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Direito à Cidade na Conferência Habitat III

Depois de um longo processo de advocacy e negociação, o direito à cidade será mencionado pela primeira vez em um acordo das Nações Unidas. A Nova Agenda Urbana consiste em 175 parágrafos, descrevendo padrões globais para o desenvolvimento urbano sustentável. O documento será lançado oficialmente na Conferência Mundial Habitat III – Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável – que acontece nos dias 17 a 20 de outubro em Quito, Equador. Apesar da introdução do conceito, um dos principais desafios que o Direito à Cidade está enfrentando é a concretização dos meios e recursos disponíveis para a sua execução. E esta questão vai estar no centro dos debates na Conferência de Quito.

A Rede INCT Observatório das Metrópoles divulga o trabalho que a Plataforma Global para o Direito à Cidade vem realizando para a introdução do conceito de direito à cidade na Nova Agenda Urbana – especificamente no parágrafo 11 da seção “Nossa visão compartilhada”:

“Nós compartilhamos uma visão de cidades para todos, referindo-se ao uso igual e gozo de cidades e assentamentos humanos, buscando promover a inclusão e garantir que todos os habitantes, das gerações presentes e futuras, sem discriminação de qualquer espécie, são capazes de habitar e produzir apenas, cidades seguras, saudáveis ​​e acessíveis, baratos, resistentes e sustentáveis ​​e assentamentos humanos, a promover a prosperidade e qualidade de vida para todos. Observamos os esforços de alguns governos nacionais e locais a consagram essa visão, referidos como direito à cidade, em suas legislações, declarações políticas e cartas”.

Este resultado é mais uma das muitas medidas necessárias para o pleno reconhecimento do direito à cidade em âmbito internacional. Foi resultado de um longo processo de diálogos, campanhas e negociações entre governos locais e participação da sociedade civil no trabalho de defesa para o reconhecimento do Direito à Cidade ao longo de todo o processo Habitat III.

A Nova Agenda Urbana deve orientar durante os próximos 20 anos os esforços em torno da urbanização de uma ampla gama de atores – os governos dos países, estados e cidade, líderes regionais, financiadores internacionais de desenvolvimento, programadores das Nações Unidas e a sociedade civil.

No entanto, a maneira como ela será implementado, não está claro ainda. Um dos principais desafios que o Direito à Cidade – e, de uma forma geral, toda a “Nova Agenda Urbana” – está enfrentando é a concretização dos meios e recursos disponíveis para a sua execução.

Esta questão vai estar no centro dos debates na Conferência de Quito e na sequência da Habitat III.

Confira os principais eventos da Plataforma Global pelo Direito à Cidade está a organizar durante a Conferência.

 

Veja mais em righttothecityplatform.org.br contact@right2city.org / facebook: right2city / twitter: @ right2cityGP

 

O que é o direito à cidade? – O conceito do direito à cidade é o resultado de uma luta de baixo para cima ao longo de décadas, que consiste no direito de todos os habitantes, presentes e futuras, temporários e permanentes, para usar, ocupar e produzir cidades justa, inclusiva e sustentável, aldeias e assentamentos, entendida como um bem comum essencial para uma vida plena e decente.

 

A seguir o texto “Uma pedra angular necessária para o Habitat III: o Direito à Cidade”, assinado por Isabel Pascual, responsável pela Comunicação do Secretariado Geral da Coalizão Habitat Internacional (HIC). O HIC nasceu na Conferência Habitat I em 1976 e é um dos membros fundadores da Plataforma Mundial pelo Direito à Cidade.

Tradução do francês realizada por Breno Procópio, jornalista do Observatório das Metrópoles.

Uma pedra angular necessária para o Habitat III: o Direito à Cidade
Por Isabel Pascual

Conferência de Quito Habitat III oferecerá uma grande oportunidade para reformular a vida nos assentamentos humanos e o Direito à Cidade pode ajudar a garantir que todos os povos possam viver com dignidade, democracia e justiça nos seus territórios. Destacando que tais modelos já existem na prática.

As cidades são os territórios em jogo de uma importante diversidade e de múltiplas riquezas econômicas, ambientais, políticas e culturais, tanto reais quanto potenciais. Mas os modelos de desenvolvimento implementados hoje, em boa parte dos países, têm a tendência de concentrar renda e poder, gerando, entre outros problemas, a pobreza, a exclusão e a degradação ambiental nas zonas urbanas.

Além disso, as políticas públicas têm contribuído, muitas vezes, na acentuação dos problemas ao ignorar as contribuições das comunidades locais para a construção das cidades. Essas políticas são, também, prejudiciais à sociedade e à vida urbana.

Essas preocupações residem no centro da Carta Mundial pelo Direito à Cidade, um documento que nasceu há quase quinze anos. A carta visa apontar as responsabilidades dos governos locais e nacionais, da sociedade civil e das organizações internacionais, garantindo para todos uma vida com dignidade nas zonas urbanas.

O Direito à Cidade alargou o campo tradicional centrado sobre as melhorias da qualidade de vida, com base na moradia e no bairro, para englobar a qualidade de vida da cidade e de seu desenvolvimento rural. Isto é um direito coletivo que confere legitimidade às ações e às organizações populares em função de seus usos e costumes, com o objetivo de atender o pleno exercício do direito a um nível de vida satisfatório.

A Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade

Como todos os direitos humanos, o Direito à Cidade é interdependente de outros direitos internacionalmente reconhecidos — os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. O Direito à Cidade guarda em si a dimensão territorial e, certamente, da vida urbana.

Isto não é uma nova abordagem. Muitas dessas ideias, proposições e experiências dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil e das instituições universitárias de várias partes do mundo foram incorporadas nos últimos cinquenta anos.

Há 20 anos, um bom número desses grupos haviam incorporado o Direito à Cidade nos preparativos da última Conferência Habitat, que teve lugar em Istambul em 1996. Contudo, o Direito à Cidade não foi explicitamente incluído no Programa para o Habitat, a estratégia resultante desse evento. Além disso, ao longo dos 20 anos que se seguiram o Direito à Cidade não foi reconhecido como um lei codificada pelas Nações Unidas.

Entretanto, os preparativos vão bem para a próxima Conferência Habitat — Habitat III, que acontecerá em Quito, Equador, em outubro. Para esta ocasião, é necessário reconhecer que a maioria dos elementos do Direito à Cidade são os elementos essenciais das discussões e dos debates que pautarão a Habitat III e a estratégia mundial à qual será subscrita em Quito.

Expectativas e preocupações

A Plataforma Global pelo Direito à Cidade, um fórum aberto para os porta-vozes que trabalham sobre essas questões, foi criado para fazer avançar os debates sobre a definição e implementação do Direito à Cidade. Apesar disso, hoje em dia, embora os integrantes da Plataforma Global avaliem o processo da Habitat com expectativas elevadas, eles também têm grandes preocupações.

No topo desta lista de questões se acha a falta de avaliação da execução do Programa adotado no Habitat II, incluindo os compromissos relacionados. De fato, a situação dos assentamentos humanos espalhados no mundo foi consideravelmente deteriorada nas últimas duas décadas, apesar das promessas feitas em Istambul em 1996.

Os integrantes da Plataforma Global estão igualmente preocupados pela redução aparente do Programa pelo Habitat a uma perspectiva exclusivamente urbana. Se essa visão se traduzir na Nova Agenda Urbana, como está sendo designada a estratégia para os próximos 20 anos que surgirá do Habitat III, não se terá como prioridade a continuidade necessária entre as zonas rurais e urbanas.

Uma promessa central do Programa para o Habitat de 1996 era, apesar de tudo, ancorar os direitos humanos em matéria de governança com “uma abordagem regional e intersetorial de planejamento dos assentamentos humanos, nos quais o foco era colocado nos links cidade/campo, sendo as cidades e as megalópoles consideradas como dois polos de um único ecossistema.

Da mesma forma, parece que as discussões para o novo programa propõem abandonar os compromissos anteriores para uma abordagem dos direitos humanos. Em dezembro de 2015, os peritos da “unidade política” responsáveis pelo Direito à Cidade do Habitat III publicaram um documento “Orientação”, expondo suas reflexões iniciais sobre essa questão.

As recomendações desse grupo são fundamentais para a elaboração do novo programa, porém seu documento “Direito à Cidade e Cidades para todos” ganhará uma expressão mais ordenada de Direito à Cidade como evidenciado pela Carta Mundial. Deve também reconhecer os compromissos do Programa para o Habitat que já sustentam suas reivindicações e seus princípios operacionais do Direito à Cidade. Essa compreende a gestão democrática da cidade, a implementação do direito humano à moradia adequada, e a interdependência do desenvolvimento urbano e rural.

Enfim, os integrantes da Plataforma Global estão preocupados pela falta de participação significativa, até o momento, da sociedade civil no processo do Habitat III. É fundamental que esse processo não ignore o fato que as pessoas devam ser o centro de toda a estratégia que emana da Habitat III — não somente pela presença, mas sendo atores centrais na definição do conteúdo e aplicação do novo programa.

Tendo em conta estas preocupações, a sociedade civil deve desempenhar um papel fundamental no processo de Habitat III, com destaque para os compromissos já assumidos pelos governos e outros parceiros do Programa para o Habitat nas duas conferências anteriores. Já nesta conferência, os grupos terão que avaliar todo o progresso alcançado e apontar as barreiras e as lacunas que ainda persistem.

Em segundo lugar, grupos da sociedade civil deverão melhorar as suas experiências e ampliar as suas propostas no âmbito do processo Habitat, tanto nacional como internacionalmente. Até o momento, as poucas comissões de Habitação e de comunicação existentes nacionalmente têm sido implementadas com pouca participação das comunidades locais e organizações parceiras.

Soluções e modelos

Os integrantes da Plataforma Global estão convencidos de que o processo de desenvolvimento de um novo Programa para o Habitat deve seguir uma abordagem centrada nos direitos humanos, sendo o Direito à Cidade a pedra angular. Devem ser tomadas medidas concretas para superar a desigualdade, a discriminação, a segregação e a falta de oportunidades a fim de assegurar condições de vida ​​em áreas urbanas e rurais.

Por exemplo, qualquer novo programa deve implementar e aplicar os instrumentos existentes para o planejamento participativo e orçamento. Também deve institucionalizar o apoio à produção e gestão social da habitação, e democratizar a gestão da terra. E esta nova estratégia deve reconhecer e respeitar a função social da propriedade, da terra e da cidade — de forma mais geral, o habitat humano como um todo. Nesse sentido, a “função social” refere-se ao uso ou aplicação destes elementos para o benefício da sociedade em geral, favorecendo aqueles que têm maiores necessidades.

Cada um desses elementos é explicado e desenvolvido no âmbito do Direito à Cidade. Para mais informações sobre a implementação do direito à cidade, por favor clique aqui.

Por iniciativa da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Conferência Habitat III destina-se a reunir protagonistas globais para o debate e planejamento de novas formas de enfrentar o desafio de garantir aos assentamentos humanos  condições ​​de igualdade de oportunidades, de democracia e de justiça social. Em Quito, os Estados membros vão concordar com um novo programa para enfrentar os desafios atuais e futuros da urbanização e da vida urbana.

Neste sentido, é essencial reconhecer as realizações e inovações da sociedade civil e autoridades locais com base no Direito à Cidade e outros direitos humanos. E, de fato, já existe uma infinidade de modelos importantes do mundo, com abordagens inovadoras para a implementação deste quadro na sua totalidade ou em parte.

No Brasil, por exemplo, o Direito à Cidade foi incorporado no Estatuto da Cidade em 2001. Esta lei prevê instrumentos para realizar a função social da propriedade urbana e garantir a sua gestão democrática. O estatuto compreende o orçamento participativo, permitindo aos cidadãos influenciar e tomar decisões sobre os orçamentos públicos, a fim de estabelecer prioridades de investimento em sua área.

A perspectiva do Direito à Cidade também é aplicado através de novas formas de pensar sobre a propriedade da terra e uso do espaço urbano. Em uma série de países – Austrália, Bélgica, Canadá, Quênia, Nova Zelândia, Uganda, Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo – foram criados fundos de confiança comunitária de terra para garantir a apropriação da gestão democrática da terra e dos domínios locais. Esse modelo poderia fazer muito para preservar a ideia de assentamentos coletivos e direitos coletivos da terra.

A África do Sul, por sua vez, concentra-se em uma prática emergente de modernização participativa de assentamentos informais. Esta abordagem favorece, mais uma vez, o reconhecimento da função social da terra e opera a capacidade das comunidades urbanas na identificação e formulação de alternativas face ao desenvolvimento atual.

Finalmente, a Colômbia foi um dos primeiros países a adotar “instrumentos inovadores que capturam ganhos no valor da terra e recuperam o investimento público”, como indicado no Programa para o Habitat. Lá, a aplicação da legislação adoptada em 1997 permitiu a captura e redistribuição do valor da terra “socialmente criado” por quase duas décadas.

Estes são modelos interessantes que oferecem uma oportunidade significativa para a expansão. Agora, as lições apreendidas com a implementação destes compromissos do Programa para o Habitat são essenciais para ancorar as etapas e inovações futuras para Habitat III.