Skip to main content

O Observatório das Metrópoles, em parceria com outras organizações e entidades, integra a coordenação facilitadora do evento “O povo, sua casa, sua cidade: 60 anos de luta por Habitação e Reforma Urbana“, que ocorrerá nos dias 21 a 24 de outubro de 2023, em Brasília. O intuito é resgatar a importância das cidades e do poder local como forma de estabelecer uma cultura democrática participativa e densa. Além disso, busca promover a visibilidade e o conhecimento sobre o Brasil urbano, sem excluir o Brasil rural, suas florestas e a produção de alimentos

Nesse sentido, é proposta a realização de um seminário nacional com três objetivos:

  1. Resgatar as primeiras iniciativas de reforma urbana e revisitar a memória do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), que em 2023 faz 60 anos;
  2. Romper com a formação social brasileira de raízes coloniais, patriarcais, racistas e patrimonialistas;
  3. Mapear formulações e experiências exitosas a partir dos debates regionais.

A iniciativa está aberta para a adesão. Veja o texto de chamamento e inscreva a sua entidade ou organização em: forms.gle/j1uFHZQiCZXXAuCa9

Acompanhe também a iniciativa no Instagram: www.instagram.com/snhru60

Confira o texto de apresentação:

Atualmente, mais de 85% da população brasileira – em torno de 160 milhões de habitantes – vive nas cidades e sofre no seu cotidiano com as precárias condições de habitação, transporte, saneamento, saúde, salubridade e trabalho, às quais se somam a violência, a fome, a poluição, os desastres provocados por eventos climáticos. Contraditoriamente, planos e leis acabam por contribuir e, muitas vezes, aprofundar a fratura que divide aqueles que vivem o direito à cidade daqueles que vivem na cidade onde os direitos são negados. O mercado imobiliário formal é para poucos e a produção imobiliária, em todas as suas escalas, ignora a relação entre necessidades sociais e ambientais.

Embora a função social da propriedade tenha sido afirmada desde a Constituição Federal de 1934, foi a partir da  Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade (2001), que passamos a ter referências de como tal função deve se efetivar. Mesmo assim, a maior parte da população brasileira, no campo e na cidade, não tem acesso formal à terra – seja para morar ou produzir. A terra permanece sendo um importante nó nas relações sociais no Brasil. O passado escravista e rural do país nunca se completou com a inserção cidadã dessa população na sociedade brasileira, e a posse formal da terra tem sido um dos elementos que sustentam essa condição. As periferias que sofrem com  a atuação repressiva do Estado, sem leis, sem infraestrutura adequada, são dominadas pelo crime organizado, pelas milícias, pelo neopentecostalismo conservador. O massacre de jovens negros é apenas um dos indicadores do racismo estrutural. Entretanto, essas constatações não são suficientes para dar à questão urbana a importância que ela deveria ter no debate político no Brasil.

Embora nem sempre reconhecidas, as lutas urbanas tiveram e ainda têm grande relevância na construção democrática. Suas origens remontam o início do século XX, ganhando maior visibilidade nos anos 1960, quando o governo de João Goulart pautou o debate de reformas de base. Merece registro o Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU) – O Homem, sua Casa, sua Cidade, organizado pelo IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil – e pelo IPASE – Instituto de Previdência dos Servidores do Estado –, organismo vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social do governo João Goulart (1961-1964). No decorrer de seus trabalhos de viés interdisciplinar, o Seminário congregou cerca de duzentos delegados entre arquitetos-urbanistas, engenheiros, geógrafos, sociólogos, assistentes sociais, médicos, líderes estudantis e sindicais, além de parlamentares e representantes de governos estaduais. Ao contrário do que se verificava com a luta pela Reforma Agrária, não foram incluídas articulações e movimentos populares. Limitou-se ao universo de preocupações de lideranças políticas, de associações profissionais, estudantis e sindicais e de intelectuais. Em decorrência, e acolhido o conjunto das deliberações e recomendações do SHRU, o Estado reconheceu o problema da moradia no Brasil, pela primeira vez e de forma objetiva, em uma dimensão abrangente e articulada: a do desenvolvimento urbano.

Apesar do fechamento político que se seguiu ao golpe de 1964, o Seminário mobilizou atores importantes para a consolidação e capilarização do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, capaz de formular propostas que contribuiram na elaboração da Constituição Federal de 1988, resultando, inclusive, num capítulo específico da Política Urbana, e posteriormente no Estatuto da Cidade (2001). Entre os anos 1980 e 2000, as chamadas prefeituras Democráticas e Populares (1980/2000)  foram experiências profundamente transformadoras e se tornaram referências tanto nacionais quanto internacionais. A partir delas, ficou evidente que o poder local era o lugar da proximidade entre cidadãos e governantes, o lugar por excelência da participação.

Neste momento de reconstrução do país, coloca-se para nós o desafio de resgatar a importância das cidades e do poder local para enraizar uma cultura democrática densa, participativa, desde os territórios, desde as entidades, desde as universidades, desde as redes organizadas na sociedade, como os movimentos sociais, organizações e entidades..

Do ponto de vista das redes societárias que se formaram recentemente em torno de uma agenda urbana, vale lembrar a exitosa construção da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, em 2022, que afirmou a capacidade das organizações da sociedade civil, das associações profissionais e acadêmicas , organizações populares e movimentos sociais em reconhecer as diferenças entre as muitas mobilizações e lutas urbanas, e, ao mesmo tempo, de promover a convergência das pautas pela Reforma Urbana. A Conferência contou com a participação de mais de 600 entidades, sendo realizados 232 eventos preparatórios, que resultaram em centenas de propostas distribuídas em 16 eixos temáticos. Foram reunidos mais de 700 representantes dessa construção, presencialmente, em São Paulo, que vieram de diversas partes do país e tiveram o papel de consolidar as contribuições em uma plataforma de luta pelo direito à cidade.

Do ponto de vista da educação superior, nas últimas décadas as universidades se tornaram mais populares e menos brancas, fruto de um movimento da sociedade pela ampliação do acesso à educação, Certamente, o próximo ciclo transformador precisa tornar a formação dessa juventude coerente com um projeto de sociedade efetivamente democrática. Profissionais da arquitetura e urbanismo, do direito, da geografia, da saúde, das engenharias, do serviço social e da sociologia, entre outras áreas do conhecimento, podem desempenhar papéis fundamentais nessa construção.

QUE FAZER?

Coloca-se para nós o desafio de resgatar a importância das cidades e do poder local como via de enraizamento de uma cultura democrática densa e participativa; de ampliar a visibilidade e o conhecimento do Brasil urbano – o que não exclui evidentemente o Brasil rural, das florestas e a produção de alimentos. Nesse sentido, é proposta a realização de um seminário nacional com três objetivos, quais sejam:

  1. O primeiro deles é resgatar as primeiras iniciativas de reforma urbana e  revisitar a memória do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), que em 2023 faz 60 anos. É preciso reconhecer as formulações que inspiraram as lutas posteriores, mas também atualizá-las mediante as transformações que vivemos desde então. Construiremos em torno da questão urbana a integração de saberes profissionais técnicos e científicos – de arquitetos/urbanistas, engenheiros, médicos, assistentes sociais, sociólogo, geógrafos, advogados, enfermeiros, educadores, demógrafos, planejadores urbanos e regionais –, de  lideranças populares e atores sociais, gestores e funcionários públicos, integrantes das Defensorias Públicas e Ministério Público, parlamentares, produtores culturais,, para elaborar propostas e uma agenda de efetiva reforma urbana. Essa integração de saberes para a construção de uma agenda efetiva pela reforma urbana deve ocorrer de forma interseccional, reconhecendo a grande dívida que a sociedade e o Estado têm com a população negra e periférica e com os povos tradicionais, em especial com as mulheres e com a população LGBTQIA+.  Diferentemente dos anos 1960, as propostas não devem ser dirigidas ao Estado e à institucionalidade apenas. Evidentemente é fundamental que propostas de políticas públicas, organização do Estado, legislação complementar sejam elaboradas pela comunidade técnica e profissional, mas tudo decorrente de um amplo processo de escuta e de participação popular efetivo. É preciso também dar protagonismo às comunidades organizadas em torno da autogestão, de iniciativas coletivas ou cooperativas, da chamada economia solidária. Há que revisitar a relação federativa, as formas de participação democrática, a inefetividade de leis e planos para o combate à desigualdade e à sustentabilidade ambiental, a orientação dos investimentos públicos que alimenta o rentismo fundiário e imobiliário. É preciso combater a fragmentação das políticas setoriais – habitação, mobilidade, saneamento, saúde, educação, meio ambiente, segurança pública, lazer, cultura, esporte – baseada na lógica do clientelismo e afirmar a visão sistêmica e integradora sobre o desenvolvimento urbano e o direito à cidade para todos e todas.
  2. O segundo objetivo está voltado às universidades. É necessário romper com a formação social brasileira de raízes coloniais, patriarcais, racistas e patrimonialistas. É preciso ter a realidade de um país continental e profundamente diverso como referência. Tais formulações valem para profissionais da arquitetura e urbanismo, do direito, da saúde, do serviço social, das engenharias, das ciências humanas e sociais.
  3. O terceiro e último objetivo é, a partir dos acúmulos gerados na rede formada em torno da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, mapear formulações e experiências exitosas a partir dos debates regionais. Partindo de eventos locais, em bairros, aglomerados urbanos, cidades e regiões metropolitanas dos vários pontos deste país continental. Tais eventos preparatórios, seguidos de um bom trabalho de sistematização, nos permitirão chegar às propostas para o Brasil urbano, em outubro de 2023 na cidade de Brasília.

Resgatar os primeiras iniciativas de Reforma Urbana e comemorar os 60 anos do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), não se limita a um mero olhar no retrovisor, significa olhar o passado para entender o presente e consolidar a luta futura, garantindo a convergência das pautas da Reforma Urbana para todo o território nacional, nas suas várias escalas, de forma a mitigar disparidades e contemplando a rede de cidades e suas conectividades.

Coordenação facilitadora: ABEP; ANPARQ; ANPEGE; ANPUR; BrCidades; Campanha Despejo Zero; CDES; CMP; CONAM; CONDEGE; FENED; FNA; FNRU; Fórum de Trabalho Social em Habitação de SP; HABITAT; IAB; IBDU; Instituto Pólis; MDT; MLB; MNLM; MTD; MTST; Observatório das Metrópoles; UNMP.