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A fome é uma questão política, um problema social que vem se agravando globalmente nos últimos anos e que afeta desigualmente países, regiões e cidades, considerando-se vulnerabilidades e diferenças de classe social, gênero, sexualidade, raça e etnia. (…) No Brasil, a fome atinge 33,1 milhões de pessoas e 125 milhões de brasileiros – mais da metade da população nacional – sobrevive “com algum grau de insegurança alimentar”.

Em artigo, pesquisadores do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles refletem sobre o papel e a relevância das instituições de educação superior – particularmente universidades e institutos federais – no enfrentamento à fome no Brasil.

A partir do caso do Ceará, que tem se revelado significativo, inclusive com repercussão nacional, os pesquisadores Eduardo Gomes Machado, Geyse Anne Souza da Silva, Adriano Paulino de Almeida, Iara Rafaela Gomes, Regina Balbino da Silva e Moisés Tavares Cá, buscam analisar as seguintes questões: Quais ações acadêmico-científicas são e/ou podem ser desenvolvidas no enfrentamento à fome, com viés de fortalecimento da cidadania? Como fortalecer e dar visibilidade a essas ações? Quais seus efeitos e impactos?

No final do artigo, os autores destacam nove processos para refletir sobre o papel e a relevância dessas instituições no enfrentamento à fome no país.

Foto: Marcelo Camargo (Agência Brasil).

As universidades e o enfrentamento à fome no Brasil

“Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”
Carolina Maria de Jesus

A fome é uma questão política, um problema social que vem se agravando globalmente nos últimos anos e que afeta desigualmente países, regiões e cidades, considerando-se vulnerabilidades e diferenças de classe social, gênero, sexualidade, raça e etnia. Em julho de 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) constatou que mais de 800 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo. No Brasil, a fome atinge 33,1 milhões de pessoas e 125 milhões de brasileiros – mais da metade da população nacional – sobrevive “com algum grau de insegurança alimentar”, sendo os lares comandados por pessoas pretas e pardas os que mais apresentam restrições alimentares em qualquer nível, conforme revelou estudo coordenado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).

Nesse contexto, cabe refletir sobre o papel e a relevância das instituições de educação superior – particularmente universidades e institutos federais – no enfrentamento à fome no Brasil. Quais ações acadêmico-científicas são e/ou podem ser desenvolvidas no enfrentamento à fome, com viés de fortalecimento da cidadania? Como fortalecer e dar visibilidade a essas ações? Quais seus efeitos e impactos? Refletiremos sobre essas questões a partir do caso do Ceará, que tem se revelado significativo, inclusive com repercussão nacional.

Variados segmentos sociais vêm se mobilizando no Brasil para enfrentar a fome, com iniciativas relevantes, particularmente, a partir das periferias urbanas das metrópoles brasileiras, e considerando o movimento popular-comunitário, atuante em várias escalas, inclusive nacionalmente. Cabe destacar particularmente os equipamentos que são nomeados cozinhas comunitárias, sociais ou solidárias.

O Grande Bom Jardim (GBJ), em Fortaleza, Ceará, com cinco bairros, dezenas de comunidades e população estimada em mais de 225 mil habitantes (SMS), detém 70% de pessoas pretas e pardas (IBGE, 2010), e é um território marcado por extrema vulnerabilidade social e precariedade urbana. Ao mesmo tempo, é reconhecido por deter um movimento popular-comunitário politicamente ativo e potente. A pauta do enfrentamento à fome é uma prioridade da organização popular-comunitária desse território, particularmente da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim.

Nesse contexto, em 2 de setembro de 2022, no Centro Cultural Bom Jardim, foi divulgado o relatório do Mapa Participativo de Enfrentamento à Fome do Grande Bom Jardim (GBJ), uma ação conjunta do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza, do Grupo Diálogos de Extensão e Pesquisas Interdisciplinares, do Grupo de Extensão e Pesquisa em Geografia da Alimentação, de lideranças da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS Bom Jardim) e de 20 cozinhas comunitárias locais.

