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Distritão: O PMDB contra a nação

By 09/04/2015janeiro 28th, 2018Artigos Semanais, Notícias

Congresso Brasileiro

Se o mínimo a se esperar da Reforma Política são medidas de racionalização e fortalecimento do quadro partidário, o PMDB prepara,  pelas mãos de Eduardo Cunha, a votação de proposta de reforma do sistema eleitoral – batizada de Distritão – que, se aprovada,  importará em  grave retrocesso institucional.

O artigo “Distritão: O PMDB contra a nação”, de autoria do Prof.º Dr. Nelson Rojas de Carvalho, foi publicado originalmente no Jornal Valor. O Observatório das Metrópoles divulga o artigo em seu boletim semanal com o propósito de oferecer análises sobre a atual conjuntura política brasileira, e fortalecer os estudos sobre o tema da governança metropolitana.

Nelson Rojas de Carvalho é cientista político, professor da UFRRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles/UFRJ/IPPUR. Teve passagem pela London School of Economics and Political Science (LSE) e pela Universidade da Califórnia – San Diego (UCSD). Tem diversos artigos escritos sobre eleições publicados em periódicos nacionais e internacionais. Seu livro “Geografia Política do Voto e Comportamento Legislativo no Brasil” é referência nos estudos sobre eleições e Congresso no Brasil.

DISTRITÃO:  O PMDB CONTRA A NAÇÃO

Nelson Rojas de Carvalho

Sabem os constitucionalistas e politólogos  que os regimes democráticos são terreno fértil de experimentos no campo da engenharia eleitoral, experimentos cuja diversidade e inventividade estão longe, no entanto,  de expressarem esforço deliberado de  aperfeiçoamento dos instrumentos de representação.  De fato, a infinidade, dificilmente classificável, de fórmulas de expressão da vontade popular só pode ser compreendida em razão das diferentes inscrições históricas dos sistemas democráticos e, sobretudo,  das motivações estratégicas de grupos  que, por meio do bom uso da engenharia institucional, pretendem maximizar seus  ganhos políticos.

Vale lembrar, a título de exemplo,  que,  se a Alemanha do pós-guerra introduziu a cláusula de desempenho para os partidos com a finalidade cirúrgica de impedir o acesso de grupos extremistas ao parlamento, a França de De Gaulle adotou  a representação majoritária, em 1958, como resposta à determinação do general  de garantir condições ótimas de governabilidade.  Nesses e em outros exemplos, o desenho das regras eleitorais aparece menos como obra de espíritos bem-aventurados e desprendidos e mais como resultado da  convergência  entre   circunstâncias históricas e cálculos estratégicos e interessados dos atores políticos.

No Brasil, a atual conjuntura política representa sem dúvida ponto de inflexão em que se abre janela de oportunidade para  avanços na tão desejada e adiada reforma política. As ruas descontroladas de 2013 puseram em xeque a legitimidade e efetividade de nosso sistema representativo; o congresso insurgente de 2015, por seu turno,  protagoniza uma crise de governabilidade de proporções inéditas e de desfecho desconhecido,  colocando sob júdice as crenças até ontem partilhadas sobre as virtudes e operosidade do nosso presidencialismo de coalizão. Assim, tanto do ponto de vista da representação, como da governabilidade, o edifício institucional do País deve mais do que nunca ser objeto de escrutínio e, sobretudo, de  reforma nos seus aspectos não operacionais. Se é certo que as fissuras institucionais têm também por origem fatores exógenos, como o manejo impróprio da  economia  e a pouca aptidão da presidente para o exercício do que Richard Neustadt identificou como função precípua dos presidentes – a negociação-, é fato que as instituições têm respondido de forma insuficiente à crise – indício não menos importante de sua fragilidade.

Ora, a fragilidade de nossas instituições certamente guarda relação com inconsistências em nosso  sistema político-representativo,  o qual   parecia haver chegado ao nível do esgotamento em 2013, com a cisão entre as ruas, de um lado, e partidos políticos, sindicatos  e os poderes instituídos, de outro.  A  proliferação ou, em designação mais apropriada,   a   metástase em curso de legendas que nada representam além do interesse dos legisladores individuais, é indicador incontestável do funcionamento  inadequado e insatisfatório do sistema representativo; em situação inédita, a Câmara dos Deputados abriga hoje o número recorde de 28 legendas partidárias, em sua maioria desprovida de qualquer conteúdo programático; máquinas políticas, com fraco enraizamento social,  as quais em circuito pouco virtuoso, capturam recursos do Executivo para a irrigação das bases em troca de votos.

Por certo,  o ministro Kassab, em lição prática,  atualizou os livros-texto dos constitucionalistas e politógos: antes de expressarem correntes de opinião, os partidos no Brasil são instrumentos de melhor alocação dos parlamentares individuais em sua negociação com o executivo. Decorre essa característica, por sua vez, de um aspecto peculiar de nossa legislação eleitoral: o voto proporcional em lista aberta aqui adotado está na raiz da personalização e individualização  das escolhas e das práticas políticas;  entre nós, vota-se em indivíduos e marginalmente nos partidos. Se são infindáveis os efeitos nocivos do voto personalizado, cabe chamar a atenção para os mais graves: a) atomização, fragmentação e individualização do processo político, em prejuízo dos partidos e de  diretrizes programáticas abrangentes; b)  limitação do timing das políticas de governo ao horizonte das carreiras políticas individuais; c) anemia político-institucional.

Ora, se o mínimo a se esperar da reforma política são medidas de racionalização e fortalecimento quadro partidário, o PMDB prepara,  pelas mãos de Eduardo Cunha, a votação de proposta de reforma do sistema eleitoral – assinada por Michel Temer  – que, se aprovada,  importará em  grave retrocesso institucional.  Nome de batismo da reforma peemedebista, o “distritão” considera cada estado federado como distrito eleitoral; eleger-se-iam nos estados ou distritos os deputados com maior votação individual, independentemente do desempenho e votação do partido. Se são imprevisíveis as consequências de longo prazo do distritão,  os efeitos de curto prazo são tão graves como evidentes:  a demissão de fato dos partidos como instrumentos de expressão e agregação de identidades  e a consagração da individualização e da personalização  como vetores centrais e perenes de nossa vida política.  Difícil não ver também outro efeito de curto prazo: ancorado em mais de mil prefeituras, o PMDB extrairia dos grotões desconhecidos campeões do voto que dariam vida longa ao baixo clero que hoje comanda o legislativo. Já dos centros urbanos poderíamos esperar o recrutamento de pastores, radialistas e nomes desprovidos de toda e qualquer socialização política prévia.  O congresso comportaria, então,  uma combinação esdrúxula de coronéis do voto com base nos grotões e radialistas, desportistas e pastores, com extração nos grandes centros urbanos. Compreensivelmente, o distritão é de interesse do PMDB, mas nesse caso o interesse do PMDB não é o interesse da Nação.

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