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Comitê Popular de Lutas: insurgências urbanas pelo direito à cidade

As eleições de 2016 foram marcadas pela vitória das forças conservadoras na grande maioria das cidades do estado do Rio de Janeiro, reforçando os riscos de aprofundamento das graves desigualdades sociais que já marcam a metrópole fluminense e de expansão da neoliberalização das políticas públicas. Diante desse contexto conservador com provável intensificação dos conflitos urbanos foi lançado o Comitê Popular de Lutas — uma articulação que reúne organizações populares, sindicais, organizações não governamentais, pesquisadores, estudantes e outros atores sociais comprometidos com a luta pela justiça social e ambiental, e pelo direito à cidade. O objetivo do Comitê é articular as diversas lutas sociais em torno de um novo projeto includente, socialmente justo e democrático no estado do Rio de Janeiro.

O Comitê Popular de Lutas é um desdobramento da experiência do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro — sendo também inspirado em outras experiências de articulação das lutas sociais como a Articulação Nacional dos Comitês Populares, o Fórum Social Mundial, o Fórum Social Urbano, a Plenária dos Movimentos Sociais, ente outros.

O lançamento oficial do Comitê de Lutas ocorreu em julho de 2017 em ato realizado em São João do Meriti (RJ), no qual foi divulgada a sua carta compromisso (ver abaixo). Pesquisadores do Núcleo Rio de Janeiro do INCT Observatório das Metrópoles integram a articulação, com foco especial na produção de análises e pesquisas relativas às lutas pelo direito à cidade, monitoramento das políticas urbanas locais e articulação com as insurgências sociais que vêm construindo uma nova narrativa para a vida nas cidades brasileiras.

Segundo Caio Lima, integrante da articulação, a primeira ação da Comitê Popular de Lutas foi lançar o seu braço da Baixada Fluminense, com foco na região metropolitana e na periferia. “Pensar a região metropolitana, com foco nas periferias é um desafio que foi proposto para o Comitê Popular de Lutas, uma vez que é impossível pensar o Rio sem entende-lô como metrópole. Outro desafio é pensar ainda mais em termos nacionais, uma necessidade de todas as organizações progressistas, ainda mais num momento que o plano anterior mostrou seu esgotamento e acabou em um golpe”.

Divulgamos a seguir a Carta Compromisso do Comitê Popular de Lutas que sintetiza bem o contexto de crise política e econômica do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, marcado especialmente pelo retrocesso em termo dos direitos sociais conquistados por meio de muitas lutas e assegurados na Constituição de 1988.

COMITÊ POPULAR DE LUTAS

Proposta de Carta Compromisso — Pela articulação das agendas e das lutas sociais: unidade nos objetivos e tolerância nas táticas

A realização dos Jogos Olímpicos foi acompanhada da promoção de um projeto excludente de cidade e de diversas violações de direitos humanos, largamente denunciadas pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro e por diversas organizações sociais. A Olimpíada já acabou, mas o projeto excludente de cidade e as violações de direitos humanos seguem acontecendo. As eleições de 2016 foram marcadas pela vitória das forças conservadoras na grande maioria das cidades do Estado do Rio de Janeiro, o que reforça os riscos de aprofunda- mento das graves desigualdades sociais que marcam a metrópole fluminense e de expansão da neoliberalização das políticas públicas.

A onda conservadora que atinge o Brasil não é um fenômeno nacional, mas mundial, atingindo diferentes países e continentes, nos Estados Unidos, na America Latina e na Europa. A difusão e implementação de projetos excludentes de cidade ocorrem em um contexto internacional de ofensiva violenta do capitalismo internacional nas suas estratégias de respostas às crises de sobre acumulação de capital no plano global. Entre estas estratégias, destacam-se: (I) a promoção de guerras interestatais; (II) a destruição e mercantilização da natureza; (III) a retração dos direitos humanos e sociais conquistados nos últimos anos nas lutas dos trabalhadores; (IV) a implementação de grandes projetos de reestruturação urbana, promovendo a destruição criativa das cidades; (V) novas ondas de privatização, tanto dos serviços públicos, como também de bens comuns como a cultura e natureza. Todos estes processos são legitimados pela ofensiva neoliberal e buscam abrir novas fronteiras de expansão do capital, novas oportunidades lucrativas de investimento, subordinando as pessoas e o bem estar, aos interesses dos grandes grupos econômicos e ao capital global. A neoliberalização, apesar de ser um fenômeno global, se manifesta localmente com especificidades.

No Brasil, o processo de neoliberalização das cidades envolve a elitização de espaços de interesse do mercado imobiliário, o corte ou redução das políticas de habitação de interesse social e urbanização de favelas, a privatização da água e dos serviços públicos como no caso do saneamento ambiental e dos equipamentos de saúde, a mercantilização da mobilidade urbana e o aumento abusivo das passagens dos transportes públicos, a difusão das parcerias público-privadas, o aumento das remoções, a repressão aos camelôs, a violência contra os jovens pobres e negros, e a retração das políticas sociais. Como efeito destas políticas, já são evidentes os sinais de aumento da pobreza urbana nas ruas das cidades.

No caso da cidade do Rio de Janeiro, a vitória do prefeito eleito Marcelo Crivella representa uma ameaça às conquistas democráticas dos últimos anos, expresso na defesa de projetos conservadores e autoritários, como a “Escola Sem Partido”, e na sua aliança com setores clientelistas, com setores do PMDB e com a Igreja Universal. O secretariado montado pelo prefeito expressa um claro projeto conservador, reunindo pessoas próximas do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como Luiz Carlos Ramos, conhecido como o homem do chapéu, e do PSDB, como Teresa Berger. Mas sem dúvida, o mais grave foi a nomeação do coronel Amêndola para a Secretaria de Ordem Pública, tendo em vista as acusações que pesam sobre ele, de ser ex-integrante do aparelho repressivo na ditadura militar.

No âmbito do governo estadual, os impactos da gestão irresponsável e corrupta do ex-governador Sérgio Cabral se fazem sentir com toda a força, e se expressam na crise de hegemonia do PMDB. O atual governador Pezão, vice e cúmplice de Cabral, faz uma gestão desastrosa, na qual o caos dos serviços de saúde e fechamento de UPAS, na educação com a crise da UERJ, o não pagamento dos salários e 13o do funcionalismo e o fechamento dos restaurantes populares, são algumas das suas mais graves expressões, fruto das isenções fiscais e da corrupção no governo e no Tribunal de Contas do Estado. A subordinação do governo aos interesses privados indica que novas privatizações vão ser promovidas, como já se observa no caso da empresa de água e esgoto, CEDAE. Neste cenário, a tendência é o aprofundamento do quadro de crise do governo do estado e de incertezas sobre o término da gestão Pezão.

No plano nacional, o cenário é ainda mais assustador. O golpe político institucional ocorrido no país, com o afastamento ilegítimo e ilegal da presidenta Dilma Rousseff, representou uma inflexão conservadora na política brasileira. No entanto, ao invés de se considerar o momento de afastamento da presidenta, decorrente da abertura do processo de impeachment, como um evento isolado, há que se considerar o golpe político do bloco conservador como um processo que já vinha sendo arquitetado e implementado no interior do próprio governo Dilma, como fica evidente na mudança do posicionamento dos partidos e políticos, considerados “aliados, no momento da votação no Congresso Nacional.

Do ponto de vista da política urbana, a inflexão conservadora já vinha mostrando sua força nos grandes projetos e nas intervenções urbanas que vinham sendo implementadas, que já expressavam claramente um novo ciclo de mercantilização das cidades, com a entrega de seus espaços mais rentáveis e valorizados à iniciativa privada e transferência da população pobre para regiões cada vez mais afastadas dos centros. Mas os setores conservadores não se mostravam satisfeitos com as concessões feitas aos setores populares, muitas das quais defendidas por setores do governo federal, e o golpe político institucional cria as novas condições para esta nova inflexão conservadora.

Com efeito, assiste-se ao aprofundamento do ciclo de mercantilização das cidades. Nas primeiras semanas após o golpe, o governo do presidente interino Michel Temer anunciaria mudanças políticas radicais, com cortes consideráveis nas políticas sociais, entre os quais no programa Bolsa Família, a suspensão do edital do programa Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV-E – programa complementar do Minha Casa Minha Vida voltado para a construção de moradia pelas cooperativas e entidades populares), e o anúncio da criação do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que tem por objetivo promover a privatização e o investimento do setor privado em projetos públicos. Além do envio de duas PECs, a de número 55, que estabelece o teto nos gastos sociais do poder público, e já foi aprovada pelo Congresso Federal, e de numero 287, de reforma da previdência e das leis trabalhistas, ambas restringindo gravemente direitos sociais estabelecidos constitucionalmente.

No contexto das contradições desta agudização conservadora, os conflitos urbanos decorrentes da implementação deste projeto excludente de cidade e a necessidade das forças progressistas de se articularem para resistir contra o golpe e lutarem pelo direito à cidade como um bem comum, desafia a construção de um espaço de articulação das lutas no Estado do Rio de Janeiro.

A experiência do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro nos anima e é uma inspiração. Mas também outras experiências de articulação das lutas sociais como a Articulação Nacional dos Comitês Populares, o Fórum Social Mundial, o Fórum Social Urbano, a Plenária dos Movimentos Sociais, ente outros.

Essa articulação deve estar fundada em alguns princípios enunciados a seguir:

— Democratização e transparência das informações sobre os projetos, custos e modelos de gestão que permitam o monitoramento social. As ações e obras promovidas pelo poder público devem ser objeto de amplas consultas, audiências públicas e debates, e os posicionamentos e recomendações definidos nesses espaços devem orientar as ações, garantindo a efetiva participação popular.

— A efetiva participação das comunidades atingidas pelos projetos e programas urbanos implementados, de forma a cumprir a lei federal do Estatuto da Cidade, que garante a participação das mesmas neste processo.

