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Trajetórias divergentes: EUA e Europa Ocidental | Perspectivas de Karl Polanyi

By 05/02/2013janeiro 23rd, 2018Artigos Semanais

Neste artigo, Frederik Block (2007) adota o marco conceitual do pensador Karl Polanyi para tentar explicar como os modelos econômicos e as orientações na política externa dos EUA e da Europa se divergiram nas últimas décadas do século XX. A partir dos anos 1970 a comunidade empresarial americana abandonou o consenso keynesiano e se aliou com o movimento religioso conservador, exigindo redução da intervenção estatal da economia e política externa agressiva. Por sua vez, o empresariado europeu ficou dentro do consenso, exigindo a redução do peso dos sistemas regulatórios e do estado de bem-estar social no contexto da globalização.

A resenha sobre o artigo “Understanding the Diverging Trajectories of the United States and Western Europe: A Neo-Polanyian Analysis”, de Frederik Block (2007), foi produzida pelo Matthew Richmond, pesquisador colaborador do INCT Observatório das Metrópoles. O trabalho visa debater, a partir das teorias do pensador Karl Polanyi, os processos de globalização e do neoliberalismo; e de que modo esses fenômenos incidem na reconfiguração das cidades mundiais.

 

RESENHA

Por Matthew Richmond

Neste artigo, Frederik Block (2007) adota o marco conceitual do pensador social Karl Polanyi para tentar explicar como os modelos econômicos e as orientações na política externa dos Estados Unidos, por um lado, e da Europa, por outro, se divergiram nas últimas décadas do século XX.

Polanyi propôs que as trajetórias das sociedades modernas se caracterizaram por um ‘duplo movimento’: o primeiro vem da implementação da ideologia do mercado-liberal, em que as elites políticas e econômicas criam um aparato legal e institucional para defender os direitos de propriedade e os interesses de empregadores à custa de empregados, inquilinos e dos sem trabalho e sem teto. Este movimento tem um impacto desestabilizador para uma grande parte da população, gerando movimentos de origem e contra-movimentos protetores. Estes últimos buscam fontes de inspiração e formas da organização coletiva que são fora da lógica do mercado –  sejam políticas, nacionais, étnicas ou religiosas. Assim o socialismo, o fascismo e o fundamentalismo religioso são todos exemplos do contra-movimento. Segundo Polanyi não existe nenhum mecanismo equilibrador entre esses dois movimentos. Dependendo de uma variedade de fatores, os interesses mercado-liberais podem manter uma hegemonia duradoura, como tem acontecido nos últimos anos, ou podem ser submetidos a grandes restrições, como aconteceu nos anos do pós-guerra.

Para Block aquelas diferenças evidentes nos sistemas econômicos e as políticas externas dos dois lados do Atlântico não podem ser explicadas por marcos conceituais de ‘convergência’, os quais supõem que as economias avançadas vão se tornar mais semelhantes em baixo da pressão da globalização, ou de ‘variedades do capitalismo’, que descreve as economias nacionais diferentes como pontos ao longo de um espectro entre ‘liberal’ (Estados Unidos) e ‘coordenada’ (os países do norte da Europa).  Esses dois modelos confundem a retórica do liberalismo americano com uma verdadeira variação crescente entre países capitalistas, e de uma realidade de coordenação extensiva inclusive nos Estados Unidos. Em vez disso, sua abordagem ‘neo-Polanyiana’ afirma que a divergência é o resultado de um momento histórico na década de 1970 em que a comunidade empresarial americana abandonou o consenso keynesiano e se aliou com contra-movimento do Cristiano conservador. Por razões culturais e ideológicas este movimento apoiou a redução da intervenção estatal na economia, mas também exigiu políticas culturais conservadoras e uma política externa agressiva. Entretanto, a comunidade empresarial europeia, em graus variados, ficou dentro do consenso, embora com alguns sucessos oportunistas a reduzir o peso dos sistemas regulatórios e o estado de bem-estar no contexto da globalização.

