveis particulares.

– promoção da qualidade ambiental, desde que lembremos que o ambiente não é algo separado da sociedade. Ambiente é também, e principalmente, o lugar em que vivemos; a maneira como interagimos com o entorno e com nós mesmos.

Finalizando: são princípios básicos, que não esgotam a discussão do Plano. Existem muitos outros aspectos, inclusive os importantíssimos “como implementar?”; e “quais instrumentos usar?”. Mas, reforço, nada disso pode ser discutido, disputado e analisado se não houver princípios ao qual nos basearmos para disputar politicamente – como deve ser – um Plano. Pois, como lembra muito propriamente David Harvey, “o direito à cidade é, portanto, muito mais do que um direito de acesso individual ou grupal aos recursos que a cidade incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos desejos.”

Portanto, qual é a cidade que queremos?

(*) Prof. Mario Leal Lahorgue

Departamento de Geografia – UFRGS

Programa de Pós-graduação em Geografia – UFRGS

Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre