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Violência em Porto Alegre e a privatização do espaço público

By 10/10/2012dezembro 13th, 2017Notícias
Manifestação Centro de Porto Alegre

Manifestação Centro de Porto Alegre (Crédito Ramiro Furquim/Sul21)

Na última quinta-feira (04/10), centenas de jovens se reuniram em frente à Prefeitura de Porto Alegre para protestar contra a política do prefeito José Fortunati, que tem sido acusado de privatizar diversos espaços públicos da cidade, como o Largo Glênio Peres e o auditório Araújo Viana – ambos patrocinados pela Coca-Cola. A manifestação que transcorria de forma pacífica terminou em violência e em mais um caso de abuso de poder da polícia – que usou força excessiva contra manifestantes desarmados. Por trás do incidente, o que se vê é um estado de exceção e a caracterização das chamadas “zonas de exclusão” dos grandes eventos esportivos, no qual o poder público se une à iniciativa privada para privatizar o espaço coletivo.

Segundo reportagem do Sul21, a manifestação de caráter pacífico ocorreu na noite da quinta-feira (04/10) em frente à Prefeitura de Porto Alegre, sem nenhum tipo de confronto. No local, mais de 20 guardas municipais faziam a defesa da entrada da prefeitura e exatos 19 policiais militares – agrupados em quatro viaturas e três motocicletas – faziam a defesa do mascote da Copa do Mundo, um boneco gigante de um tatu patrocinado pela Coca-Cola que estava colocado no Largo Glênio Peres.

Depois das 23h, os ativistas resolveram se dirigir ao Largo Glênio Peres para protestar em frente ao boneco da Coca-Cola. Foi nesse momento que o conflito começou com muita violência por parte da polícia. De acordo ainda com a matéria do Sul21, o ato ocorria pacificamente, quando manifestantes decidiram dançar em volta do tatu, local onde se concentrava o contingente de policiais. Segundo jovens que estavam no local, apenas cerca de cinco pessoas furaram o bloqueio para tentar vandalizar o mascote, mas isto desencadeou um conflito generalizado. Policiais agrediram não só as que invadiram a área onde fica o mascote, mas também as pessoas que dançavam em volta. Outros que não haviam apanhado, tomaram as dores de agredidos e jogaram latas ou tentaram defender amigos. Houve correria e quebra-quebra em prédios próximos. Testemunhas dizem ter ouvido barulhos de bomba de efeito moral e tiros de borracha.

Para defender o boneco representando o mascote da Copa 2014 – que chegou a ser derrubado -, foram deslocados cerca de 60 policiais militares do Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9º Batalhão de Polícia Militar, além de tropas da Guarda Municipal. Os policiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo, dispararam tiros com munição não-letal e partiram para cima dos manifestantes com seus cassetetes. Os relatos informam que sequer os jornalistas presentes foram poupados. Pelo menos três, que estavam devidamente identificados com seus crachás, foram agredidos: um fotógrafo do jornal Zero Hora, um repórter do Correio do Povo e um repórter da Rádio Guaíba.

Privatização do espaço público

Para o professor e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles, Christopher Gaffney (UFF), casos como o de Porto Alegre têm mostrado que os megaeventos estão sendo usados para a criação de espaços de exceção, nos quais as regras do Estado Democrático de Direito ficam suspensas alegadamente em prol do bem comum, porém, na prática, em defesa do capital privado. “As entidades esportivas internacionais, as empreiteiras, as empresas de marketing esportivo, dentre outros representantes do setor privado, formam um contínuo com o poder público, ao menos sua parte capturada pelos interesses privados, valendo-se deste discurso da excepcionalidade para impor sua agenda sobre os direitos das pessoas. Um povo que gostaria de ter a Copa do Mundo e Olimpíada como momentos de alegria, acaba vendo nestes mais uma fonte de violações de direitos”, afirma.

Gaffney defende ainda que o legado dos megaeventos não será a promoção da igualdade e garantia das liberdades se tivermos como parâmetro a postura que o poder público e o setor privado vêm, em conjunto, adotando ao impor à sociedade brasileira a lógica de subordinação ao capital transnacional. O resultado será a maior concentração do capital, o agravamento da segregação espacial e a promoção de violências reais e simbólicas, sobretudo contra as camadas sociais que já são o alvo preferencial deste poder punitivo e opressor.

O INCT Observatório das Metrópoles tem divulgado as inúmeras denúncias de violações de direitos que vêm se acumulando no contexto dos preparativos dos megaeventos, como remoções, gastos públicos excessivos, endividamento, sérios impactos sociais e ambientais, retrocessos legislativos e falta de transparência generalizada. E, se por um lado os megaeventos se insinuam como uma “oportunidade” de agravamento da exclusão social, segregação espacial, militarização e mercantilização do espaço público e apropriação privada de recursos públicos, por outro a resistência coletiva, principalmente daqueles que sofrem estas violações, tem logrado alguns êxitos, ainda que tímidos, como a constituição de uma plataforma nacional de comitês populares para a Copa e Olimpíadas.

 

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