Importante perceber que métodos como o mapeamento participativo podem facilitar o engajamento social de forma mais eficiente e vantajosa, identificando e legitimando o conhecimento social, espacial e ambiental dos residentes locais. O mapa não é apenas uma representação gráfica da realidade, pois os atores sociais participantes afirmam sua identidade e constituem-se como tomadores de decisão. Desse modo, a combinação do conhecimento científico com o conhecimento da população local é uma estratégia altamente eficaz para apoiar a tomada de decisões de forma democrática, transparente e direta, afetando positivamente o planejamento e as políticas públicas.

Foto 1 – Oficina de cartografia participativa com Regina Balbino na construção do Mapa de Enfrentamento à Fome do Grande Bom Jardim.

Aqui cabe recordar a escritora Carolina Maria de Jesus, que afirma em seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1960): “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora, aquele que passa fome aprende pensar no próximo.” Essa grande intelectual negra apresenta reflexões para pensarmos a importância da população mais pobre participar da política, e mais especificamente, da formulação e execução de políticas públicas, considerando que esta interfere diretamente em sua vida cotidiana.

Considerando essas questões, o mapeamento participativo realizado no Grande Bom Jardim revelou a atuação dessas cozinhas em 62 áreas e comunidades, atendendo quase 14 mil pessoas e 5.328 famílias. Também indicou as 17 áreas onde a situação é mais grave. Por fim, apresentou 43 recomendações, demandas e propostas para o enfrentamento à fome e a promoção da segurança alimentar e gerou a criação da Rede de Cozinhas Comunitárias do Grande Bom Jardim (RCCGBJ).

Foto 2 – Quentinhas feitas pela Associação de Moradores do Parque Nazaré (ASCOPAN) que compõe a Rede de Cozinhas Comunitárias do Grande Bom Jardim.

Em 19 de janeiro de 2023, a RCCGBJ reuniu-se com o Grupo de Trabalho de Combate à Fome do governo do Estado do Ceará, montado pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), empossado no dia 01 de janeiro de 2023, e coordenado pela Primeira Dama do Estado, Lia Freitas, para apresentar a experiência territorial de enfrentamento à fome no Grande Bom Jardim, através do Mapa Participativo.

Foto 3 – Eduardo Machado apresenta à Primeira-Dama Lia Freitas do Ceará o Mapa Participativo de Enfrentamento a Fome do Grande Bom Jardim.

Em 31 de janeiro de 2023, a Rede de Cozinhas recebeu uma comissão da Assembleia Legislativa do Ceará no Grande Bom Jardim. O encontro aconteceu na Escola de Gastronomia Autossustentável (EGA), vinculada ao Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim, uma das cozinhas integrantes da Rede. Além das cozinhas comunitárias, do CDVHS e dos parceiros acadêmicos, participaram o Deputado Evandro Leitão (PDT), Presidente da Assembleia, a senadora Augusta Brito (PT), o deputado Renato Roseno (PSOL), Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia, e os deputados Diego Barreto (PSDB) e Júlio César (PT). Na ocasião foi entregue ao Presidente da Assembleia Legislativa, o Mapa Participativo, sendo discutida a relevância das cozinhas no enfrentamento à fome e à pobreza extrema, reforçando a necessidade de gerar a sustentabilidade desses equipamentos, através de políticas públicas inclusivas, democráticas e desburocratizadas. Entende-se que essas iniciativas populares conseguem acessar a população mais vulnerável e socialmente excluída, driblando, inclusive, os cercos e limites impostos pelos conflitos territoriais. O presidente foi sensibilizado e a visita o inspirou a criar uma política legislativa de combate à fome.

