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A verticalização nas cidades brasileiras pode ser entendida como uma conjunção entre uma questão econômica, o desenvolvimento da incorporação imobiliária e uma determinação política de uma classe burguesa que via no edifício alto um símbolo de modernidade e “status”, a concretização no espaço de seu poder. Em Aracaju não foi diferente. O município tem passado por uma crescente verticalização nos últimos anos, com a construção de prédios residenciais cada vez mais altos e com mais apartamentos. Deliberadamente ou não, essas formas de concentração populacional podem estar associadas à inovação tecno-liberal.

Uma das áreas da cidade que tem se destacado nesse sentido é a 13 de Julho, Jardins e Grageru, no entorno do shopping Jardins e do Parque da Sementeira, abrigando famílias de média e alta renda, e o Jabotiana, que recebeu inúmeros empreendimentos subsidiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida, e que tem sofrido alagamentos e inundações nos períodos mais chuvosos todos os anos. Por outro lado, outra forma de moradia são os condomínios horizontais, concentrados na Zona de Expansão Urbana (ZEU), mais afastados do centro e dos postos de trabalho, entremeados por grandes terrenos vazios, áreas de preservação ambiental e sítios remanescentes da população nativa. A busca por um padrão de vida exclusivo e seguro tem acarretado a propagação desses novos produtos imobiliários, como consequência dos preconceitos de classes, violência, status de morar em espaços murados e próximos às amenidades naturais, como a faixa litorânea e o rio Vaza Barris.

No entanto, esses processos têm gerado alguns desafios para a cidade. A precariedade de infraestrutura é reforçada ao permitir que empreendimentos sejam instalados em bairros com oferta de serviços ineficaz ou inexistente, acarretando sérios impactos e conflitos socioambientais, além de falta de implementação dos instrumentos urbanos que possam garantir o acesso à moradia e mobilidade digna e de qualidade para todos os cidadãos, independentemente da sua localização ou renda.

A questão da moradia, por exemplo, de extrema importância para a nossa sobrevivência e especialmente para o exercício da cidadania e reconhecimento do pertencimento de um espaço na cidade, é um tema que urgentemente deve estar no centro das políticas sociais, urbanas e ambientais. Conforme levantamento do IBGE, 1/5 da moradia aracajuana é informal. O Instituto aponta que até 2019 a capital sergipana concentrava 33.817 domicílios em ocupações irregulares, representando 20% dos domicílios totais da cidade, localizados nos eixos periféricos da capital, nas porções norte e sudoeste, destacando-se os bairros Bugio, Capucho, Japãozinho, Lamarão, Marivan, Olaria, Porto Dantas, Santa Maria e Soledade. São famílias, consideradas por Almeida (2022) como aqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade habitacional.

Quando tratamos de habitação informal, imagina-se um cenário de extrema pobreza, precariedade de recursos, falta de oportunidades, violência e tráfico de drogas. De fato, essas características ainda são pujantes. Todavia, o que se esquece é que esse espaço cresce, sedimenta-se, estrutura-se e organiza-se internamente, não por meio da lógica formal, mas a partir de uma comunidade que promove sua autogestão. De tijolo por tijolo, durante toda uma vida, ergueram um lar para morar. É uma história que, além de muito suor, também tem muita cor.

A maioria da população que reside nesses assentamentos informais é preta e parda, com mulheres chefes de família, que dão conta dos lares superlotados, em um espaço insalubre e insuficiente. Aqui, falamos sim de “racismos urbanos”, pois existe uma contínua segregação histórica, que, infelizmente, ainda está distante de terminar.

Enquanto as políticas públicas de habitação continuarem suprindo e bancando sistemas mercadológicos, e enquanto os pretos forem minoria em instituições superiores, dentre outras questões, continuaremos vendo uma Aracaju desigual e extremamente vulnerável. Continuará a existir o “medo” de ir ao Santa Maria, somente brancos serão vistos caminhando no calçadão da Treze de Julho, e serão levadas 2 horas para que os moradores do Bugio cheguem às praias da cidade. Infelizmente, continuaremos mapeando distâncias que gritam a desigualdade entre nós.

De fato, pensar em ações de combate a essa segregação socioespacial, e, consequentemente a redução dos conflitos ambientais, é urgente, e todos nós temos que ser atores nessa agenda de debates! Como pensar uma cidade mais justa e democrática?

Criado para regulamentar os artigos nº 182 e 183 presentes na Constituição Federal, o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) é responsável por orientar a política urbana em prol da coletividade, de modo que o acesso à moradia, transporte, infraestrutura, espaços e serviços públicos seja equânime. Seu escopo tem como principais premissas a função social da cidade e da propriedade, a gestão democrática, o planejamento participativo e o desenvolvimento sustentável. Como forma de assegurar o direito à cidade, o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana previsto pelo Estatuto, obrigatório em municípios com população superior a vinte mil habitantes, como também para os que integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. A lei federal determina, ainda, que a lei que institui o plano diretor de um município deve ser revisada a cada dez anos, com ampla participação popular, efetivando assim uma gestão democrática.

Em desacordo com as diretrizes de tais legislações, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju (PDDU) vigente foi implementado no ano de 2000, com sensíveis alterações em relação à proposta original, para contemplar os interesses de agentes reprodutores do capital no espaço citadino. Mesmo após diversas tentativas frustradas de revisão (2005-2012, 2015 e 2021) (FRANÇA; MELO, 2022), a cidade segue há longos anos sem a aprovação de um novo PDDU, seguindo com o uso de um elaborado quando Aracaju possuía uma população de 461.534 habitantes, 35 bairros e uma Zona de Expansão. Hoje, 23 anos depois, observa-se uma cidade muito diferente, com estimados 672.614 residentes (IBGE, 2021) e 48 bairros, caracterizada pela coexistência de contradições urbanas como a periferização da moradia e crescimento dos assentamentos informais, territórios que refletem a realidade de exclusão social na qual está inserida, de forma simultânea à valorização do solo urbano dotado da facilidade de acesso aos serviços essenciais para uma boa qualidade de vida.

Nesse sentido, é urgente que os agentes políticos locais efetivem a implementação de um novo Plano Diretor para garantir o pleno desenvolvimento das esferas social, ambiental e econômica, a partir de uma gestão urbana justa e democrática, que garanta o espaço de diálogo que é lugar de direito para todos os cidadãos aracajuanos.


¹ Sarah Lúcia Alves França. Docente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe e líder do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR, coordenadora do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.

² Viviane Luise de Jesus Almeida. Arquiteta e Urbanista, Pesquisadora do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR e pesquisadora-bolsista(CNPq) do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.

³ Emyly Ferreira Lima. Pesquisadora do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR.

⁴ Arthur Almeida Resende. Pesquisador do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR.

₅ Laís de Andrade Lima. Pesquisadora do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR.

₆ Maria Clara Haywanon Santos Araujo. Pesquisadora do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Viviane Luise de Jesus. A produção da habitação na região metropolitana de Aracaju: entre semelhanças e contradições. 2022. 139 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de Sergipe, Laranjeiras, 2022.

FRANÇA, Sarah Lúcia Alves; MELO, Catarina Carvalho Santos. Revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju: breve relato de um longo processo. Box 1. In: FRANÇA, Sarah Lúcia Alves (org.). Reforma urbana e direito à cidade: Aracaju. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles, 2022.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vi Aglomerados Subnormais 2019: Classificação Preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Notas Técnicas. Rio de Janeiro: 2020.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de População, 2021. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/se/aracaju.html. Acesso em: 16 de mar. 2023.