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Metropolização e megaeventos no Rio: por um novo projeto de cidade

O Observatório das Metrópoles promove, nos dias 4 e 5 de setembro no IPPUR/UFRJ, o Seminário “Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio” com o objetivo de analisar o modelo de cidade que tem sido estruturado pela Prefeitura do Rio de Janeiro no contexto dos megaeventos esportivos – um empreendedorismo voltado para o capital e para o mercado. Em oposição a esse modelo surge um novo projeto de cidade: uma governança urbana empreendedora de coalizão social capaz de promover o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e de sua metrópole, gerando mais igualdade para a sua população e bem-estar urbano.

O Observatório das Metrópoles, com o apoio da Finep, tem investigado e monitorado os impactos dos megaeventos no Brasil a partir do projeto “Metropolização e megaeventos”, tomando por base uma metodologia de pesquisa qualitativa e quantitativa, com a observação e análise do contexto atual da preparação brasileira para a Copa do Mundo e Olimpíadas, aliada à comparação com experiências anteriores tanto no Brasil (XV Jogos Pan-Americanos em 2007) quanto em outros países, a partir de revisão bibliográfica e da utilização de fontes primárias, de maneira a fomentar uma postura crítica frente aos processos sociais verificados. Para a realização da análise, os pesquisadores utilizam quatro eixos estreitamente ligados à inserção da população nos seguintes contextos de transformações territoriais, a saber: (1) Desenvolvimento Econômico; (2) Equipamentos e Serviços Urbanos Sociais; (3) Moradia e Dinâmica Urbana e Ambiental; e (4) Governança Urbana e Metropolitana.

Ademais, a equipe do Observatório das Metrópoles tem dado suporte e apoio aos movimentos sociais e Comitês Populares da Copa e Olimpíadas a fim de gerar documentos e materiais de monitoramento das transformações das cidades-sede no contexto dos megaeventos. Um dos destaques é o relatório “Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”.

Megaeventos na trajetória espaço-temporal do Rio de Janeiro

A mesa de abertura do Seminário “Metropolização e Megaeventos: impactos da Copa do Mundo e das Olimpíadas do Rio de Janeiro” contou, nesta quarta-feira (04/09), com a participação do coordenador nacional do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; do representante do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, Marcelo Edmundo; e do pesquisador do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (Ettern), Glauco Bienenstein.

Mesa de abertura do seminário Megaeventos: Glauco Bienenstein, Marcelo Edmundo, Luiz César Ribeiro e Orlando Santor Jr.

Luiz Cesar Ribeiro abordou o tema dos megaeventos no contexto da globalização, mostrando que a globalização se caracteriza como um processo de reterritorialização tanto socioeconômico como político-institucional que se desdobra simultaneamente sobre múltiplas escalas geográficas sobrepostas. “Estas considerações nos levam a propor que examinemos os megaeventos como fatos econômicos, políticos, sociais, culturais e espaciais que se inscrevem em uma trajetória espaço-temporal da cidade. O desafio é analisar não as mudanças presentes e materiais, mas responder a seguinte pergunta: em que medida estes acontecimentos influenciam na trajetória histórica da cidade?”, explica.

Segundo Ribeiro, a cidade do Rio de Janeiro tem buscado há alguns anos legitimar um projeto urbano de desenvolvimento baseado no modelo de governança urbana empreendedora, e voltado para a competitividade da cidade. A primeira tentativa foi com Cesar Maia e Luiz Paulo Conde, mas que fracassou devido à fragilidade da coalizão construída e o ambiente macroeconômico desfavorável. “”Agora vivemos o segundo experimento com a aliança Lula/Dilma e Sérgio Cabral/Eduardo Paes; uma coalizão estável, com alinhamento dos níveis de governo e um ambiente macroeconômico muito favorável”, argumenta.

É nesse contexto que se inscreve os megaeventos esportivos; eles têm sido usados para implementar esse modelo com foco na transformação do Rio de Janeiro em uma cidade-negócio (global city). O resultado desse processo, de acordo com Ribeiro citando David Harvey, é o “desenvolvimento desigual do capitalismo”.

“É possível estabelecer um padrão de governança empreendedora que não abra mão do compromisso keynesiano e do Estado de Bem-estar Social? Esta questão relaciona-se diretamente com o debate sobre as possibilidades e condições da autonomia relativa das autoridades locais frente às exigências e imposição do capital da lógica da competição interurbana. Harvey menciona a possibilidade de coalizão que construa a cidade como corporação coletiva. Talvez seja uma saída para o que vemos hoje”, analisa Luiz Cesar Ribeiro.

 

Empreendedorismo urbano vs. Desigualdade no Rio de Janeiro

As violações ao Direito à Moradia no Rio de Janeiro sob a justificativa dos megaeventos esportivos persistem e tendem a se agravar com a proximidade dos jogos. Cerca de 3 mil famílias situadas na cidade já foram removidas e outras 8 mil estão ameaçadas. É o que mostrou a segunda versão do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio”. Segundo o documento, estão em curso transformações profundas na dinâmica urbana da cidade, envolvendo, de um lado, novos processos de elitização e mercantilização, e de outro, novos padrões de relação entre o Estado e os agentes econômicos e sociais. O resultado? Violações dos Direitos Humanos e a construção de um legado de mais desigualdade.

O dossiê foi produzido pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, em parceria com o Observatório das Metrópoles e outras entidades. Segundo Orlando dos Santos Júnior, essa segunda versão do dossiê reafirma um processo em curso de reestruturação urbana da cidade e de realocação dos pobres para as zonas mais periféricas. “No caso das remoções, esse processo continua sendo marcado pela completa invisibilidade e falta de transparência, pois, até agora, não se sabe quem será removido. Numa perspectiva mais ampla o que podemos afirmar é que os projetos relacionados aos megaeventos são estruturadores, já que apontam para este tríplice-vetor: com a revitalização do centro do Rio, o fortalecimento da centralidade da Zona Sul e a criação de uma centralidade na Barra da Tijuca”, afirma.

De acordo com o dossiê, desde o momento em que foi anunciada a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, a grande imprensa, políticos e diversos analistas têm ressaltado as oportunidades provenientes da ampliação dos investimentos na cidade, destacando as possibilidades de enfrentamento dos grandes problemas, como o da mobilidade urbana e o da recuperação de espaços degradados para a habitação, comércio e turismo, caso da área central. Nesse contexto, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desenvolve e anuncia o projeto da Cidade Olímpica, com o objetivo de acabar com a cidade partida, integrar, levar dignidade à população.

Entretanto, o início das ações na direção desse projeto permite afirmar que a cidade avança em sentido oposto ao da integração social e da promoção da dignidade humana. Os impactos das intervenções urbanas são de grandes proporções, e envolvem diversos processos de exclusão social, com destaque para as remoções. Para se ter uma ideia, as informações disponíveis possibilitam estimar gastos da ordem de um bilhão de reais com desapropriações, apenas para a implantação dos BRT s – Bus Rapid Transit.

Para além das remoções, estão em curso transformações mais profundas na dinâmica urbana do Rio de Janeiro, envolvendo, de um lado, novos processos de elitização e mercantilização da cidade, e de outro, novos padrões de relação entre o Estado e os agentes econômicos e sociais, marcados pela negação das esferas públicas democráticas de tomada de decisões e por intervenções autoritárias, na perspectiva daquilo que tem sido chamado de cidade de exceção. Decretos, medidas provisórias, leis votadas ao largo do ordenamento jurídico e longe do olhar dos cidadãos, assim como um emaranhado de portarias e resoluções, constroem uma institucionalidade de exceção. Nesta imposição da norma a cada caso particular, violam-se abertamente os princípios da impessoalidade, universalidade e publicidade da lei e dos atos da administração pública. De fato, as intervenções em curso envolvem diversos processos nos quais os interesses privados têm sido beneficiados por isenções e favores, feitos em detrimento do interesse público, legitimados em nome das parcerias público-privadas.

O Dossiê denuncia o processo de violação do direito à moradia e dá visibilidade ao desrespeito, pelas autoridades, do direito dos cidadãos e cidadãs de terem acesso à informação e de participarem dos processos decisórios. Esta construção registra a subordinação dos interesses públicos aos interesses de entidades privadas (dentre as quais destacam-se o Comitê Olímpico Internacional e as grandes corporações), o desrespeito sistemático à legislação urbana e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, afora o desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados às prioridades da população. Enfim, aborda-se aqui a violação do direito à cidade.

Nesse contexto, o objetivo deste dossiê é chamar a atenção das autoridades públicas, da sociedade brasileira, das organizações de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, para o verdadeiro legado do projeto Olímpico no Rio de Janeiro: uma cidade mais desigual, com a exclusão de milhares de famílias e a destruição de comunidades inteiras, além da apropriação da maior parte dos benefícios por poucos agentes econômicos e sociais.

O Dossiê pretende mobilizar os movimentos populares, sindicatos, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos, cidadãos e cidadãs comprometidos com a justiça social e ambiental, a se somarem ao Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro na luta por um outro projeto olímpico, resultado do debate público e democrático, com a garantia de permanência de todas as comunidades e bairros populares situados nas áreas de intervenção em curso. Um projeto que respeite o direito ao trabalho, de modo que os trabalhadores não sejam punidos por comercializarem no espaço público. Um projeto em que o meio ambiente seja efetivamente preservado. Um projeto no qual não existam privilégios aos grandes grupos econômicos, e os custos privados sejam pagos com capitais privados, não com recursos públicos.

Faça aqui o download do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio”.