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Bem-estar urbano e os 25 anos de Constituição Cidadã

Passados 25 anos de promulgação da Constituição Cidadã – e 50 anos depois da discussão das Reformas de Base – a população brasileira ainda sai às ruas para reivindicar direitos vinculados ao que podemos chamar de questão urbana. No artigo de destaque da Revista eletrônica e-metropolis nº 14, Marcelo G. Ribeiro analisa a situação do chamado bem-estar urbano das principais metrópoles do país. A partir dos dados do índice sintético IBEU, o autor mostra a realidade vivida nos grandes centros urbanos e o que falta avançar para fazer valer o direito à cidade de forma efetivamente democrática.

O artigo “Bem-Estar Urbano Das Metrópoles Brasileiras 25 Anos Depois De Promulgação Da Constituição Cidadã” é um dos destaques da edição nº 14 da Revista eletrônica e-metropolis – publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins. A Revista e-metropolis é editada por alunos de pós-graduação de programas vinculados ao INCT Observatório das Metrópoles e conta com a colaboração de pesquisadores, estudiosos e interessados de diversas áreas que contribuam com a discussão sobre o espaço urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.

Acesse no link a seguir a edição nº 14 da Revista e-metropolis.

http://www.emetropolis.net/

INTRODUÇÃO

Por Marcelo Gomes Ribeiro

O Observatório das Metrópoles, com o compromisso de difusão da produção do conhecimento e informações para governos, universidades, movimentos sociais, veículos de comunicação e sociedade civil de modo geral, divulgou recentemente o Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), que foi construído na perspectiva de avaliar as condições urbanas de bem-estar existentes nas principais metrópoles brasileiras, o que possibilita a comparação entre elas,entre os seus municípios e entre os bairros que as compõem. Ou seja, essa avaliação permite observar não apenas as diferenças de bem-estar urbano entre as metrópoles do país, mas também as desigualdades urbanas existentes dentro de cada uma delas, tendo em vista que tanto os municípios quanto os bairros de cada uma das metrópoles apresentam condições distintas de bem-estar urbano, como foi revelado pelo IBEU (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013).

É interessante a coincidência da divulgação do IBEU no mesmo ano em que se comemora os 25 anos de promulgação da Constituição da República Federativa Brasileira, a Carta Magna do país, o que nos estimula a analisar os resultados desse índice a partir do significado do texto constitucional. Interessante porque a Constituição promulgada em 1988 foi consagrada como a Constituição Cidadã. Essa prerrogativa imputada à Constituição decorreu da incorporação em seu texto de direitos sociais e civis, de proteção dos cidadãos, além de princípios de igualdade e universalidade para as políticas públicas do país.

A incorporação desses direitos e princípios na Constituição de 1988 decorreu da luta social travada desde o final da década de 1970 e, sobretudo, na década de 1980 – depois do processo de redemocratização do país –, em que os movimentos sociais de diferentes vertigens realizaram intensa mobilização no país para garantir que o texto constitucional atendesse às suas reivindicações. Assim se deu em relação à saúde, à assistência social, à educação e, também, às questões consideradas eminentemente urbanas, como foi levada a cabo pelas organizações que lutavam pela Reforma Urbana do país. Se olharmos para 25 anos antes da Constituição de 1988, podemos observar que a pauta que consagrou a Carta Magna de 1988 como Constituição Cidadã era a pauta da agenda social que estava sendo debatida naquele momento do país (1963/1964), principalmente no que se refere à Reforma da Educação, à Reforma Urbana e à Reforma Agrária, conhecidas na época como Reformas de Base. Pauta essa que foi derrotada com o Golpe Militar e o estabelecimento da ditadura no Brasil.

