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Rio de Janeiro

Rio de Janeiro (Crédito: Alecio Cesar/Divulgação)

Em tempos de crise a busca por modelos explicativos da conjuntura torna-se quase uma necessidade. Neste artigo, apresentado no XVII ENANPUR, pesquisadores do Observatório das Metrópoles refletem sobre o papel da cidade no contexto da crise contemporânea brasileira. Para tanto, analisam a validade do modelo teórico-metodológico dos regimes urbanos e sua aplicação na análise das Políticas Urbanas, praticadas no Brasil, em associação aos modelos de Governança. Constitui, portanto, um primeiro passo exploratório rumo a uma agenda de pesquisa comparativa sobre os regimes e a governança urbana, em sua capacidade interpretativa das condições de produção e consumo das cidades do país.

O artigo “Regimes Urbanos e Governança Democrática: abordagens sobre o poder na cidade” — de autoria de Maria do Livramento Miranda Clementino, Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva e Lindijane de Souza Bento Almeida, pesquisadores do Núcleo Regional Natal do INCT Observatório das Metrópoles — foi apresentado no Seminário Temático Poder e Planejamento (ST 10.5) presente no XVII Encontro Nacional da ANPUR.

O trabalho está sendo divulgado agora no site do Observatório com a proposta de ampliar a difusão científica das reflexões da nossa rede de pesquisa sobre os possíveis caminhos das políticas urbanas no Brasil.

O tema dos Regimes Urbanos faz parte do novo programa de pesquisa da Rede Observatório das Metrópoles, que organizou, em março de 2017, o Seminário Nacional “Regimes Urbanos e Governança Democrática” com o propósito de construir um arcabouço teórico sobre essa teoria para o contexto brasileiro.

Segundo o profº Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, a ausência de instituições políticas de gestão metropolitana que efetivem padrões de governança destes territórios é uma constatação recorrente nos estudos sobre o tema realizados nos últimos anos pelo Observatório das Metrópoles e por instituições de pesquisa como o IPEA. No entanto, de acordo com ele, tem sido constatado, ao mesmo tempo, a existência de ações coordenadas entre grandes grupos econômicos crescentemente financeirizados e os vários níveis de governo em torno de relevantes e complexos projetos urbanos, expressando a existência de padrões de governança urbana, ao menos no que diz respeito às interações entre atores públicos e atores do mercado, mas com a ausência de temas e perspectivas relativas ao direto à cidade, como mostram estudos realizados pelo Observatório das Metrópoles.

“Esse novo projeto vai investigar os padrões de desenvolvimento metropolitano, incluindo suas relações com a participação crescente das grandes empresas — incorporadoras, construtoras, financiadoras, prestadoras de serviços públicos, entre outras — avaliando seus impactos, de forma a trazer novos aportes ao debate sobre os modelos hegemônicos de regime urbano, identificados na literatura como neoliberalização do desenvolvimento urbano”, explica Luiz Cesar.

INTRODUÇÃO

POR MARIA DO LIVRAMENTO, ALEXSANDRO FERREIRA E LINDIJANE ALMEIDA

Em tempos de crise a busca por modelos explicativos da conjuntura torna-se quase uma necessidade. Fragmentos de dados, partes de fenômenos, relações mal disfarçadas, entre outros, torna o trabalho do pesquisador mais difícil pela intensidade das transformações e pela urgência nas interpretações lançadas. No Brasil contemporâneo, há sobra de análises conjunturais sobre o papel da “crise” das instituições, no tecido social e na capacidade dos Governos em tomar decisões. Para onde olhar? Qual é a melhor alternativa à análise?

Em outro sentido, insurge – quase como seu negativo – análises dos períodos históricos, com etapas ou fases de processos anteriores que culminam na crise ou, por outro lado, sinalizavam sua superação em médio ou longo prazo. Os ciclos de intensidade, acomodação e ocaso da Política Pública, por exemplo, não se resumem à análise conjuntural (por demandar mais dados etc.), embora necessite desta para “ligar os pontos” da trajetória estrutural. Mas o que tais digressões interessam aos estudos urbanos? E qual o papel da cidade, no debate contemporâneo brasileiro?

A chamada “crise urbana” flui na literatura a partir das conjunturas locais – cada caso denotando um espaço-tempo específico de manifestação da crise, revelando um continuum detentor de estabilidade, duradouro. Por outro lado, já não podemos lançar mão de uma análise convencional sem considerar as diversas transformações na Forma e Conteúdo do urbano contemporâneo, articulando novas posições entre Estado, Mercado e Sociedade. Não nos parece certo, por sua vez, afirmar que o tempo rápido da conjuntura resulta no tempo longo da estrutura; tais conjunturas não são fatos incidentais do todo, mas podem constituir Regimes com maior ou menor duração – conjunturas espaço-temporais que perduram no tempo e buscam resistir às mudanças.