Em 17 de fevereiro de 2023, o Diário Oficial do estado do Ceará publicou a Lei Nº 18.312, que instituiu o Programa Ceará Sem Fome e criou as redes de unidades sociais produtoras de refeições no combate à fome no estado do Ceará. A sanção da Lei aconteceu no Palácio da Abolição com a presença do Governador Elmano de Freitas (PT), parlamentares e os movimentos sociais, populares e comunitários.  A constituição dessa política pública envolveu a escuta de dezenas de agentes sociais, cabendo destacar que parte das demandas e propostas apresentadas pela Rede de Cozinhas foi incorporada ao Programa Ceará Sem Fome, garantida por intenso diálogo e articulação junto a parlamentares da esquerda, revelando como a atuação conjunta envolvendo o movimento popular-comunitário e as universidades afetou positivamente a formulação dessa política pública.

Uma semana depois, em 24 de fevereiro, a Assembleia Legislativa cearense realizou uma Sessão Especial, a partir de proposição dos deputados Renato Roseno (PSOL) e Missias do MST (PT), para apresentar a Campanha da Fraternidade 2023, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tendo como tema “Fraternidade e Fome” e como lema “Dá-lhes vós mesmos de comer” (Mateus, 14,16). Aqui cabe recordar Frei Tito, quando afirma que isso não envolve “apenas enviar recursos para aplacar a fome de comunidades como a dos Yanomami, mas lutar por reforma agrária, valorizar a agricultura familiar, a economia solidária e as cooperativas populares”.

Nessa sessão especial, o Presidente Evandro Leitão (PDT), fazendo referência direta à visita às cozinhas comunitárias do Grande Bom Jardim, e somando-se aos esforços dos governos estadual e federal, anunciou a criação da “Comissão de Proteção Social e Enfrentamento à Fome” e a votação de “um projeto de lei que autoriza a Assembleia a adquirir e doar kits de cozinhas comunitárias, de modo a fortalecer as unidades produtoras de refeição, reconhecidas pelo Governo do Estado”. A Sessão teve a participação de várias cozinhas comunitárias, membros do clero, parlamentares, gestores públicos, centenas de agentes da sociedade civil e política representando as mais diversas entidades, organizações, coletivos, movimentos sociais, comunidades e órgãos governamentais.

Retomando as questões iniciais deste texto, depois dessa linha do tempo da construção de políticas públicas e da luta no combate a fome no Ceará, na qual pesquisadores pertencentes aos quadros da universidade pública, junto a sociedade civil trabalharam em uma significativa parceria, destacamos nove processos para refletir sobre o papel e a relevância das instituições de educação superior – particularmente universidades e institutos federais – no enfrentamento à fome no Brasil:

