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Em artigo para o Nexo Políticas Públicas, Claudia Monteiro Fernandes, pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Salvador, analisou como a ampliação de vagas e o aumento do ingresso de jovens negros e de baixa renda na educação superior atingiu diferentes cursos dentro das universidades.

A partir do caso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Fernandes investigou se ações afirmativas tem cumprido seu papel de romper com barreiras históricas de ingresso em cursos de mais prestígio social e de maior demanda e de difícil acesso. Os chamados “cursos de alto prestígio e alta demanda”, conforme sugerido por Delcele Queiroz e Jocélio Santos (2013), são: medicina, direito, arquitetura e urbanismo, psicologia, engenharias civil, química, mecânica e elétrica, comunicação – jornalismo e produção cultural, administração e odontologia.

“Ao contrário do que se pode imaginar, a proporção de estudantes que ingressaram por reserva de vagas e que permanecem matriculados é maior nos cursos de maior prestígio e maior demanda”, afirma a pesquisadora.

Fernandes é economista, mestra e doutora em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia, pesquisadora do Programa A Cor da Bahia e do Observatório das Metrópoles. O texto faz parte da série de publicações no Nexo Políticas Públicas do “Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas 2022”, coordenado pelo Núcleo Afro do Cebrap e pelo Gemaa do Iesp-Uerj.

A seguir, confira o artigo:

Com a ampliação de vagas e o aumento do ingresso de jovens negros e de baixa renda nas universidades, uma questão se coloca: a democratização atinge da mesma forma diferentes cursos dentro das universidades? Utilizando o Censo da Educação Superior realizado anualmente pelo Inep/MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação), levantamos algumas características dos chamados “cursos de alto prestígio e alta demanda”, conforme sugerido por Delcele Queiroz e Jocélio Santos (2013). Foram eles: medicina, direito, arquitetura e urbanismo, psicologia, engenharias civil, química, mecânica e elétrica, comunicação – jornalismo e produção cultural, administração e odontologia. A universidade brasileira é relativamente nova, a maior parte desses cursos existe desde os primeiros anos de criação dos bacharelados por aqui e são muito disputados pelos filhos das elites econômica e intelectual. Durante muitos anos foram espaços quase exclusivos de jovens de renda elevada e de famílias tradicionais, com poucos jovens negros e de baixa renda. A UFBA (Universidade Federal da Bahia) possui alguns dos mais antigos cursos do Brasil, criados antes mesmo de se tornar uma universidade.

A lei n. 12.711 (2012) determinou a reserva de vagas para todas as Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) e a sua implementação tem provocado alterações no perfil dos estudantes da educação superior. No entanto, antes da Lei de Cotas entrar em vigor diversas IES já haviam criado programas de ação afirmativa com reserva de vagas para o acesso de estudantes de graduação, e a UFBA é uma delas. Desde 2004, foi aprovado na UFBA um programa de ações afirmativas para ingresso de estudantes que vieram da rede pública de educação, que estabelecia a reserva de 43% das vagas – 85% para estudantes autodeclarados pretos e pardos, 15% para os autodeclarados brancos e amarelos, 2% para indígenas e duas vagas “extras” (suplementares) para indígenas aldeados e estudantes oriundos de comunidades quilombolas. Em 2012, 40,9% dos estudantes regularmente matriculados e cursando presencialmente a UFBA eram ingressantes por reserva de vagas. Já em 2019, 38,6% eram ingressantes por reserva de vagas. Vale destacar que o número de estudantes matriculados e cursando efetivamente na UFBA cresceu significativamente: de 11 mil em 2012 para 34 mil em 2019.

Os cursos de maior prestígio na UFBA tiveram, em geral, proporções mais elevadas de ingressantes por meio de reserva de vagas que os demais cursos, mesmo que a participação de jovens negras e negros ainda esteja abaixo do total desses jovens na população residente na Bahia (82,1% em 2019, segundo o IBGE), ou mesmo da proporção prevista na lei n. 12.711/2012 (50%).

É importante chamar a atenção, sem diminuir sua relevância, para a elevada parcela de estudantes que não declararam cor ou raça no Censo do MEC. Os/as estudantes negras e negros são estimulados a se autodeclararem para concorrer a uma vaga reservada por critério étnico, mas essa informação termina sendo negligenciada para aqueles que não disputam essas vagas. Ou seja, os estudantes sem identificação de raça tendem a ser não negros. Por isso, além do aprimoramento das políticas de ações afirmativas, os sistemas de informação oficiais necessitam de atenção, para que estudos sobre resultados e necessidades de melhorias possam orientar de forma mais confiável as decisões futuras.

Portanto, a elevada proporção de ingressantes por reserva de vagas é uma realidade na UFBA mesmo antes da Lei de Cotas de 2012. Nesse contexto, é importante destacar as diferenças no ingresso e o perfil dos estudantes dos cursos considerados de “maior prestígio e maior demanda”.

Gráfico de ingressantes por reserva de vagas na UFBA por curso, em 2012 e 2019

A proporção de estudantes que ingressaram por reserva de vagas e permanecem frequentando regularmente é maior nos cursos de maior prestígio e maior demanda. E apesar do crescimento das vagas e a criação de novos cursos, essa proporção caiu um pouco em 2019, mas manteve-se acima da média dos demais cursos. Com a realidade animadora de crescimento das vagas, interiorização da UFBA e crescimento do número absoluto de estudantes negros, indígenas, quilombolas e egressos da rede pública, a demanda por ingresso por meio de cotas em cursos tradicionalmente mais excludentes aumentou. As ações afirmativas têm cumprido seu papel de romper com barreiras históricas de ingresso em cursos de mais prestígio social e de maior demanda e de difícil acesso na UFBA.

Para acessar o texto completo, acesse: pp.nexojornal.com.br