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A catástrofe da água como síntese do Rio

Por Tainá de Paula¹

O título do texto é provocador. O Rio de Janeiro entra em 2020 como a capital mundial da arquitetura, signatária de tratados internacionais, incluindo a agenda 2030 da ONU que pontua uma série de objetivos de desenvolvimento sustentável para as cidades, ou seja, temos uma década para acertar o passo com nossas pactuações mundiais.

Nas últimas semanas a população do município do Rio, e de alguns municípios da Região Metropolitana, vive um verdadeiro terror de desinformação por conta das várias notícias desencontradas em relação à qualidade da água que chega em suas torneiras. São várias informações sobre mau cheiro, água turva, substâncias suspensas e mudança no gosto da água. A Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE), responsável pelo abastecimento da região, demorou uma semana e meia para definir o protocolo de informação e controle da situação, assumindo assim que há problemas em relação à qualidade da água fluminense. A empresa chegou a emitir nota afirmando que estaria tudo sob controle, inclusive contradizendo a secretaria de Saúde do Estado, que registrou aumento de casos de doenças de veiculação hídrica no sistema.

A verdade é que o sistema de tratamento do Rio de Janeiro faliu. Não há melhor definição que esta para um sistema que não vê alteração de grande dimensão desde 1951, data da sua implantação. O rio Paraíba do Sul e as estações do sistema Guandu e do Sistema Imunana Laranjal (que abastece Niterói, São Gonçalo e região) são hoje incapazes de garantir a qualidade e a distribuição de água para cidades da Região Metropolitana do Rio, a terceira maior da América Latina.

Há setenta anos estamos lidando com a falta de ampliação do uso dos nossos recursos hídricos de forma indiscriminada, sem que haja nenhuma gestão responsável desse conjunto hídrico. A receita é simples: se não conseguirmos reduzir a poluição dos rios, não conseguiremos garantir a potabilidade de nossa água. Nesse sentido, é importante sustentar a tese de que os recursos do Rio e do país são finitos, uma vez que isto depende única e exclusivamente de gestão responsável dos mesmos.

Também é importante destacar que estamos na contramão do entendimento mundial no que se refere à utilização e ao planejamento das águas. O fato é que a expansão indiscriminada das cidades ajudou a disseminar a agenda da contaminação e do adoecimento da população periférica e favelada que há tempos sofre com um péssimo serviço – ou inexistência – de acesso ao sistema de saneamento básico.

Vale destacar que, no Brasil, apenas 37% do esgoto domiciliar é tratado. Na cidade do Rio de Janeiro a situação pode ser ainda pior, uma vez que não há dados confiáveis disponíveis para consulta. Portanto, não se trata de uma situação que envolve apenas as favelas, estamos falando da cidade formal. Os planos municipais de saneamento previam cobrir a totalidade das cidades num período entre 15 e 25 anos, mas na larga maioria dos municípios – inclusive no Rio, cujo plano data de 2015 – nada foi feito nesse sentido até o presente momento.

Sanear é preciso

O casamento da agenda de saneamento básico com o abastecimento de água se faz urgente. A presença de coliformes fecais, cianobactérias e outras substâncias na água – em tese já tratadas – são sintomas de contaminação dos corpos hídricos. É necessário investir urgentemente em saneamento básico. Não é admissível outro modelo de cidade, a não ser aquele que enfrente o problema da falta de urbanização de favelas e coloque como prioridade a implantação do controle de condomínios nobres do Rio. Muitos deles jogam seu esgoto in natura na rede de drenagem ou diretamente nas lagoas e rios, como é o caso de vários edifícios da Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá.

Também se faz necessário ampliar o debate sobre melhoria habitacional, onde as instalações hidrossanitárias e banheiros precisam ser urgentemente pensados. O Brasil está entre os 10 países do mundo com o maior número de domicílios sem banheiro.

Confira o texto completo no Jornal GGN, CLIQUE AQUI.

¹ Arquiteta e urbanista, integrante da equipe de assessoria técnica do MTST e membro da Rede BrCidades.