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Em entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Vanessa Marx, coordenadora do Núcleo Porto Alegre, aborda a reprodução das desigualdades sociais em nossas cidades. “Como pode haver moradias vazias e pessoas sem casa? Essa é uma equação que não fecha”, adverte a pesquisadora.

Com o título “As cidades brasileiras reproduzem as desigualdades sociais. Entrevista especial com Vanessa Marx”, a entrevista foi realizada por Patricia Fachin e traz algumas reflexões da pesquisadora sobre o retrato das desigualdades pós-pandemia, especialmente na cidade de Porto Alegre.

Vanessa Marx é doutora em Ciência Política e Administração pela Universidad Autonoma de Barcelona, mestre em Integração Latino-Americana pela Universidad Nacional de La Plata. Ela leciona no Programa de Pós-graduação em Sociologia e no Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É coordenadora do Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das Cidades – GPSUIC, membro do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo – CEGOV da UFRGS e coordenadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre.

Barracas no centro de São Paulo. Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil).

A seguir, confira alguns trechos da entrevista:

IHU – Qual é o retrato das metrópoles brasileiras hoje, pós-pandemia?

Vanessa Marx – As cidades brasileiras seguem reproduzindo as desigualdades sociais nos territórios. Sendo um dos países mais desiguais do mundo, o Brasil reflete essa situação nos territórios e na questão urbana. Por isso, o direito à cidade reivindica o direito à vida urbana, que significa ter acesso à moradia adequada e às condições básicas de saneamento. Quando essas necessidades não são atendidas, elas geram grandes desigualdades sociais nas metrópoles.

As metrópoles têm uma complexidade diferenciada entre elas. Estamos começando a analisar os dados do censo e percebemos que cidades como São Paulo têm um grau de complexidade maior do que outras metrópoles. Em Porto Alegre, por exemplo, as desigualdades sociais persistem e podemos perceber um outro fenômeno: as pessoas estão vivendo cada vez mais em condomínios, enquanto outras comunidades seguem sem moradias adequadas, sem saneamento básico.

As cidades médias, por sua vez, não têm a complexidade de uma metrópole, mas, em geral, estamos assistindo à expansão do capital nas cidades brasileiras, que vêm acelerando cada vez mais os processos de urbanização e de segregação. Assistimos à desigualdade social como um dos maiores problemas do Brasil e como isso é visível nas cidades brasileiras.

IHU – A senhora declarou recentemente que “Porto Alegre é uma cidade que está sendo completamente fragmentada em planos especiais”. Em que consiste a fragmentação da cidade, como ela está ocorrendo e pode ser observada?

A pesquisadora e professora Vanessa Marx.

Vanessa Marx – Desde a revisão do Plano Diretor, em 2010, estão sendo desenvolvidos diversos projetos especiais, com exceção do plano, que vêm sendo implementados de forma acelerada na cidade. Nos últimos dois anos, assistimos à fragmentação da cidade em projetos nas diversas regiões. No livro “Reforma urbana e direito à cidade”, analisamos este tema detalhadamente em relação aos projetos para o Centro Histórico e o 4º Distrito [bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá, Farrapos]. Esses projetos estão sendo desenvolvidos em paralelo ao processo de gestão do Plano Diretor. Ou seja, está havendo um processo de revisão do Plano Diretor com alterações importantes no território, com planos específicos de negócios, de transformação e adensamento para a região.

No Plano Diretor, que é um instrumento de gestão urbana, conseguimos visualizar a totalidade da cidade, todas as regiões de gestão e planejamento. Para ter uma revisão democraticamente equilibrada, fazer uma leitura da cidade de forma total, buscando reduzir as desigualdades sociais, deveríamos ver a cidade de forma equilibrada. Ou seja, ver a sua totalidade. O que temos percebido é que a cidade está se fragmentando por planos para regiões específicas e, muitas vezes, essa fragmentação não conversa com o Plano Diretor, que é o instrumento por excelência para visualizar a cidade como um todo.

IHU – Em Porto Alegre, quais são os grandes projetos em curso e como, a partir deles, a cidade está sendo reestruturada?

Vanessa Marx – Por exemplo, o Programa +4D, no 4º Distrito, é um plano específico para aquela região, assim como há um plano para o Centro Histórico. Também foram feitas alterações na Orla do Guaíba e no Cais Mauá. São pontos específicos com projetos específicos para essas áreas, mas o Plano Diretor não menciona estes projetos. O 4º Distrito está na gestão de planejamento dois, assim como as ilhas. Isso tudo deveria ser conversado a partir do Plano Diretor, através do qual se consegue visualizar a região. A partir disso poderiam decidir qual é a vocação de cada região e quais temas poderiam ser priorizados. Mas não conseguimos visualizar a totalidade porque tudo está fragmentado.

IHU – Quais são os desafios de transformar as metrópoles brasileiras em cidades mais justas e sustentáveis, de modo que todos tenham acesso à cidade?

Vanessa Marx – São muitos. Um deles é trabalhar a moradia social e olhar para as áreas de interesse social da cidade. Precisamos verificar que espaços são estes. Por exemplo, no Uruguai foram feitas experiências de cooperativas de moradia e de autoconstrução. Apoiar esse tipo de iniciativa é importante. Por sermos um país muito desigual, os movimentos sociais bem muito expressivos e são eles que vêm nos mostrando os caminhos de superação das desigualdades pronunciadas no Brasil, como a questão da moradia em áreas centrais. Existem moradias vazias em áreas centrais. São os movimentos sociais que chamam a atenção para a função social da propriedade que está prevista pelo Estatuto da Cidade. Como pode haver moradias vazias e pessoas sem casa? Essa é uma equação que não fecha. É uma questão muito complexa, mas precisamos olhar, primeiro, para a moradia e o saneamento básico.

Confira a entrevista completa, CLIQUE AQUI.