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Metrópole, Estado e Capital: em busca de uma “fenomenologia do poder”

By 02/05/2013janeiro 19th, 2018Eventos

Metrópole, Estado e Capital: em busca de uma “fenomenologia do poder”

Como entender a mudança ou não do papel do urbano nesta nova etapa de expansão do capitalismo brasileiro? Partindo desse questionamento o INCT Observatório das Metrópoles promove o terceiro encontro do ciclo de debates “Metrópole, Estado e Capital” com o objetivo de oferecer a análise mais completa sobre a evolução urbana do Brasil nos últimos 30 anos (1980-2010). O evento conta com a participação do professor José Luis Fiori, autor do livro “O Poder Global”, que irá contribuir com uma análise sobre a questão do poder e sua natureza expansiva no contexto mundial. O debate será transmitido ao vivo pela webTV/UFRJ.

O ciclo de debates “Metrópole, Estado e Capital: o urbano na atual etapa da ordem capitalista no Brasil. Mudanças? Fundamentos teóricos” é mais uma das ações que o Observatório das Metrópoles vem realizando em 2013 a fim de produzir um estudo comparativo sobre as 15 principais regiões metropolitanas do país, relacionando as mudanças econômicas, sociais e políticas às dinâmicas urbanas nacionais, regionais e locais. Vinculado ao Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), o projeto tem como objetivo oferecer uma análise mais completa sobre a evolução urbana brasileira, servindo assim de subsídio para a elaboração de políticas públicas nas grandes cidades e para o debate sobre o papel metropolitano no desenvolvimento nacional.

 

Por uma fenomenologia do poder

O terceiro encontro do ciclo de debates “Metrópole, Estado e Capital” vai receber o professor José Luis Fiori, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro “O Poder Global” (Editora Boitempo). Ele irá falar sobre o tema “A questão do poder e de sua natureza expansiva, no nível quântico: em busca de uma fenomenologia do poder”.

Fiori pesquisa e ensina há mais de 20 anos no campo das Relações Internacionais, e em particular, na área de Economia Política Internacional, com ênfase no estudo das relações entre a geopolítica e a economia política do “sistema inter-estatal capitalista”.

Até 2008, publicou 9 livros e organizou 5 coletâneas. Ganhou o Premio Jabuti de Economia, Administração, Negócios e Direito, na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998, com o livro “Poder e Dinheiro. Uma economia Política da Globalização”, organizado com a professora M.C.Tavares; e recebeu Menção Honrosa, na Bienal do Livro de 2002, com o livro “Polarização Mundial e Crescimento”, organizado com o professor C. Medeiros. Desde 1990, publicou cerca de 230 artigos em jornais como Valor Econômico, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal do Comercio, e em revistas como Carta Capital, Exame, Praga, Margem Esquerda, Carta Maior, SinPermisso e La Onda.

A seguir o texto “Sobre o desenvolvimento chinês”, de José Luis Fiori, publicado na Revista Carta Maior.

 

SOBRE O DESENVOLVIMENTO CHINÊS

JOSÉ LUÍS FIORI

“Sou leigo no campo da economia. Fiz alguns comentários a respeito do assunto, mas todos de um ponto de vista político. Por exemplo, propus uma política de abertura econômica chinesa para o mundo exterior, mas, quanto aos detalhes ou especificidades de sua implementação, sei muito pouco de fato.”

Deng Xiaoping, cit. In H. Kissinger, Sobre a China, Ed Objetiva, RJ, 2011, p: 331

A história não se repete, nem pode ser transformada em receita. Mas ela pode ensinar  os que desejam aprender, como se fosse um velho e bom professor. Haja vista, o caso do extraordinário desenvolvimento econômico chinês das últimas décadas. A explicação dos economistas costuma sublinhar a importância demiúrgica das reformas liberalizantes, ou, a eficácia das políticas econômicas heterodoxas,  apesar de que Deng Xiaoping – considerado  pai do “milagre econômico chinês –  sempre tenha insistido na natureza política e estratégica do seu projeto reformista, muito mais do que econômica. Como se ele estivesse apontando para a lua, enquanto os economistas insistissem em olhar apenas para o seu dedo, devido a sua grande dificuldade  de  compreender racionalidades que não se submetam à “lógica utilitária”.  Sendo assim, qual foi então este ponto de partida político do “milagre econômico” chinês, a que se refere insistentemente Deng Xiaoping?

Não é fácil reconstruir e sintetizar um processo tão complexo. Mas parece não haver duvida que “o grande salto capitalista” da China, começou no final da década de 50, com a ruptura entre o comunismo chinês e o soviético.  Uma ruptura ideológica que se transformou numa disputa de fronteira, durante toda a década de 60, culminando com o conflito militar do Rio Ussuri, em 1969. A partir daí, a URSS aumentou geometricamente sua força militar junto à fronteira chinesa, e a China respondeu ao cerco russo, com seus primeiro teste nuclear, em 1964, e com o lançamento do seu primeiro foguete balístico, em 1966.

O sentimento de ameaça e insegurança crescente, levou  Mao Tse Tung a convocar de volta, em 1969, um grupo quatro marechais do Exército de Libertação Popular, que haviam sido expurgados pela Revolução Cultural – Chen YI, Nie Rongzhen, Xu Xiangqian e Ye Jianying – com a tarefa de apresentar um mapa das opções estratégicas da China, frente aos  desafios criados pela ruptura do bloco comunista. O diagnóstico da alta comissão militar foi terminante, e suas propostas mudaram a história da política externa chinesa.  A URSS era definida como a principal ameaça à segurança chinesa, e deveria ser contida através de uma politica militar de “defesa ativa”, e de uma estratégia politica-diplomática “ofensiva”, de reaproximação com os EUA. No ano seguinte, no dia 8 de dezembro de 1971, chegou à Casa Branca, em Washington,  a mensagem do primeiro-ministro,  Chou en Lai,  que deu início à uma das transformações geopolíticas mais importantes do século XX.

Em nome da nova estratégia, na reunião presidencial de 1972, entre os presidentes Mao e Nixon, Mao Tse Tung colocou entre parêntesis as divergências dos dois sobre a questão de Taiwan, e propôs ao presidente Nixon  uma “linha horizontal” de contenção da URSS, que passava pelo Oriente Médio, e chegava até o Japão. Na sequencia, e como forma de fortalecer a capacidade defensiva da China, o primeiro-ministro Chou en Lai propôs, em 1975, o seu programa das “4 modernizações” que foram implementadas por Deng Xiaoping, a partir de 1978. Seguindo esta mesma estratégia, o governo de Deng Xiaoping  promoveu em 1979 uma invasão preventiva do Vietnã, para impedir a expansão da influencia militar soviética na Indochina,  com o conhecimento do Japão e com o apoio logístico do governo Carter.  A nova estratégia militar e econômica encerrou definitivamente a Revolução Cultural (1965-1974) e fortaleceu o estado central chinês, que recuperou sua condição milenar de guardião moral da unidade e do “interesse universal” do território continental e da civilização chinesa.  Uma sociedade multitudinária que  se vê a si mesma como uma civilização superior, homogênea e  com pelo menos 2300 anos de existência, a despeito do “século de humilhação” que lhe foi imposto à China, pela “barbárie europeia”, entre 1842 e 1945.

Depois do fim da URSS, a China se reaproximou da Rússia e redefiniu seu “mapa estratégico”, mas manteve sua fidelidade ao ponto de vista político de Deng Xiaoping: o desenvolvimento da China deve estar sempre a serviço da sua política de defesa. Neste sentido, se nossa hipótese estiver correta, e mesmo que a história não se repita, o mais provável é  que a nova Doutrina Obama de contenção da China reforce e expanda a “economia de guerra” do país, acelerando e aprofundando sua “conquista do oeste” e sua integração com a Rússia e com a Ásia Central. Por fim, esta história deixa uma lição surpreendente:  para os chineses, o desenvolvimento capitalista é apenas um instrumento a mais de defesa de sua civilização milenar,  contra os sucessivos cercos e invasões dos “povos bárbaros”.

 

Última modificação em 02-05-2013