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Gabriela Luiz Scapini¹
Vanessa Marx²

Estamos vivendo um oito de março (8M) em um contexto de agravamento da pandemia no Brasil. Neste momento, não teríamos como deixar de pensar que o ano de 2020 apresentou desafios inimagináveis à humanidade: a eclosão de uma crise sanitária provocada pela pandemia da COVID-19. As mulheres profissionais da saúde que estão na linha de frente da pandemia merecem um reconhecimento e atenção especial neste dia. As Nações Unidas indicam que as mulheres formam cerca de 70% desse grupo, atuando nas áreas da saúde, limpeza e recepção em hospitais. Essa situação tem implicado em um desgaste físico e emocional afetando essas profissionais³.

Podemos pensar também que os efeitos adversos provocados pela pandemia em nossas vidas, os grupos sociais em maior situação de vulnerabilidade socioeconômica são aqueles que, neste último ano, têm sofrido mais com os impactos dessa crise sanitária mundial. No Brasil, pesquisa do Atlas da Violência de 2020⁴ indica o aumento nos crimes de feminicídio e de violência doméstica contra mulheres⁴; além do estresse e os efeitos nocivos causados pela sobrecarga de trabalho doméstico, por meio das duplas e triplas jornadas de trabalho enfrentadas pelas mulheres. Por outro lado, trabalhadoras domésticas e autônomas estão sofrendo com o desemprego e as dificuldades para obterem renda.

O 8M é uma data histórica para o movimento feminista e de mulheres, essa data se institui por meio das lutas de mulheres que demandavam por direitos e melhor qualidade de vida em 1917. Após tantos anos, esse dia segue mobilizando mulheres do mundo inteiro de diversas formas, em especial com as greves internacionais unificadas. Além disso, confere visibilidade às reflexões construídas pelas mulheres, as quais apresentam um balanço das lutas construídas nos últimos anos e, ao mesmo tempo, avaliam as demandas e propõem como podemos avançar em prol de uma sociedade igualitária e livre de violências às mulheres.

Foto: Marcello Casal Jr. (Agência Brasil).

A concentração da população nos centros urbanos tem aumentado, segundo a ONU poderá chegar a 70% em 2050⁵. Este crescimento nos leva a pensar sobre as lutas e reivindicações das mulheres nas cidades. Com o contexto da pandemia teremos que repensar o nosso cotidiano e podemos aproveitar esta oportunidade para pensar as cidades na perspectiva de gênero, de modo que sejam mais inclusivas, igualitárias, justas e humanas. Diante desse quadro alarmante de retrocessos políticos e sociais para as mulheres, buscamos articular essa discussão à vida nas cidades e questionamos: o que significa pensar o direito à cidade na perspectiva de mulheres? Como podemos avançar nessa agenda, de modo a construir cidades seguras e garantir, acima de tudo, o direito à vida urbana para mulheres? Pensamos estas respostas por meio da vivência das mulheres unida à reflexão no campo dos estudos urbanos.

Reconhecendo a potência dos olhares e percepções de mulheres sobre as cidades, por meio das atividades do projeto de extensão Mulheres e Cidades, buscamos escutar diferentes mulheres, de países e contextos sociais variados, para refletir junto com elas a relação entre mulheres e cidades, seus desafios, complexidades, problemáticas e, com isso, construir uma agenda através de temas propostos por elas para pensar cidades mais inclusivas e amigáveis às mulheres⁶.

Nos diálogos, surgiram demandas potentes que reivindicam o lugar da mulher nas urbes. Por meio do ativismo urbano, elas lutam por cidades onde as ruas não sejam sinônimo de medo para as mulheres e que se torne possível transitar e fazer os deslocamentos, a pé ou em transportes públicos, com qualidade e livres de violências e do assédio sexual. A mobilidade foi um tema muito presente nos diálogos, assim como a moradia, o acesso aos serviços e equipamentos públicos de qualidade. O espaço público também foi considerado fundamental tanto para a sociabilidade, como para a construção de redes de solidariedade e apoio entre as mulheres. Por último, destaca-se a questão do trabalho informal e a necessidade de criação de políticas de geração de renda para as mulheres que, na maioria das vezes, estão a cargo do cuidado de suas famílias sem ter um reconhecimento, visibilidade e remuneração desta tarefa.

Por meio dos diálogos pudemos ver que o direito à cidade, como o direito à vida urbana, atravessa o cotidiano das mulheres, por isso seria fundamental criar processos para alterar os rumos das cidades e a possibilidade de incidir e participar de maneira ativa nos processos decisórios. Para as mulheres e meninas, isso também significa alterar as cidades para alcançar o bem viver nelas, de forma segura e com igualdade de oportunidade e acessos. Olhando para as cidades brasileiras sob lentes feministas, podemos perceber como a precariedade dos equipamentos e serviços públicos disponíveis tende a atingir de forma mais incisiva às mulheres, em especial as pobres, negras, indígenas, refugiadas ou migrantes, em situação de rua, portadoras de deficiência ou LBTQ+, entre outras. A própria incidência da pandemia e seus efeitos têm afetado de forma desigual os grupos sociais, conforme discutido anteriormente.

Nesse sentido, para finalizar seria importante ressaltar que não podemos pautar o direito à cidade a partir de uma visão universal e geral e, por isso, precisamos pensá-lo a partir da multiplicidade de experiências e vivências de distintas mulheres e das intersecções entre raça, classe, sexualidade, nacionalidade entre outras. A partir de suas vivências cotidianas, as mulheres refletem sobre suas vidas nas cidades e podem ser agentes de transformação tanto de instrumentos como, por exemplo, o Plano Diretor que deveria contar com a perspectiva de gênero na sua formulação e revisão, como do planejamento urbano. Por isso, consideramos fundamental, urgente e necessária a representação e participação das mulheres no desenho e na construção de políticas públicas urbanas para as nossas cidades, que possamos refletir e agir nesta direção a partir deste 8M.

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¹ Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista CNPq. Integra o Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades (GPSUIC) e o projeto de extensão Mulheres e Cidades.

² Professora do Departamento e Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. Coordena o Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades (GPSUIC) e o projeto de extensão Mulheres e Cidades. É pesquisadora do Observatório das Metrópoles e integrante do BrCidades Núcleo Porto Alegre.

³ Scapini, Gabriela e Marx, Vanessa. Atuação de mulheres em tempos de COVID-19: a necessidade de reconhecimento das práticas de solidariedade e cuidado. Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/atuacao-de-mulheres-em-tempos-de-covid-19-a-necessidade-de-reconhecimento-das-praticas-de-solidariedade-e-de-cuidado/

⁴ Atlas da Violência 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=36488&Itemid=432.

⁵ ONU prevê que cidades abriguem 70% da população mundial até 2050. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/02/1660701.

⁶ O projeto de extensão Mulheres e Cidades, em sua segunda edição, vem sendo desenvolvido na Sociologia da UFRGS. Através dele, atuamos no BrCidades e com mulheres em cidades de fronteira (Brasil-Uruguai). Os diálogos do projeto estão disponíveis no Youtube no canal do Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades (GPSUIC).