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Reivindicando o direito à habitação: Santa Filomena/Portugal

By 22/05/2013janeiro 20th, 2018Revistas Científicas

Reivindicando o direito à habitação: o caso de Santa Filomena/Amadora

A habitação parece estar de volta à agenda política portuguesa. Num quadro de profundas transformações que abrangem todos os setores da vida nacional, a habitação não foge à regra e parece assumir um novo protagonismo. É justamente no quadro desta realidade em rápida mudança que André Carmo apresenta algumas características do setor de habitação no contexto português, colocando o enfoque na evolução das políticas de realojamento. Depois, a partir do trabalho desenvolvido pelo HABITA no bairro de Santa Filomena, exploram-se alguns dos problemas relacionados com a recente intervenção da Câmara Municipal da Amadora (CMA) no local.

O artigo “Reivindicando o direito à habitação: o caso de Santa Filomena/Amadora” é um dos destaques da edição nº 12 da Revista eletrônica e-metropolis – publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins. A Revista e-metropolis é editada por alunos de pós-graduação de programas vinculados ao INCT Observatório das Metrópoles e conta com a colaboração de pesquisadores, estudiosos e interessados de diversas áreas que contribuam com a discussão sobre o espaço urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.

REIVINDICANDO O DIREITO À HABITAÇÃO

Por André Carmo

A habitação parece estar de volta à agenda política portuguesa. Num quadro de profundas transformações que abrangem todos os setores da vida nacional, a habitação não foge à regra e parece assumir um novo protagonismo. É justamente no quadro desta realidade em rápida mudança que procuramos, com esta breve reflexão, contribuir para a discussão em torno dessa problemática. Ademais, é preciso não esquecer o papel absolutamente central que a habitação tem desempenhado no desenrolar da atual crise, desencadeada pelo subprime nos EUA, que lhe confere uma importância acrescida. Paralelamente, ainda que implicitamente, esta reflexão obriga-nos também a questionar a relação que se estabelece entre a «habitação como direito» e a «habitação como mercadoria», uma das tensões mais características das sociedades capitalistas contemporâneas.

Este artigo está dividido em duas partes. Primeiro, são apresentadas algumas características do setor da habitação no contexto português, colocando o enfoque na evolução das políticas de realojamento. Depois, a partir do trabalho desenvolvido pelo HABITA2 no bairro de Santa Filomena, exploram-se alguns dos problemas relacionados com a recente intervenção da Câmara Municipal da Amadora (CMA) no local.

DIREITO À HABITAÇÃO E POLÍTICAS DE REALOJAMENTO

Há várias décadas a habitação é vista como um direito humano fundamental. Tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1969), o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1976), a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1981), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Carta Urbana Europeia (1992), a Carta Social Europeia na sua versão revista (1996), a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), ou a Declaração pelo Direito à Habitação e Cidade em toda a Europa (2007) lhe atribuem esse estatuto, dignificando assim a sua função social.

Presente na maior parte das constituições de países democráticos, o direito à habitação está não só relacionado ao acesso a uma habitação digna e adequada aos rendimentos dos seus ocupantes como também à própria inserção social e o exercício da cidadania (Barreto et al., 2011). Na mesma linha Guerra (2008, p.59) assinalou que «a habitação continua um elemento fundamental da qualidade de vida de uma comunidade e a manifestação dos fundamentos da cidadania que permite a todos e a cada um sentir-se membro de uma comunidade nacional». No entanto, Portugal, só a partir de 1976, consagrou a habitação como direito fundamental ao inscrevê-la no artigo 65 da sua constituição. Salvo raras exceções, esta nunca viria a ser considerada uma questão central pelo estado português (Domingues et al., 2007; Serra, 2002). Por isso, nas décadas de 70 e 80 do século XX, num contexto de intensa pressão migratória de populações de baixa capacidade econômica, a sua incapacidade em dar resposta às necessidades de habitação a preços acessíveis, sobretudo nas duas áreas metropolitanas do país, levou a um surto de construção clandestina e ao aumento do número de pessoas a viver em bairros de barracas, clandestinos e degradados (Guerra, 2011).

