Skip to main content

Neste artigo da Caderno Metrópole nº 39, Jeroen Klink e Marcos Barcellos de Souza apresentam uma sistematização da literatura internacional e nacional acerca do fenômeno da financeirização e analisam a relevância do debate para o campo do planejamento urbano-metropolitano. Além disso, discutem os vetores da financeirização urbana no Brasil que se dá no entrelaçamento de grandes projetos urbanos, nos mecanismos de financiamento e crédito públicos e na própria transformação da atuação territorial do Estado e de seus instrumentos de planejamento. O trabalho finaliza propondo uma agenda de pesquisa sobre financeirização com relevância para o campo de planejamento urbano no Brasil.

O artigo “Financeirização: conceitos, experiências e a relevância para o campo do planejamento urbano brasileiro” é um dos destaques do dossiê especial “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39.

Abstract

This paper reviews the international and national literature on financialization and analyzes the relevance of the debate to the field of urban planning, prioritizing Brazilian issues. We recognize that the literature on financialization has made progress, up to the point that some authors argue that the concept has been hollowed out. However, we believe that there is substantial potential for exploring – conceptually, methodologically and empirically – on-going financialization processes in Brazil, as well as their political limits. We discuss the mechanisms of urban financialization in Brazil, which unfolds in the interconnection of large projects, in state-driven credit mechanisms, and in the transformation of the state and planning. We conclude with suggestions for a research agenda on financialization with relevance to the field of Brazilian urban planning.

INTRODUÇÃO

Por Jeroen Klink e Marcos Barcellos de Souza

Este artigo tem três objetivos. O primeiro deles é apresentar uma sistematização da literatura internacional e nacional sobre o fenômeno da financeirização. Nesse sentido, discutimos os diversos esforços teóricos que foram desenvolvidos nos últimos anos. O segundo objetivo é analisar a relevância das pesquisas sobre a financeirização para os estudos urbanos e para o campo do planejamento urbano, priorizando as questões brasileiras. Nessa perspectiva, pro- curamos avaliar se as literaturas internacional e nacional acerca da financeirização proporcionam insights para dialogar com os estudos urbanos e com o campo do planejamento urbano brasileiro. Por fim, o terceiro objetivo é explorar dimensões para uma agenda de pesquisa sobre financeirização com relevância para o campo do planejamento urbano brasileiro.

Presenciamos, principalmente nas últimas duas décadas, um crescimento da literatura sobre a financeirização em áreas de conhecimento como a geografia, a economia política e o próprio planejamento urbano-regional. Essa discussão acerca da financeirização não foi apenas estimulada pelo esgotamento do padrão de regulação do sistema monetário internacional de Bretton Woods, o que desencadeou maior volatilidade nas variáveis macroeconômicas-chave (câmbio, juros e preços dos commodities) e a “reemergência” das finanças globais (Helleiner, 1994). A neoliberalização e a reestruturação do Estado e as sucessivas “bolhas” que estouraram no mercado internacional de capitais, a partir da crise das empresas de tecnologia (Nasdaq), e, em 2007/2008, a partir da crise subprime das hipotecas “podres”, também impulsionaram o debate. O próprio campo do planejamento urbano, principalmente com base em temas como os grandes projetos urbanos, a gentrificação e a natureza das rendas fundiárias, analisou, desde os anos 1970, assuntos relacionados com a financeirização sem, no entanto, aprofundar essa agenda específica.

Conforme ressalta Christophers (2015, p. 184), chegou a hora de “fazer um intervalo, respirar, e (re)avaliar cuidadosamente” a literatura sobre financeirização. Contudo, não apenas na direção que apontamos no primeiro objetivo (que se alinha às ideias do autor supracitado) – no sentido de apontar sobreposições, eventuais modismos em relação às discussões antigas (com “rótulos” diferentes), lacunas e imprecisões nas definições conceituais –, mas também o alinhavando com o segundo objetivo deste artigo , proporciona subsídios para mapear melhor os diálogos entre as diversas vertentes na literatura internacional e nacional sobre financeirização e campo do planejamento urbano.

No caso brasileiro, isso é importante por duas razões. Primeiramente, porque contribui para gerar uma reflexão crítica sobre as dinâmicas socioespaciais, as racionalidades dos agentes públicos e privados e os impasses que cercam a agenda da reforma urbana e da função social da propriedade com possíveis insights a partir da discussão sobre a financeirização. Além disso, porque mobiliza um debate sobre a transformação da própria “práxis urbana” contraditória nas cidades brasileiras.

Assim sendo, o terceiro objetivo deste artigo é explorar as dimensões de uma agenda de pesquisa sobre a financeirização com relevância conceitual e “política” para o planejamento urbano brasileiro.

Cumpre mencionar que a agenda de pesquisa sobre financeirização é fortemente moldada pela circulação de ideias no âmbito da comunidade acadêmica dos países centrais, em geral, e do bloco anglo-saxão, em particular. Salvo exceções, o debate nas diversas revistas internacionais indexadas não contempla muitas experiências sul-americanas, de modo geral, nem, mais especificamente, as brasileiras. Foge do escopo deste artigo explorar os limites e potencialidades de uma teoria de financeirização com base na noção de Sul Global ou nas especificidades geográficas e históricas da trajetória do desenvolvimento latino-americano e brasileiro. Mesmo assim, nossa análise representa um primeiro passo para situar o debate sobre a financeirização urbana “entre nós”, apoiado na premissa da comparibilidade, isto é, reconhecer similaridades em função das interdependências e transformações estruturais que caracterizam o atual quadro da economia mundial, sem, no entanto, perder de vista as especificidades geográficas e históricas que marcam a trajetória das cidades brasileiras (Robinson, 2002).

Após esta Introdução, o artigo estrutura-se em quatro seções complementares. Na primeira, apresentamos uma definição operacional da financeirização e três grandes vertentes presentes na literatura mais recente (economia política; “contabilidade crítica”; financeirização e vida quotidiana). Na segunda, analisamos como essa literatura articula-se com o debate sobre as cidades e a (re)produção do espaço urbano-regional. Na terceira seção, exploramos elementos para uma agenda de pesquisa sobre financeirização que articula os debates internacionais e nacionais com o campo do planejamento urbano-metropolitano, com ênfase para a realidade das metrópoles brasileiras. Finalmente, é apresentada uma breve conclusão com base no desdobramento das discussões realizadas.

Leia o artigo completo na edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.