  1. GERAR REFLEXÃO CRÍTICA ESTRATÉGICA. As universidades e os institutos federais são essenciais para, junto com os agentes popular-comunitários e demais segmentos sociais, pensar questões estruturais à sociedade e ao Estado brasileiro, propondo estratégias de enfrentamento, tais como: concentração de renda e outras violências e desigualdades de raça, classe, gênero e sexualidade; propriedade privada do capital e da terra, reforma urbana e reforma agrária; agricultura familiar, agroecologia, gastronomia social e comunitária; democracia e cidadania; dentre outras.
  2. FORTALECER A EDUCAÇÃO. As Universidades e Institutos Federais são essenciais à formação de milhões de profissionais em variadas áreas disciplinares, em cursos da educação superior, tecnológicos e técnicos, de educação continuada, dentre outros. Em parceria com as cozinhas comunitárias e com outros agentes governamentais e não governamentais, podem formar os trabalhadores/as desses equipamentos e outras pessoas, fomentando ações empreendedoras e solidárias, cooperativas, pequenos negócios, emprego e renda. Em áreas como boas práticas, cultura alimentar, gastronomia social, alimentação e gastronomia, agroecologia, agricultura familiar, agricultura urbana, segurança alimentar e nutricional, direitos humanos e cidadania, dentre outras.
  3. REALIZAR PESQUISA DE ALTA COMPLEXIDADE E ATUALIDADE, DESTACADAMENTE NA SAÚDE E NA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS. Além da atenção constante em capacitar seus pesquisadores, por meio de cursos de pós-graduação, a universidade vem cada vez mais preocupando-se com a produção de alimentos, a qual deve estar em consonância com o respeito ao meio ambiente, pois há o entendimento da necessidade de que esse alimento atenda aos preceitos do valor nutricional mas, sobretudo, à sustentabilidade ambiental planetária. Neste caso, o conhecimento científico e tecnológico que não negligencia o interesse social e reconhece a diversidade das culturas alimentares deve ser o ponto central. Acreditamos que o foco da universidade quanto ao seu papel e relevância no enfrentamento à fome no Brasil nos últimos anos tenha tido bastante destaque no que diz respeito ao incremento de inovação e tecnologias emergentes, com pesquisas que visam a sustentabilidade e a segurança alimentar. Destacando-se, inclusive, os trabalhos em rede, realizados também com comunidades ou sujeitos diversos, que têm apontado para defesa da agroecologia, conseguindo transferir parte significativa dos resultados das pesquisas à população em geral e, mais especificamente, aquela usuária das tecnologias.
  4. PARTICIPAR DA CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS E POLÍTICAS PÚBLICAS. O Grande Bom Jardim revela como a articulação entre a Universidade e os agentes da sociedade civil, particularmente de periferias urbanas nas metrópoles brasileiras, fortalece a integração entre ações emergenciais com viés popular-comunitário e solidário, e a luta pela garantia dos direitos humanos através de mudanças estruturais e da implantação de sistemas e políticas públicas. Assim, a própria solidariedade se reconstrói para além da filantropia e da caridade, ao se articular de modo orgânico aos direitos humanos e às políticas públicas. Nesse sentido, a articulação entre a Universidade e os agentes da sociedade civil potencialmente promove a cidadania e a democracia, evidenciando como os agentes das periferias urbanas são essenciais ao enfrentamento – em curto, médio e longo prazo – dos grandes problemas brasileiros, gerando conhecimentos e atuando territorialmente em várias escalas, considerando-se os segmentos sociais mais vulneráveis. Este arranjo político-institucional contribui ainda para o fortalecimento das tecnologias sociais, inovações e capacidades inventivas dos movimentos populares-comunitários na criação e desenvolvimento, potencialmente afetando políticas públicas.
  5. VALORIZAR E FORTALECER A EXTENSÃO. É urgente e essencial que o Estado brasileiro fortaleça a extensão acadêmica, considerando seu papel constitucional e a sua curricularização. Cabe aos ministérios e secretarias de governo, às agências federais e estaduais de fomento e às próprias instituições da educação superior reconhecer essa relevância, implantando fundos e políticas públicas permanentes. A extensão institui parcerias e relações cooperativas envolvendo agentes acadêmicos e da sociedade civil e política; permite que a Universidade participe do enfrentamento de questões e problemas sociais graves e complexos, gerando soluções concretas; fortalece a formação acadêmico-científica e profissional de discentes e de variados segmentos sociais; produz interfaces com arte e cultura. Nos últimos anos há iniciativas importantes. Órgãos de fomento estaduais têm lançado editais específicos para a extensão, reconhecendo que ela também produz ciência, arte e cultura, inovação e tecnologia. Algumas áreas disciplinares vêm integrando a extensão a eventos nacionais e instituindo prêmios, como ocorreu no 47º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2022. Mas, é necessário ir além, rompendo um entendimento restritivo às vezes presente nas próprias instituições de fomento e de educação superior. Esse entendimento restritivo não entende que a extensão produz e difunde ciência, arte e cultura, inovação e tecnologia e é essencial à construção de um novo Estado, sociedade e educação superior no país.
