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Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro¹
Demóstenes Andrade de Moraes²

O primeiro relato do Grupo de Transição de Cidades revelou-nos que todas as informações e impressões anteriores relacionadas ao tamanho do desmonte do Estado Brasileiro não davam conta do grau de destruição e da dimensão dos obstáculos a superar para a reconstrução de institucionalidades e de políticas públicas urbanas em meio a uma crise urbana múltipla.

Os dados levantados são alarmantes, segundo dados apresentados na coletiva de imprensa realizada no dia 07 de dezembro: previsão de orçamento para desastres ambientais é de R$ 2,7 mi (R$ 500,00 para cada cidade). Paulo Guedes fez cortes de R$ 5 bi em cima do orçamento dos técnicos do próprio governo; 972 obras de habitação de interesse social (Faixa 1) paralisadas, além de outras em saneamento, mobilidade, desastres ambientais etc.; 100.139 unidades de habitação paradas do Programa Minha Casa, Minha Vida; Bolsonaro lançou o programa fictício Casa Verde e Amarela e não entregou nenhuma moradia, ainda que no edital para o protótipo da iniciativa constasse 3 mil casas até dezembro de 2022; o orçamento fictício de Paulo Guedes para o ano de 2023 prevê R$ 82 mi para obras em andamento, apenas 5% do valor total necessário. Estes são apenas alguns dos dados que expressam a extensão da política destruição do Estado promovida pela dupla Bolsonaro-Guedes. Um verdadeiro caos!

Em curto prazo, somente com a aprovação da chamada “PEC da Transição” será possível ter algum recurso para fazer frente às emergências decorrentes de desastres urbanos que já despontam no horizonte imediato com a chegada do verão e para retomar uma parte das obras paralisadas por falta de recursos. A transformação da vitória eleitoral em vitória política em relação às forças e interesses do fascismo social e do ultraliberalismo depende da capacidade do novo governo em propor e realizar intervenções nas cidades que evidenciem com clareza o seu compromisso com os abandonados estruturais pelo Estado, ainda que não consigam resolver de imediato o quadro de vulnerabilidade urbana agudizado pela política de destruição.

Para além disso, restarão tarefas complexas nos âmbitos político e institucional, como: a revogação de um conjunto de leis e dispositivos normativos que combinaram desregulação urbanística e ambiental, desmonte estatal e privatizações; a continuidade do monitoramento da execução do orçamento federal relativa ao desenvolvimento urbano em tempos de orçamento secreto; e a reconstrução institucional-normativa e programática da atuação federal no desenvolvimento urbano, a partir de uma agenda reformista-redistributiva e da recriação das instâncias e mecanismos de gestão democrática.

Para os que lutam pela reforma urbana e pelo direito à cidade, além das várias propostas encaminhadas ao GT de Cidades, é fundamental incidir: pela reconstituição em curtíssimo prazo da institucionalidade e dos processos da gestão democrática e participativa; pela institucionalização do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano; pela identificação, priorização nas políticas urbanas dos espoliados urbanos e de seus territórios; pela capacitação dos atores para intervirem nas disputas destas políticas, em especial participando das decisões sobre a alocação dos recursos dos orçamentos públicos.

O INCT Observatório das Metrópoles deve e pode ter papel relevante nesta tarefa do campo da Reforma Urbana e Direito à Cidade com a realização do nosso plano de trabalho para 2023/2024.

Coletiva do GT de Cidades do Gabinete de Transição do novo governo federal.

Observatório das Metrópoles 2023-2024: seminário reúne representantes dos núcleos regionais para debater o plano de trabalho do INCT nos próximos dois anos

Com o objetivo de discutir e formalizar o plano de trabalho 2023-2024, o Observatório promoveu, no final do mês de novembro, o “Seminário Nacional Reforma Urbana e Direito à Cidade: desafios e caminhos”. Realizado no Rio de Janeiro, o evento reuniu representantes de todos os Núcleos Regionais, membros do Comitê Gestor e equipe técnica.

Na ocasião, o coordenador nacional da rede, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, ressaltou a importância de definir propostas para os próximos dois anos, tendo em vista a compreensão do papel do Observatório de analisar, diagnosticar e, sobretudo, propor alternativas para o cenário político e urbano nacional. Em 2022, o Observatório lançou a coletânea “Reforma Urbana e Direito à Cidade”, composta por 17 livros sobre as metrópoles nas quais a rede está organizada como Núcleos Regionais. O objetivo foi construir um balanço crítico sobre os caminhos e desafios do projeto da reforma urbana e do direito à cidade nas metrópoles brasileiras. Todas as obras estão disponíveis para download gratuito no hotsite do projeto.

Durante o Seminário, ficou acordado que o Observatório irá elaborar os temas para a atualização do marco teórico ao longo de 2023 e 2024, com pautas referentes aos regimes de despossessão, neocolonialismo/decolonialismo, ilegalismos, entre outros. Será realizada, também, construção de estratégias ancoradas em quatro grandes temas:

  • Redução das desigualdades e garantia do direito à cidade;
  • Transição ecológica;
  • Governança e fortalecimento institucional; e
  • Participação cidadã.

O Orçamento Participativo deverá entrar em pauta, a partir de um Grupo de Trabalho específico, com uma reflexão sobre a viabilidade de retomada dos orçamentos em todas as metrópoles. Fóruns locais também serão realizados, assim como programas de formação, em parceria com o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU).

Propostas dos Núcleos Regionais

Cada um dos representantes dos Núcleos Regionais presentes no Seminário fez uma exposição do plano de trabalho local e salientou as propostas, condições e possibilidades de engajamento, bem como as sugestões para o plano de trabalho nacional. O Núcleo Natal direciona temas da sustentabilidade para a transição energética e propõe um olhar para os consórcios interestaduais, fundamentado na gestão e governança territorial. Assim como o Núcleo Belém, que tem a ideia de avançar na pauta da sustentabilidade e risco nas metrópoles, além da precariedade habitacional, já que capital paraense é a segunda metrópole mais favelizada do país e convive com a deficiência do saneamento.

Para o Núcleo Porto Alegre, a questão atual é a revisão do Plano Diretor, bem como estudos sobre a geografia do voto que, na avaliação do núcleo, constitui uma contribuição importante em termos nacionais. O Núcleo Goiânia possui diversas teses e dissertações dentro dos temas que envolvem questões ambientais, de mobilidade e regularização fundiária, que devem ser trabalhados nos próximos dois anos. Já o Núcleo Maringá informa que tem recebido muitas demandas da prefeitura municipal e que estão em ampla revisão do Plano Diretor, além de trabalhar, também, nas questões ambientais e da diversidade de gênero.

O Núcleo Belo Horizonte tem explorado temas como habitação e a fome, com enfoque na reprodução social e crise, pautas importantes e atuais. O Núcleo São Paulo ressaltou o interesse em trabalhar a questão territorial, ambiental, equipamentos públicos, economia e emprego, finanças públicas, transporte e mobilidade. Já o Núcleo Paraíba pretende focar nos territórios populares, com o esforço de dar visibilidade à importância do tema da economia solidária. O Núcleo Baixada Santista evidenciou as propostas de sustentabilidade política e de atuação em São Paulo, diante do governo eleito para o estado. O Núcleo Curitiba enfatizou duas abordagens fundamentais: a importância do conceito de metropolização para a formação do urbano e a superação do olhar das desigualdades socioespaciais como homogêneo, inserindo minorias e interseccionalidades.

Para o Núcleo Aracaju, é preciso cultivar a importância de atuar em rede, do trabalho coletivo, superando a lógica de trabalho centralizado. Os temas principais a serem trabalhados são a reconstrução metropolitana, desenvolvendo estudos sobre mobilidade urbana, acompanhamento dos planos diretores e formação de atores sociais. Já o Núcleo Salvador vê a necessidade de participação mais efetiva da sociedade e o direito à informação como parte integrante do direito à cidade. O Núcleo Rio de Janeiro firmou parcerias relativas à economia solidária e com grupos culturais.

O Núcleo Fortaleza tem a perspectiva de focar nas pesquisas sobre energias renováveis, como a produção de energia eólica. A ideia é, ainda, resgatar pesquisas já existentes e aumentar o debate com a sociedade civil. O Núcleo Vitória possui uma parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves, que possibilitou o fortalecimento de laços com outras instituições parceiras e aqueceu o trabalho integrado. E o Núcleo Norte Fluminense vem com uma discussão ancorada no debate da metropolização e economia das rendas petrolíferas, com um projeto que tem dialogado com esse contexto. A proposta é a realização de cursos de extensão e de curta duração, sugerindo ampliar a abordagem da temática racial e de gênero.

A seguir, confira o depoimento dos representantes de núcleos sobre as suas expectativas para o desenvolvimento dos trabalhos da rede:


¹ Professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles.

² Professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e pesquisador do Núcleo Paraíba do INCT Observatório das Metrópoles.