Embora tal pressuposto – a existência de regimes na cidade com durabilidade – não exclua análises conjunturais ou estruturais em sentido estrito, permite abrir um campo de reflexão sobre as dinâmicas diversas que produzem o Urbano, definindo limites não tão precisos entre a Política e a Economia, ou melhor, uma Economia Política de cidade. Afastando-se, portanto, da leitura de um tipo de estruturalismo, ou mesmo de um pluralismo exacerbado, a análise pelos regimes é uma possibilidade de discutir as diversas formas de manifestação do Poder na Cidade, considerando as relações capitalistas (produção, consumo, poupança, investimento etc.) mas sem subordiná-las de modo automático. Mas pode fazê-lo mantendo a posição crítica? É relevante, no contexto contemporâneo brasileiro, a leitura de regimes urbanos como modo explicativo da crise urbana?

Parte dessas questões alimenta o primeiro objetivo do presente trabalho que é [1] compreender a validade do modelo teórico-metodológico dos regimes urbanos e sua aplicação na análise das Políticas Urbanas, praticadas no Brasil, em associação aos modelos de Governança. Constitui, portanto, um primeiro passo exploratório rumo a uma agenda de pesquisa comparativa sobre os regimes e a governança urbana, em sua capacidade interpretativa das condições de produção e consumo da cidade brasileira. Partimos, desse modo, de um esforço coletivo empreendido pelo Observatório das Metrópoles em explorar a configuração e manutenção desses regimes na sustentação de “capitalismos urbanos” diversos (e diferenciados), buscando relações e interfaces entre o Poder, os projetos urbanos, as práticas de resistência e de participação social política nos conflitos e contradições da cidade.

Tal objetivo geral desdobra-se em linhas específicas de investigação que intentam dar conta – utilizando um corte crítico – da dinâmica institucional (órgãos, setores, grupos e segmentos), da dinâmica social (incluindo a participação social institucionalizada e os movimentos sociais contestatórios e reinvindicatórios) e dos aspectos econômicos e extra econômicos. Desse modo, a posição crítica é mantida mesmo que ocorra uma análise dos agentes e atores atuantes na cidade, pois o regime é visto como um campo que baliza a atuação destes em busca de recursos escassos– não apenas econômicos.

Um segundo objetivo é compreender os diversos mecanismos institucionais, presentes nas cidades, que promovem o desenvolvimento urbano, ou melhor, o crescimento econômico a partir do urbano. A capacidade do governo interessa, assim como as formas de barganha junto ao mercado, identificadndo seus limites, riscos e oportunidades. A Colaboração, nesse caso, é uma chave explicativa do modelo de governança que utilizaremos para “testar” o alcance da cooperação entre Governo e Mercado, tendo o controle popular e a cultura política como ambientes dinâmicos desse tipo de governança. Assim, a análise dos regimes permite construir um histórico do Poder na Cidade, suas variações e formações sociais e espaciais; por seu turno, a governança colaborativa mede o grau de interação, de incentivos e de participação dentro do regime urbano. Assim, o presente artigo é um primeiro passo que pretende se desdobrar em pesquisas futuras, com levantamento de dados empíricos e abordagens multivariadas.

Para este artigo, temos dois focos específicos: a) aproximar a literatura sobre os regimes urbanos à da governança urbana colaborativa; b) investigar a relevância desse tipo de estudo na sua aplicação comparativa às cidades brasileiras. Para tanto, propomos a leitura de três elementos básicos, isto é, o Poder, a relação Estado e Mercado e a Participação Democrática nos assuntos da política urbana. A relevância teórica/empírica desse enfoque, no caso do estudo das cidades brasileiras, dá-se pela necessidade de clarear as capacidades governativas atuais – em contexto de crise política, social e econômica – com forte contestação à autoridade política e apelos à formação de regimes pró-mercado. Os ganhos assimétricos da relação Governo e Mercado, as coalizões visando a execução de projetos de desenvolvimento urbano, a manutenção de privilégios ou a proteção da propriedade contra movimentos de desvalorização, são questões fundamentais para medir a capacidade da Política Urbana – centrada na escala do local – em enfrentar os graves problemas sociourbanos.

Comum entre as duas abordagens, está a ideia de que tanto o Governo quanto o Mercado não possuem a capacidade, de modo isolado, de levar adiante uma dada agenda urbana. É necessário barganhar. Os limites do jogo democrático, o maior ou menor peso da participação nos assuntos locais e a interferência da comunidade nas decisões gerenciais são, desse modo, elementos de inter-relacionamento com impacto nos grupos e nas coalizões.

Leia o artigo completo “Regimes Urbanos e Governança Democrática: abordagens sobre o poder na cidade”