Skip to main content

Já está disponível a nova edição da Revista Ideias, vinculada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. O destaque da nova edição é o dossiê temático “Participação política e movimentos sociais no Brasil contemporâneo”.

Organizado por Camila Gonçalves De Mario (IUPERJ), Thiago Aparecido Trindade (UnB) e Francisco Mata Machado Tavares (UFG), o dossiê conta com artigos de Danielle Soares de Oliveira (UFRGS), Marcelo Kunrath Silva (UFRGS), Kellen Abreu (UFLA), Júlia Moretto Amâncio(UFLA), Larissa Galdino Santos (Unicamp), Diego Menezes (UFBA) e Júlia Silva de Castro (UFES).

Além dos artigos originais, o dossiê também apresenta uma entrevista com Evelina Dagnino (Unicamp), realizada por Ana Claudia Teixeira (Unicamp) e Thiago Aparecido Trindade.

Acesse a nova edição da Revista Ideias no link:

https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/issue/view/1528

 

Apresentação do dossiê

Participação política e movimentos sociais no Brasil contemporâneo

Camila Gonçalves De Mario, Thiago Aparecido Trindade e Francisco Mata Machado Tavares

O debate acadêmico sobre as formas de participação política transcendentes ao âmbito eleitoral no Brasil experimentou uma eclética e consistente trajetória nos últimos quarenta anos. Há ensaios, interpretações, levantamentos exploratórios, análises, polêmicas e sínteses em dimensão digna de permitir abalizadas compreensões sobre elementos culturais, econômicos e político- institucionais da sociedade brasileira sob o prisma dos episódios, eventos, processos e repertórios de ação coletiva e de engajamento político cujo motor principal não se atém à dinâmica dos partidos e das eleições. Sob os riscos e incompletudes inerentes às classificações de ordem cronológica, é possível identificar-se, neste caminho, três grandes momentos.

Primeiramente, dá-se, no alvorecer da Nova República e durante a transição entre a ditadura e o regime instituído a partir da Constituição de 1988, uma sólida e vasta interlocução acadêmica referenciada nos “novos personagens” (SADER, 2001) que ganham a esfera pública brasileira a partir dos anos 70 do Século XX. A dinâmica das organizações de movimentos sociais, dos repertórios adotados em eventos de protestos, do novo sindicalismo e de toda uma efervescente sociedade civil fora abordada sob diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Hoje, a ciência social brasileira conta com um acervo de estudos históricos, interpretativos, qualitativos e quantitativos que aponta para uma compreensão tão crítica como abrangente do despertar de formas de participação política e de ação coletiva em meio às quais se deu a vitória sobre o regime político autoritário e a transição para uma sociedade em que o binômio democracia / direitos fundamentais tornou-se mais próximo da realidade, ainda que insuficientemente.

Um segundo momento, prevalente nos 90 do século XX, acrescentou, sem suprimir, às abordagens do período antecedente, uma preocupação com as formas não eleitorais de participação da sociedade civil nos processos públicos decisórios. O debate sobre os “novos arranjos participativos” (como orçamentos participativos, conselhos e conferências) conduziu a uma intensa produção, pautada por pesquisas dedicadas a aspectos oscilantes desde a formulação de índices e métricas de adesão aos espaços estatais abertos à participação social (AVRITZER, 2010; AVRITZER, 2009), até formulações teóricas referenciadas em categorias como esfera pública, ação comunicativa e “confluência perversa” (DAGNINO, 2004). As pesquisas sobre a participação política não eleitoral centrada em questões como ciclos de protestos ou na política confrontacional cederam algum terreno, com efeito, para trabalhos referenciados nas formas estatais de engajamento civil na política.

Este período, portanto, corresponde ao momento no qual a agenda de pesquisa sobre participação manteve-se focada essencialmente na dimensão institucional dos processos participativos. Ao realizar um balanço dessa literatura, fica evidente que uma parte importante dos estudiosos apostou com significativo entusiasmo nas possibilidades de democratização do Estado por meio da ampliação e da consolidação dos experimentos participativos institucionalizados. E nesse contexto, a vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002 fortaleceu ainda mais essa linha interpretativa, uma vez que as oportunidades de inserção institucional para movimentos e organizações de diferentes áreas se ampliaram de maneira considerável (TEIXEIRA, 2013; ABERS, SERAFIM e TATAGIBA, 2014).

Por fim, já é possível identificar, notadamente a partir do ciclo de confronto político ocorrente em 2013, uma tendência à profusão de pesquisas concernentes à política confrontacional transgressiva. Como indicou Emília Podestá (2017) em uma bibliometria dedicada ao campo da Ciência Política, o tema dos protestos e das ações coletivas ocorrentes fora dos espaços estatais experimenta, em periódicos e eventos da área, um período de significativa expansão. É intuitivo afirmar que as “jornadas de junho” exerceram um impacto relevante no campo de estudos sobre a participação, como se os pesquisadores da área tivessem “redescoberto” a importância das ruas para o debate sobre a luta pela democracia. Indiscutivelmente, os acontecimentos daquele ano demonstraram de forma clara que alguns setores relevantes do campo progressista não haviam sido incorporados pela ampla arquitetura participativa criada a partir da Constituição de 1988. Do mesmo modo, junho de 2013 também deixou claro que a hegemonia das ruas não estava assegurada aos grupos tradicionalmente associados à esquerda do espectro político (TATAGIBA, TEIXEIRA e TRINDADE, 2015; AVRITZER, 2016; 2017), o que apontava a necessidade (e o desafio) em ampliar as pesquisas sobre a(s) nova(s) direita(s).

Ademais, o atual momento da agenda de pesquisa sobre participação é também fortemente influenciado pela destituição do PT da Presidência da República em 2016 por meio de um contestado processo de impeachment, que implicou em um profundo realinhamento de forças no campo político-institucional. Um dos

impactos mais evidentes desse processo é o fechamento de diversos canais participativos que haviam sido criados e/ou fortalecidos no decorrer do ciclo petista na administração federal. É bastante razoável supor que a combinação desses elementos (junho de 2013, a ruptura democrática de 2016 e o posterior fechamento de vários espaços participativos em nível federal) deverá reacender o debate sobre a dimensão confrontacional da relação Estado e sociedade/ movimentos sociais. Em um momento histórico no qual a Nova República parece não resistir e a democracia brasileira experimenta um inequívoco declínio, a fertilização cruzada entre diferentes perspectivas revela-se promissora não apenas na compreensão descritiva, mas na crítica apta às formulações normativas que apontem rotas de saída do cenário presente.

É, portanto, a partir de uma longa e consolidada história que este dossiê chega à comunidade acadêmica. O desafio contemporâneo talvez resida em permitir-se um encontro, senão uma síntese, entre as três grandes fases, que seguiram uma relação de justaposição, antes de reposição entre si, quanto à produção científico-social sobre participação política não eleitoral, de modo a permitir-se um intercâmbio de dados, técnicas e análises entre as conclusões obtidas. O presente dossiê se apresenta como uma tentativa inicial de responder a este desafio. Os artigos aqui publicados expressam a pluralidade teórico-metodológica constitutiva desse campo de estudos, e que parece aprimorar-se continuamente.

https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652971/18312