Crítica

O modelo do Block oferece uma explicação convincente sobre a divergência político-econômica entre os Estados Unidos e a Europa desde os 1970. Em particular, parece ter mais poder teórico que a ideia simplista da ‘convergência’ econômica, e o modelo determinista e apolítico das ‘variedades do capitalismo’. Infelizmente, como artigo só analisa a situação nos Estados Unidos com profundidade, não aprendemos como a Europa conseguiu manter seu consenso durante um período de crise econômica, nem como os países europeus buscaram soluções variadas entre eles.

Neste sentido, a análise do país Europeu mais associado ao modelo econômico liberal pode levantar algumas questões interessantes. O Reino Unido também mudou para o direito ‘neoliberal’ no final dos 1970, mas sem nenhum contra-movimento religioso-conservador. De fato o contra-movimento principal que surgiu durante os anos 1980, de sindicalistas radicais, foi derrotado por uma aliança de interesses empresariais (em particular financeiros) com as classes médias e trabalhadoras, que aceitaram o argumento da inevitabilidade da globalização, mas que também queriam preservar muitos elementos do estado do bem-estar. Isso quer dizer que em muitos casos as mesmas pessoas apoiaram ambos os movimentos: o ‘mercado liberal’ e o ‘contra-movimento’ protecionista. Esta situação produziu uma ‘liberação’ radical do setor financeiro, mas também uma defesa mais efetiva do estado de bem-estar do que aconteceu nos Estados Unidos. Pode a ideia de alianças políticas em fluxo capturar esta complexidade quando os próprios partidos, e eleitores individuais, tomam posições contraditórias? Talvez a ideia de Antônio Gramsci (1999) da ‘hegemonia’ e a construção de alianças políticas que são fortemente influenciadas, mas não totalmente dominadas, pela ideologia da elite, pode ajudar a explicar este paradoxo.

O exemplo do Reino Unido, onde os argumentos ‘realistas’ foram mais importantes do que as ‘conservadoras-ideológicas’, levanta outra questão importante: como funciona o modelo neo-Polanyiano em países com menos poder no sistema econômico mundial? Em um país periférico como o Brasil, por exemplo, a questão da cidadania parece assumir mais importância. Apesar dos processos de liberalização econômica durante os anos 1990, o Brasil mantém regulamentos no mercado de trabalho formal mais amplos do que países como Estados Unidos e o Reino Unido. Porém, como o mercado formal continua a excluir grande parte da população, parece que a legitimidade dos contra-movimentos varia muito entre os empregados formais reconhecidos (em particular os empregados do Estado), e as classes informais, que carecem de um nível de cidadania adequado para fazer esse tipo de reclamação ao Estado. Além de criar contra-movimentos político-sociais e religiosos periféricos, este último grupo sustenta práticas de reciprocidade para sobreviver sem receber bens e serviços importantes do mercado e do Estado. Finalmente, no mundo periférico parece tão importante considerar os interesses e ações do capital externo, como os do capital nacional e do Estado, como propôs Peter Evans no seu livro Desenvolvimento Dependente (1979).

Em conclusão, o marco conceitual neo-Polanyiano pode ajudar a explicar a variedade crescente das formas do capitalismo moderno. Porém a aplicação desse marco em outros contextos pode relevar as limitações dos dois modelos quando adotados isoladamente, e a existência de uma variedade muito maior do que Block parece assumir.

Referências

Block, F. (2007), ‘Understanding the Diverging Trajectories of the United States and Western Europe: A Neo-Polanyian Analysis’, Politics and Society, 35: 3

Forgacs, D. (1999), The Antonio Gramsci Reader: Selected Writings 1916-35, Liverpool: Lawrence and Wishart Ltd.

Evans, Peter (1979), Dependent Development: The Alliance of Multinational, State, and Local Capital in Brazil, Princeton: Princeton University Press

Última modificação em 05-02-2013 13:22:56