— O fim das remoções em todas as comunidades do Rio de Janeiro, com reparação para todos os atingidos e atingidas, e a construção democrática de uma Política Habitacional para a cidade que contemple as necessidades de todos os cidadãos e cidadãs. O direito à posse deve ser respeitado, conforme o reconhecimento estabelecido no Estatuto da Cidade.

— A desmilitarização da cidade, com o fim da política de repressão nas favelas e na periferia metropolitana, expressa, sobretudo, no extermínio dos jovens negros e no controle destes territórios pelo tráfico e pela milícia. Neste sentido, entendemos que é fundamental a reformulação da atual política de drogas, fundada na repressão e militarização, responsável pelo encarceramento de jovens e adolescentes negros e pobres, e a descriminalização da maconha.

— A promoção da justiça socioambiental, com a desmercantilização da natureza, a defesa da sustentabilidade ambiental, a despoluição da Bahia de Guanabara e dos rios que nela desaguam, o respeito as comunidades de pescadores ameaçadas pela indústrias que poluem e impactam o meio ambiente necessário a sua reprodução social.

— O fim da perseguição da Prefeitura do Rio aos camelôs, com revisão e ampliação das licenças com participação e controle social, bem como a retirada da Guarda Municipal da função de fiscalização e repressão.

— Pelo direito ao uso democrático do espaço público, envolvendo não apenas as praças, mas todos os equipamentos públicos da cidade, tais como escolas, museus, praias, etc.

— Anulação do processo fraudulento do Maracanã e a reconstrução e reabertura do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Julio Delamare, com administração pública e uso coletivo de todos estes equipamentos esportivos. O caso do Maracanã é emblemático do fracasso da gestão privada de equipamentos públicos, que deixam de servir a população e passam a estar subordinados a lógica da corrupção, do lucro e dos interesses mercantis.

— Contra as privatizações dos serviços de transporte coletivo e a concentração dos investimentos nas áreas de interesse do mercado imobiliário. Transportes públicos de qualidade para todos(as) com tarifa zero.

— Por uma efetiva política metropolitana, democrática e participativa, de forma a enfrentar as graves desigualdades sociais que caracterizam a metrópole fluminense.

— A política urbana deve estar a serviço da promoção do direito à cidade e da efetivação da função social da propriedade, e não da promoção de negócios privados e dos interesses das grandes corporações. Para se contrapor a este projeto excludente, é fundamental a luta por outro projeto de cidade mais justa e democrática.

No contexto atual, algumas temáticas parecem ganhar prioridade ao atravessar o conjunto das pautas dos movimentos sociais. Entre estas temáticas, destacam-se a questão da luta contra as privatizações e a luta contra a violação de direitos humanos.


O Comitê Popular de Lutas se define como uma articulação que reúne organizações populares, sindicais, organizações não governamentais, pesquisadores, estudantes, atingidos pelas intervenções urbanas promovidas pelo poder público e pela iniciativa privada, mandatos populares e partidos progressistas, e pessoas diversas comprometidas com a luta pela justiça social ambiental, e pelo direito à cidade. O objetivo do Comitê é articular as diversas lutas sociais em torno de um novo projeto includente, socialmente justo e democrático no Estado do Rio de Janeiro. O Comitê Popular de Lutas pretende promover reuniões e debates públicos, produzir documentos e dossiês de denúncias sobre as violações de direitos humanos, organizar atos públicos, promover ações insurgentes e disseminar informações, tendo como perspectiva a construção de uma visão crítica sobre os projetos implementados nas cidades fluminenses e no Estado.

Sobre a dinâmica de funcionamento.

Em termos da sua dinâmica de funcionamento, serão respeitados as seguintes linhas gerais:

— O Comitê Popular é aberto a todas as organizações que se identifiquem com os princípios estabelecidos coletivamente neste documento (a ser discutido amplamente).

— O Comitê Popular respeita a autonomia das organizações que o compõe, não se constituindo em espaço que substitua a legítima representação de diferentes grupos e instituições sociais.

— O Comitê Popular adota como princípio a tolerância de táticas, ou seja, o apoio à diversidade de táticas acionadas pelas redes e organizações sociais nas suas lutas na cidade.

— O Comitê Popular, como espaço aberto e democrático, evita tomar decisões por votação, buscando a construção de consensos coletivos como método de funcionamento. A não existência de consensos, no entanto, não pode ser encarada como um veto a ação pública do Comitê. Neste sentido, constatada a ampla maioria, pode ser deliberada uma ação, respeitando-se a ausência ou retirada das organizações, instituições e ativistas que não se sentirem contemplados na mesma.

— O Comitê Popular tem como prioridade articular e fortalecer as organizações sociais, e não a representação institucional junto ao poder público. Ao mesmo tempo, o Comitê Popular respeita as organizações e instituições que dialogam e ocupam espaços institucionais, segundo sua autonomia e estratégia de ação.

Convidamos organizações sociais, movimentos populares, organizações sindicais, instituições acadêmicas e estudantis, redes de movimentos e ativistas para se engajarem no Comitê Popular de Lutas.

Para mais informações, acesse no link a seguir o site da articulação do Comitê de Lutas.