  6. PROMOVER MUDANÇAS ESTRUTURAIS E CULTURAIS NO ESTADO BRASILEIRO. Cabe perguntar até que ponto os formuladores de políticas públicas (gestores, técnicos e órgãos) entendem e/ou reconhecem o valor social e político de agentes acadêmicos e de agentes periféricos enquanto protagonistas estratégicos para a concepção, formulação, execução, gestão e avaliação de sistemas e políticas públicas? Quais os espaços político-técnicos existentes no Estado brasileiro que fomentam e permitem essa participação estratégica? Entendemos ser essencial uma mudança cultural-estrutural no Estado brasileiro, afetando a percepção e a postura dos agentes públicos, reconstruindo instâncias para agentes acadêmicos e periféricos participarem das decisões políticas. Nesse sentido, é interessante perceber como o movimento popular-comunitário muitas vezes assume a liderança na constituição de espaços políticos públicos e dialógicos que geram interfaces entre agentes acadêmicos e da sociedade civil e política e afetam as decisões políticas, como é o caso da experiência do Comitê Popular de Enfrentamento à Covid-19 do Grande Bom Jardim e do próprio Mapa Participativo de Enfrentamento à Fome do Grande Bom Jardim. Aqui também é importante fazer referência ao Programa Cientista-Chefe no estado do Ceará, experiência inovadora que promove a articulação entre instituições de educação superior e órgãos públicos visando consolidar e desenvolver políticas públicas.
  7. COMPROMETER UNIVERSIDADES E INSTITUTOS FEDERAIS. Cabe perguntar até que ponto as instituições e comunidades acadêmicas poderiam/deveriam estar mais mobilizadas para atuarem efetivamente no enfrentamento à fome, bem como em demais problemas e questões sociais graves e complexas da sociedade e Estado brasileiros. Até que ponto as instituições e comunidades acadêmicas entendem que também faz parte de seu lugar e papel social o participar da construção de soluções, sistemas e políticas públicas? Até que ponto as instituições e comunidades acadêmicas buscam construir mais parcerias com agentes variados da sociedade civil e política? Talvez seja necessário, portanto, modificar concepções, práticas e institucionalidades, e repensar ações desenvolvidas, compreender a necessidade dessas ações e seus impactos para a sociedade brasileira em geral.
  8. FORTALECER ORÇAMENTOS E POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL. O Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) tem como objetivo garantir a permanência de estudantes de baixa renda nos cursos de graduação nas universidades e institutos federais. As bolsas e auxílios são destinados para assegurar moradia estudantil quando não se tem residência universitária, ou quando as vagas não suprem a demanda; auxílio transporte, alimentação e inclusão digital, dentre outros. Portanto, é essencial a recomposição dos orçamentos das instituições de educação superior, bem como a consolidação e o desenvolvimento das políticas de assistência estudantil, inclusive com a transparência na prestação de contas.
  9. CONSTRUIR INSTITUIÇÕES DECOLONIAIS-CONTRA COLONIAIS. Até que ponto as instituições e as comunidades acadêmicas reconhecem e valorizam os agentes das periferias, entendendo-os como parceiros e protagonistas sociais e políticos estratégicos? Avaliamos ser essencial que as instituições e as comunidades acadêmicas, e de forma geral a sociedade e o Estado brasileiros, reconheçam a importância de agentes historicamente subalternizados, potentes em suas epistemes, filosofias, cosmologias, conhecimentos, disposições, patrimônios, memórias, tecnologias, inovações, experiências, artes, culturas, ofícios e práticas. Aqui as políticas de democratização da educação superior, de cotas e de notório saber revelam, mais do que uma reparação histórica, estratégias para construir instituições que integrem esses agentes de modo estratégico ao cotidiano acadêmico e à estrutura e dinâmica curricular dos cursos de graduação e pós-graduação. Exemplificando com o notório saber, não se trata somente de certificar mestres e mestras, o que já é importante. Trata-se de integrá-los – e, portanto, a seus povos e comunidades –, de modo estrutural, às universidades e institutos federais. Trata-se de transcender uma universidade elitista, arrogante, fechada em si mesma, ocidentalizada e colonizada, que reproduz racismos e se pretende superior a esses agentes, em variados casos bloqueando ou dificultando legítimos direitos.

É hora de construir o presente-futuro.


*Autores: Eduardo Gomes Machado, Geyse Anne Souza da Silva, Adriano Paulino de Almeida, Iara Rafaela Gomes, Regina Balbino da Silva e Moisés Tavares Cá, pesquisadores do Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles.