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Loteadores associativos: uma contextualização

By 23/04/2014janeiro 25th, 2018Artigos Científicos, Revistas Científicas

 Loteadores associativos: uma contextualização

Este artigo produzido por pesquisadores do Grupo MOM/UFMG, destaque da Revista e-metropolis nº 16, apresenta o tema dos chamados loteadores associativos e procura delinear o cenário econômico e político em que surgiram na produção do espaço urbano e habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Além disso, são abordados os procedimentos que usaram e as razões pelas quais sua história foi quase ignorada, embora contenha elementos que interessam à discussão de políticas urbanas e habitacionais com o objetivo da autonomia coletiva.

O artigo “Loteadores associativos: uma contextualização”, de Silke Kapp, Rebekah Campos, Pedro Arthur Novaes Magalhães e Tiago Castelo Branco Lourenço (Grupo MOM/UFMG), é um dos destaques da Revista eletrônica e-metropolis nº 16.  A Revista eletrônica é uma publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas teórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins.

 

O LOTEADOR E SEU NEGÓCIO

O loteador se tornou uma espécie de personagem da literatura especializada sobre a urbanização das cidades brasileira e suas mazelas. Formalmente, ele equivale ao incorporador: pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos, individual ou coletivo, atuante em qualquer faixa de renda. Mas no senso comum – popular e acadêmico – o loteador figura como pequeno capitalista fundiário que produz lotes na periferia para vendê-los a trabalhadores pobres com lucros exorbitantes, sendo assim responsável direto pela expansão da cidade precária. Tanto é que o termo loteador raramente comparece quando se trata de imóveis caros – o agente aí se chama ‘empreendedor’.

Nos anos 1970 e 1980, a produção de loteamentos periurbanos populares por loteadores privados foi objeto de pesquisas nas regiões metropolitanas de São Paulo (BONDUKI e ROLNIK, 1982), Rio de Janeiro (CHINELLI, 1980) e Belo Horizonte (COSTA, 1983). Essas pesquisas mostram como funcionava o negócio imobiliário dos loteamentos até aquele período e a visão que dele tinham os moradores e os próprios loteadores. Tomem-se, por exemplo, os loteadores do Rio de Janeiro entrevistados por Filippina Chinelli. Haviam iniciado suas atividades na década de 1950, quando existiam poucas restrições e exigências legais. Compravam glebas baratas, abriam ruas e demarcavam lotes, dispensando a infraestrutura urbana. O pagamento pelas famílias se fazia em inúmeras prestações, sem entrada, fiadores, garantias e formalidades, mas a um preço alto em vista dos poucos dispêndios de produção. Um dos entrevistados explicita essa lógica sem constrangimento:

“Eu, como comerciante que sou, tenho uma função específica, que é comprar barato e vender caro” (CHINELII, 1980, p.56). Em outras palavras, a (baixa) solvabilidade da demanda e a (alta) taxa de lucro esperada determinavam o (baixíssimo) custo de produção e a (má) qualidade do produto. Mas os loteadores viam a si mesmos como promotores de justiça social, em contraposição a um Estado incompetente para suprir a demanda habitacional. E os moradores dos loteamentos tendiam a pensar de modo semelhante: consideravam mais fácil a negociação direta com o loteador do que o trato com instituições abstratas como bancos e órgãos públicos. Chinelli também indica que o incremento das exigências legais ao longo da década de 1970 vinha impelindo os loteadores a operar irregular ou clandestinamente, quando não abandonavam o ramo. Como resume um deles, não adianta [a lei] exigir obras de infraestrutura que o povo não pode pagar” (CHINELLI, 1980, p.54). Conivência e corrupção das instâncias de aprovação e fiscalização fazem parte desse contexto de loteamento da periferia.

Embora as pesquisas citadas tenham tido o cuidado de evidenciar as contradições de tal processo e não demonizar a figura do loteador per se, elas forneceram elementos para que esse agente e seu negócio se tornassem, como já dito, uma espécie de senso comum da literatura especializada, com alusões a operações ‘especulativas’, ‘inescrupulosas’ ou até ‘selvagens’. Essa perspectiva não é falsa, porque de fato existem inúmeros loteamentos populares produzidos por loteadores privados, mas ela é incompleta. Na expansão periférica do espaço de moradia dos pobres há outros agentes loteadores que comparecem com muito menos frequência na discussão acadêmica. Um deles é o Estado, outro são movimentos sociais e associações populares.

Iniciamos a pesquisa a esse respeito quase por acaso. Num pequeno protesto contra a polarização das discussões sobre a habitação entre o Programa Minha Casa Minha Vida e as intervenções em favelas, decidimos retomar a investigação empírica da periferia loteada, que ainda é a forma mais comum de moradia popular. Esperávamos encontrar na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) loteamentos feitos pelos clássicos loteadores privados. Mas no trabalho de campo constatamos que vários dos loteamentos iniciados entre 1980 e 2000 foram produzidos por associações. Percebemos também que esses loteadores associativos – como sugerimos denominá-los – tiveram pelo menos duas peculiaridades: a busca do valor de uso da moradia e da cidade, em vez de lucro ou renda fundiária; e experiências de gestão independentes do capital privado e do Estado.

A tentativa de reconstituir a história desses loteadores associativos ainda está em curso, mas os documentos, depoimentos e observações reunidos até agora nos permitem apresentar o tema e contextualizá-lo para uma discussão mais ampla.3 Com esse objetivo, o presente texto procura delinear o cenário econômico e político em que os loteadores associativos surgiram e os procedimentos que usaram, além de tentar apontar por que sua história foi quase ignorada, embora contenha elementos que interessam à discussão de políticas urbanas e habitacionais com o objetivo da autonomia coletiva.

Acesse no link a seguir o artigo completo “Loteadores associativos: uma contextualização”, destaque da Revista e-metropolis nº 16.