Como assinalaram Malheiros e Fonseca (2011), o crescimento da economia portuguesa na segunda metade dos anos 80, após a adesão de Portugal à UE, estimulou a intensificação dos fluxos migratórios de carácter econômico. O grande investimento público nas áreas dos transportes, infraestruturas rodoviárias e equipamentos públicos, e o investimento privado no setor terciário e na construção civil, atraíram trabalhadores estrangeiros (oriundos dos PALOP3) que supriram as necessidades de mão de obra em setores de atividade com baixas remunerações e pouco exigentes em termos de qualificação (homens – construção civil e obras públicas; mulheres – serviços domésticos e limpezas). Embora com um ritmo menor que o período 1986-1990, na segunda metade dos anos 90 observou-se um novo impulso econômico que continuou a alimentar os fluxos de entrada, assistindo-se a um reforço da concentração de cidadãos estrangeiros na área metropolitana de Lisboa (AML). Consequentemente, concluem os autores, aliadas às dificuldades de aquisição de casa própria, as já referidas limitações na oferta pública de habitação, levaram a que estes imigrantes recém-chegados ficassem confinados aos mercados de arrendamento e subarrendamento privados, coabitação com familiares, colegas de trabalho e amigos, e/ou aos bairros de barracas e outras formas de alojamento precário (sobrelotados e sem infraes¬truturas básicas).

Os problemas no setor da habitação levaram a que, em 1987, fosse criado um programa de realojamento, designado Acordos de Colaboração (Decreto-lei 226/87), com vista à erradicação de bairros de barracas. A fraca adesão (taxa de execução de apenas 56% à data da sua revogação, em 2004), acompanhada da afirmação crescente do papel dos municípios na execução das políticas de habitação, levaram à criação, em 1993, do Programa Especial de Realojamento (PER), que visava o mesmo objetivo, embora circunscrito às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Promovido pelo poder central com carácter de urgência, a aplicação do PER era, e continua a ser, feita localmente pelas autarquias ou instituições sociais. Foi sempre aos municípios que competiu o papel mais relevante dado que, tal como constava do Decreto-lei 163/93 (posteriormente alterado pelo Decreto-lei 271/2003), seriam eles os responsáveis pela «efectiva resolução do grave problema social de habitação». Assim, após celebração de um acordo com o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e o Instituto Nacional da Habitação (INH), hoje Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), era feito um levantamento exaustivo dos alojamentos e respectivos agregados familiares, identificados os proprietários dos terrenos e programadas as soluções de realojamento (construção e aquisição de fogos de custos controlados). Para além do realojamento, previa-se também o acompanhamento do processo de integração social das famílias beneficiárias do PER (sobretudo populações imigrantes e ciganas).

Particularmente dinâmico na segunda metade dos anos 90, entre 1994 e 2005, construíram-se, ao abrigo do PER, um total de 31 000 fogos, tendo sido contratualizados cerca de 35 000. Embora sejam conhecidos muitos dos seus problemas, como por exemplo, a abordagem excessivamente funcionalista, a reprodução de situações de exclusão causadas pela formação de «guetos» que afastam as pessoas dos serviços públicos essenciais e limitam a sua mobilidade, a abrupta dissolução das redes sociais consolidadas ao longo do tempo, entre outros, este programa representou um investimento público substancial com alcance significativo que erradicou, num período de 10/12 anos, cerca de 35 000 habitações precárias e sem condições mínimas de habitalidade (Vilaça, 2001). Em 2009, a taxa de execução do PER era de cerca de 70%, sendo a Amadora um dos casos mais problemáticos pois, sendo logo a seguir a Lisboa o município com maior número de fogos acordados, apresentava uma taxa de execução de 38%6 (IHRU, 2008). Por outro lado, é muito importante notar que, no caso dos imigrantes chegados nas vagas migrató¬rias mais recentes, o PER teve pouco impacto nas condições de habitação, pois o programa só incluía famílias e indivíduos abrangidos pelo levantamento feito em 1993.

Para ver o artigo completo “Reivindicando o direito à habitação: o caso de Santa Filomena/Amadora”,  acesse a Revista eletrônica e-metropolis edição nº 12 aqui.

 

Última modificação em 22-05-2013