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Em texto publicado no Jornal da UFRGS, Vanessa Marx (Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre e BrCidades) e Gabriela Luiz Scapini (BrCidades) refletem sobre alguns aspectos em torno da atuação de mulheres frente à pandemia da COVID-19.

Conforme dado divulgado pela ONU Mulheres, as mulheres, em seu conjunto, correspondem a 70% do total de profissionais que atuam na linha de frente no combate à COVID-19. Nesse sentido, as autoras destacam que ao mesmo tempo que o trabalho exercido pelas mulheres, em diferentes espaços da sociedade, mostra-se extremamente importante, em especial para combater o avanço da pandemia, as relações de desigualdade de gênero preexistentes se intensificaram e têm afetado de maneira mais drástica a vida de diversas mulheres.

A seguir, confira o texto completo.

Reprodução: Jornal da UFRGS. Foto: Flávio Dutra.

Neste ensaio, buscamos refletir sobre alguns aspectos em torno da atuação de mulheres frente à pandemia do COVID-19. Em um primeiro momento, quando falamos sobre “mulheres”, é preciso destacar que estamos lidando com uma multiplicidade de marcadores sociais da diferença que moldam as nossas experiências sociais: raça, classe, sexualidade, nacionalidade, capacitismo, entre outros.

Desde o início da pandemia, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) vêm alertando sobre a necessidade de apoio ao grupo dos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e pessoas de baixa renda) por parte dos Estados, os quais possuem a responsabilidade social de atuar para reduzir os danos neste contexto. Além disso, reconhecemos o comprometimento das mulheres profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia do COVID-19 e que se dividem entre a vida profissional e a familiar.

Em um segundo momento, os dados recentes sobre a situação de mulheres durante a pandemia demonstram como a estrutura racista, capitalista cis-heteropatriarcal atua: a população negra é a mais vitimada pelo coronavírus no país e, ao mesmo tempo, com o aumento do isolamento social, os crimes de feminicídio e as violências domésticas e sexuais têm aumentado consideravelmente, conforme dados disponibilizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança pública em 16 de abril de 2020.

Neste cenário no qual as mulheres estão à frente da pandemia, trabalhando pela vida e a nossa existência, algumas delas estão sofrendo violência de gênero. 

Relatos de sobrecarga física e mental entre mulheres são mais recorrentes, em especial com o fechamento de escolas e creches e a ampliação de atividades remotas (home office). Elas têm de se desdobrar entre o trabalho doméstico não remunerado e as atividades profissionais. O que se soma a outro dado divulgado pela ONU Mulheres em 2020: as mulheres, em seu conjunto, correspondem a 70% do total de profissionais que atuam na linha de frente no combate ao COVID-19.

Percebemos, portanto, como relações de desigualdade de gênero preexistentes à pandemia se intensificaram e têm afetado de maneira mais drástica a vida de diversas mulheres. E, ao mesmo tempo, observamos como o trabalho exercido por elas, em diferentes espaços da sociedade, se mostra de extrema importância, em especial para combater o avanço da pandemia. Isso nos coloca a importância de refletirmos acerca do cuidado como um elemento central da própria democracia, conforme a historiadora feminista Silvia Federici nos aponta em seu livro O ponto zero da revolução, publicado em 2019. O questionamento sobre quem cuida e quem é cuidado deve ser parte dos debates públicos, na medida em que afeta a vida de toda a população na medida em que somos interdependentes. Com isso, o cuidado precisa ser incorporado na atuação do Estado, pois ele também é uma forma de trabalho e deveria ser remunerado.

Com isso, emergem diferentes iniciativas lideradas por mulheres, constituindo diferentes formas de participação política. Surgem, assim, desde canais institucionais e de política representativa até projetos para ampliar os serviços de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica.

Por outro lado, vemos redes de solidariedade emergindo com grande força, de forma efetiva e criativa, entre mulheres nos espaços das cidades, em especial na cidade de Porto Alegre. O atuante Movimento de Mulheres Olga Benário lidera a Campanha de apoio a Diaristas. Os valores arrecadados são direcionados às trabalhadoras desempregadas e autônomas. Esse projeto tem percorrido as periferias da cidade e atendido inúmeras mulheres que necessitam de itens básicos de alimentação e higiene. De forma semelhante, o projeto Cestas Lúdicas e Didáticas, organizado pelo Coletivo de Mulheres da Turba, objetiva atender mulheres em áreas de vulnerabilidade que estejam enfrentando dificuldades para desenvolver atividades educacionais e de lazer com seus filhos e filhas.

Acreditamos que a construção de redes de solidariedade entre mulheres deve servir como fonte de inspiração e ação na construção de alternativas políticas para enfrentar as consequências do COVID-19 e combater as desigualdades socioeconômicas que afetam o país, em especial que conectem os espaços das cidades aos rurais. 

Essas iniciativas são importantes, mas não minimizam a responsabilidade do Estado em construir políticas públicas para mulheres em tempos de pandemia que remunere a política do cuidado. A vida deveria estar no centro das decisões políticas, e para isto seria importante pensar uma nova forma de existência que tenha em seu horizonte o aprofundamento da democracia com a incorporação da perspectiva das mulheres, construída de forma coletiva e pautada pela justiça social e pela solidariedade.

¹ Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS. Membro do BrCidades.

² Professora no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre. Membro do BrCidades.