A Constituição de 1988, portanto, significou a consagração das reivindicações feitas pelos movimentos sociais que objetivavam resolver o problema das desigualdades sociais que se intensificavam cada vez mais no país, como podia ser observado por decorrência do aumento generalizado da inflação naquela década, o que tornava as condições de reprodução social comprometidas para grande maioria da população. Aquele era um momento em que o Brasil atravessava uma das piores fases, até então, em sua trajetória econômica, na medida em que se assistia ao esgotamento do modelo de substituição de importações que no passado havia tornado o Brasil uma das economias mais dinâmicas do mundo. Apesar disso, o país estava experimentando um novo período democrático, que tivera fim desde 1985, mesmo que o Presidente da República ainda tivesse sido eleito de modo indireto. Portanto, esse era um período em que os movimentos sociais e a população de modo geral tinham liberdade para debater as questões da sociedade brasileira e apresentar propostas para o texto constitucional. Era um momento singular porque significava a oportunidade que os setores mais progressistas da sociedade tinham para propor soluções que revertessem as desigualdades que se aprofundaram nas décadas anteriores, quando o país apresentava enormes êxitos na sua economia, mas em um ambiente político comandado pela ditadura militar.

De fato, apesar do crescimento econômico ocorrido, sobretudo, depois de 1968 no país, as desigualdades se aprofundaram ainda mais. Era um momento em que as migrações ainda se realizavam de forma expressiva para os principais centros urbanos do país, as cidades cresciam de forma desordenada, as periferias metropolitanas se caracterizavam pela precariedade dos serviços e falta de infraestruturas e a distribuição de renda se concentrava, cada vez mais, nos estratos de renda mais elevados.

Muita coisa, porém, mudou desde a Constituição de 1988. Houve muitos avanços em várias áreas e setores do país: foi possível nesse período conquistar a estabilidade econômica, implantar um sistema único de saúde, um sistema único de assistência social, avançar na legislação da educação (LDB) e corrigir vários problemas históricos nessa área, aprovar o Estatuto das Cidades, que trazia muitas das reivindicações do movimento da Reforma Urbana, além disso, nos últimos anos se assistiu pela primeira vez no Brasil à redução das desigualdades de renda.

Porém, de modo paradoxal, 25 anos depois da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, as ruas do país foram tomadas pela população que apresentava reivindicações das mais diversas, mas que tiveram como temas iniciais e, talvez, temas que sintetizavam sua diversidade o que poderíamos designar como questão urbana. Foi entorno dos temas vinculados à questão urbana que a população saiu às ruas, como a questão do preço das tarifas de transporte coletivo, da mobilidade urbana de modo geral, que se juntaram às questões da educação, da saúde e da prática política brasileira.

Se olharmos em retrospectos os temas que motivaram as mobilizações de 2013, vamos observar que são os mesmos temas que estavam na agenda pública do país no período da Constituição de 1988 e também os mesmos temas existentes 25 anos antes da Constituição Cidadã. Apesar de avanços significativos ocorridos nesse período, com todos os seus revezes, foram avanços que tornaram possível a população resolver muitos dos seus problemas no plano individual. Mas quando se trata de problemas que só podem ser resolvidos no plano coletivo, como são os problemas urbanos, percebemos poucos avanços. Eis o motivo do clamor das ruas.

Neste sentido, as manifestações de rua não foram e não são manifestações inócuas. Elas refletem as desigualdades urbanas ainda existentes e persistentes do país, como podemos observar a partir do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), divulgado recentemente pelo Observatório das Metrópoles. Assim, é interessante observar que depois de 25 anos de promulgação da Constituição Cidadã, o país ainda apresenta condições desiguais de vida urbana. Acirra ainda essa situação o fato de nesse momento 84,4% da população viverem nas cidades, o que aponta em termos demográficos que a questão social brasileira é hoje, eminentemente, a questão urbana.

Mesmo sendo os mesmos temas de reivindicação de décadas atrás, é evidente que a dimensão dos problemas urbanos pode ser diferente. Neste sentido, vale a pena analisar de perto o IBEU para podermos compreender melhor alguns dos aspectos da questão urbana do presente. Mas antes é importante considerar o que está sendo compreendido como bem-estar urbano.

http://www.emetropolis.net/

 

 Última modificação em 17-04-2014 18:21:01