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As intervenções públicas na preparação da cidade do Rio de Janeiro para sediar os megaeventos Copa do Mundo – 2014 e Jogos Olímpicos – 2016 representam novos ciclos de mercantilização da cidade que atualizam e recompõem as forças da acumulação urbana que estão na base da reprodução do mecanismo de segregação urbana. Para o profº Orlando dos Santos Jr. foram abandonados os compromissos universalistas e redistributivos expressos no plano diretor aprovado em 1991, passando o governo da cidade a se orientar por ações consideradas estratégicas para torná-la competitiva no mercado global de consumo de serviços, particularmente aqueles relacionados com o turismo de divertimento.

O capítulo “A modernização neoliberal no Rio de Janeiro”, de Orlando dos Santos Jr. é um dos destaques do livro Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana.

De acordo com Orlando dos Santos Jr, a hipótese da análise é que estão em curso diversas mudanças na cidade do Rio de Janeiro, que caminham na direção do que tem sido denominado “governança empreendedorista neoliberal”, envolvendo um processo de destruição criativa de estruturas urbanas, de arranjos institucionais de gestão e de regulações do espaço urbano.

“No contexto da realização dos dois megaeventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014, e os Jogos Olímpicos de 2016, se formou uma coalizão de interesses econômicos, políticos e sociais, com foco na configuração urbana de certos espaços, notadamente a Barra da Tijuca, a Área Portuária e a Zona Sul, apontando na direção do aprofundamento das desigualdades socioespaciais da cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, pode-se dizer que as mudanças em curso caminham na direção do que se poderia denominar modernização neoliberal”, aponta Jr.

Orlando explica ainda que tomando como base a concepção de neoliberalização como processo, a hipótese seria de que a crescente adoção do empreendedorismo urbano não ocorreria em todos os municípios da metrópole fluminense, apesar de alguns dos seus princípios serem amplamente difundidos, mas seria um processo verificado centralmente no município do Rio de Janeiro. “Na capital, a governança empreendedorista emergiria e progressivamente se consolidaria mediante um processo interativo com as múltiplas gramáticas políticas que marcam a trajetória da metrópole, de forma a promover uma nova rodada de mercantilização da cidade.”

As mudanças em curso parecem estar em grande medida legitimadas discursivamente pela realização desses megaeventos e do suposto legado social que os mesmos seriam capazes de proporcionar à cidade. Nessa perspectiva, a Prefeitura do Rio de Janeiro denomina Projeto Olímpico o conjunto de intervenções planejadas para a cidade, incorporando sob essa marca tanto as intervenções vinculadas à Copa do Mundo 2014 como aquelas vinculadas às Olimpíadas de 2016, o que permite interpretar estas mudanças como um projeto de modernização neoliberal.

Segundo Orlando Jr, é possível inferir que, do ponto de vista da governança urbana, esta modernização neoliberal parece se aproximar das práticas patrimonialistas, que tanto marcam a história da cidade do Rio de Janeiro, e se distanciar da gestão democrática associada ao ideário do direito à cidade. Nesse contexto, as esferas públicas de participação são progressivamente substituídas por processos decisórios que subordinam o poder público à lógica do mercado.

Em segundo lugar, o processo de implementação desse projeto de neoliberalização envolve diversas contradições e suscita diferentes conflitos urbanos envolvendo resistências e oposições, por exemplo, no tocante às prioridades dos investimentos realizados, às remoções de comunidades situadas nas áreas de intervenção, à inexistência de canais de participação social, e às transformações na vida social. “Tais conflitos, protagonizados por uma diversidade de organizações e movimentos sociais, podem incidir nos rumos do projeto de neoliberalização, alterando-o mais ou menos substantivamente, ou mesmo inviabilizando-o, dependendo da força que ele venha atingir ao longo do tempo, o que reforça a incerteza sobre o futuro da cidade. Nesse sentido, pode-se prever que a governança urbana do Rio de Janeiro tenderá a ser marcada pelo acirramento”, aponta Orlando Jr. e completa:

“Em suma, as profundas transformações em curso na dinâmica urbana da Cidade do Rio de Janeiro envolvem, de um lado, novos processos de mercantilização da cidade e, de outro, novos padrões de relação entre o poder público e o setor privado, caracterizados pela subordinação do poder público à lógica do mercado. Esse processo envolve a destruição criativa de estruturas físicas, arranjos institucionais e regulações urbanas e sociais visariam a criação de novas condições para a produção e reprodução do capital no contexto da globalização contemporânea, expressando uma nova coerência estruturada, que ao mesmo tempo preserva estruturas urbanas, instituições sociais e agentes presentes no território. A combinação do velho e do novo caminha no sentido de reproduzir práticas que ameaçam os princípios da gestão democrática e a universalização de direitos na cidade.”

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