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Imagem de Pequim, China — uma das grandes metrópoles do mundo

Neste artigo da Revista Cadernos Metrópole 37, Daniel Sanfelici propõe uma discussão teórica sobre as forças econômicas que reiteram a centralidade da metrópole no processo de globalização e sobre as possibilidades e limites da ação política local. Afirma que, em que pese a infinidade de previsões sobre o iminente declínio da importância das grandes cidades, estas últimas se mantêm como nós privilegiados do desenvolvimento econômico. Examina os fundamentos econômicos da aglomeração espacial e discute como essas mesmas forças econômicas, mediadas pela ação pública local, estruturam o espaço intraurbano. Arremata, vislumbrando as possibilidades abertas à ação pública local, ressaltando que, para ser eficaz, deve ser concebida, ao mesmo tempo, como transescalar e multidimensional.

O artigo “A centralidade das aglomerações metropolitanas na economia globalizada: fundamentos econômicos e possibilidades políticas” é um dos destaques do Dossiê Especial “Planejamento Urbano e Regional: percursos e desafios”, presente na edição 37 da Revista Cadernos Metrópole.

Abstract

Despite the numerous predictions about the imminent decline in the importance of large cities, they continue to be key hubs of economic development. This articles aims to discuss the economic forces that keep the metropolis at the center of globalization, as well as prospects and limits for political action at the local level. In the first part, the paper discusses the economic foundations of spatial agglomeration. The second part looks into how these economic forces, mediated by local public action, structure intra-urban space. In the third and last part, the paper examines the possibilities open to local public action, underscoring that, in order to be effective, it has to be seen as simultaneously trans-scalar and multi-dimensional.

INTRODUÇÃO

Por Daniel Sanfelici

Em julho de 2015, o governo chinês anunciou um plano ambicioso de consolidar, no nordeste do país, uma área metropolitana contínua entre Beijing e Tianjin, a 150 km da capital. Se o projeto tiver êxito – o que depende, entre outras coisas, de investimentos pesados em infraestrutura de transporte e o deslocamento de parte considerável da estrutura administrativa, atualmente concentrada na capital, para um ponto intermediário entre os dois polos –, a megalópole ostentará uma população próxima a 130 milhões de habitantes, ocupando uma área equivalente a seis vezes a cidade de Nova York (Johnson, 2015).

Em que pesem as ambições superlativas do governo chinês para esse projeto, ele é apenas um entre outros planos recentes que parecem sinalizar para uma percepção aguçada, por parte das autoridades chinesas, acerca da conexão existente entre crescimento econômico e urbanização (Johnson, 2013). Esta última, longe de ser apenas o resultado passivo do primeiro, é cada vez mais reconhecida como seu motor indispensável, uma descoberta bem-vinda para um governo que aspira a manter um ritmo frenético de crescimento como peça de legitimidade de um sistema político autoritário. Não obstante todas as incertezas que envolvem projetos de tal porte, o ritmo acelerado de urbanização e o crescimento do número de metrópoles não estão circunscritos à China, tampouco são fruto de simples voluntarismo político; antes, trata-se de uma tendência clara na maior parte dos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, intervencionistas ou mais liberais.

Essa constatação de uma trajetória de urbanização acelerada e, no âmbito desta, uma importância inegável das metrópoles e megacidades, refuta um sem-fim de narrativas surgidas nos últimos decênios que, evocando as facilidades de comunicação e transporte engendradas pelas inovações tecnológicas, ponderavam que a proximidade espacial e, por conseguinte, a aglomeração da população em grandes centros urbanos haveriam perdido seu sentido econômico e social.

No mínimo, o mundo haveria de caminhar para um processo de urbanização cada vez mais difuso, dominado por redes de pequenas e médias cidades fisicamente próximas e economicamente conectadas, a exemplo do que ocorre na Terceira Itália; em versões mais ousadas, a difusão do trabalho a distância e as infinitas possibilidades de subcontratação viabilizadas pela comunicação em tempo real permitiriam formas de cooperação que diluiriam por completo a necessidade de copresença em um espaço de fluxos imateriais. Embora a primeira hipótese pareça mais plausível, a realidade é que não apenas a urbanização, mas a metropolização continua sendo um traço indelével da economia atual, o que suscita a necessidade de discutir, de uma parte, as forças que continuam a impelir esse crescimento ininterrupto das cidades e a reestruturação dos seus espaços e, de outra, as aberturas e possibilidades políticas existentes para direcionar esse crescimento para configurações mais desejáveis do ponto de vista social e ambiental.

Com isso em vista, este artigo procura refletir criticamente sobre as condicionantes econômicas subjacentes ao ressurgimento das cidades e às mudanças na estruturação espacial interna dos centros urbanos. Revisitando brevemente a literatura relativamente extensa sobre o processo de aglomeração e seus fundamentos econômicos, a primeira seção do artigo discute como o crescimento vertiginoso das grandes cidades repousa sobre um rol de vantagens econômicas colocadas em marcha pela proximidade espacial sob a forma de economias externas ou externalidades.

A dinâmica de acumulação não é apenas responsável, contudo, por produzir níveis cada vez mais elevados de urbanização e de metropolização, mas igualmente por fomentar transformações de grande envergadura na estrutura espacial interna das cidades através da modificação dos usos do solo urbano. Visando lançar luz sobre esses processos, muitos dos quais francamente desfavoráveis ao acesso mais democrático à cidade, a segunda parte do artigo discute os principais interesses, agentes e forças envolvidos na produção do espaço da cidade e aponta como a entrada de novos agentes no circuito imobiliário colocou novas questões para a reflexão.

Como ficará evidente nessas duas primeiras seções, o reconhecimento da importância desses processos e forças econômicas nas transformações em curso não significa, absolutamente, a adesão a uma concepção da economia enquanto um campo independente da prática social, operando exclusivamente de acordo com suas leis internas; antes, ressaltar-se-á o entrelaçamento inevitável dos processos e práticas ditas econômicas com as dimensões social e política. Por fim, na última seção, o artigo coloca em pauta os principais desafios que se perfilam no horizonte da gestão das metrópoles nos próximos anos, desafios estes que se revelam ainda mais urgentes nos países em desenvolvimento – desde problemas básicos de moradia e saneamento, passando por transporte, segregação e acesso desigual ao urbano, até os problemas ambientais que se avultam.

Observa-se que avanços em muitos desses campos só podem ser obtidos através de um enfoque integral dos problemas em questão e de formas de cooperação territorial mais sofisticadas no âmbito da gestão das metrópoles e da elaboração e execução de políticas públicas.

Acesse o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.