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Metrópole, Educação e Trabalho

Qual a relação entre escolaridade e nível de rendimento? Quais os mecanismos que operam no sentido de tornar os mais escolarizados os que também possuem, em média, os maiores rendimentos? E qual o papel da localização residencial dos indivíduos no território urbano para a busca de trabalho e remuneração? O INCT Observatório das Metrópoles apresenta a tese “Educação, estrutura social e segmentação residencial do território metropolitano”, do pesquisador Marcelo Gomes Ribeiro. Uma investigação original que relaciona a escolaridade e o trabalho com a segmentação do território nas regiões metropolitanas do Brasil.

A tese “Educação, estrutura social e segmentação residencial do território metropolitano” foi defendida pelo pesquisador Marcelo Gomes Ribeiro no dia 27 de julho de 2012, no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Participaram da banca os professores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ) – orientador da pesquisa; Luciana Corrêa do Lago (IPPUR/UFRJ); Hipólita Siqueira de Oliveira (IPPUR/UFRJ); Mariane Campelo Koslinski, Faculdade de Educação (FE/UFRJ) e Nelson do Valle Silva, Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ).

O trabalho, que será indicado pela banca examinadora ao Prêmio Capes de Tese, tem como propósito contribuir para o debate que estabelece a relação entre educação e desigualdades de renda do trabalho, ao incorporar nessa análise explicações referentes à estrutura social e, sobretudo, à segmentação residencial do território em regiões metropolitanas do Brasil na explicação dos diferenciais de renda obtidos pelos indivíduos no mercado de trabalho. “Procuramos discutir de que modo as dinâmicas e os processos sociais são também determinados pelos efeitos territoriais e que estes precisam ser levados em consideração para uma compreensão mais ampla e completa dessas dinâmicas e desses processos”, afirma o pesquisador.

A investigação parte da contextualização histórica do Brasil nos aspectos socioeconômicos ocorridos nos anos de 1990. Naquele período, a economia brasileira passava por transformações significativas que colaboraram para o aumento das desigualdades, sendo a educação reivindicada como mecanismo por excelência para reverter o quadro de desigualdades. O desemprego tornou-se o principal fenômeno social que ocupou as preocupações tanto dos formuladores das políticas públicas, quanto dos pesquisadores sociais que tratam de temas relativos ao mundo do trabalho. A focalização no fenômeno do desemprego decorreu do seu aumento generalizado, principalmente nas metrópoles brasileiras, onde se concentrava o setor industrial.

Nos últimos anos, porém, por decorrência da redução da taxa de desemprego e o aumento do emprego formal, o foco de discussão foi redirecionado para as desigualdades de renda do país. As análises, de modo geral, têm enfatizado a redução das desigualdades de renda entre os grupos sociais. De qualquer modo, o que se consegue apreender das análises efetuadas é que o país precisa reduzir ainda mais as desigualdades, que o caracterizam historicamente, para alcançar patamares dos países mais desenvolvidos.

Segundo Marcelo Gomes Ribeiro, tanto no momento em que o desemprego tornou-se a tônica das discussões políticas e acadêmicas, quanto noutro, mais recente, em que as desigualdades de renda tornaram-se o principal tema de debate público, ocorreu a utilização mais explícita da teoria do capital humano, seja para justificar o insucesso de boa parcela de indivíduos que procuravam uma inserção no mercado de trabalho e não conseguiam, seja para demonstrar o motivo das diferenças de rendimentos entre os indivíduos.

“A teoria do capital humano obtém muita relevância, sobretudo nestas conjunturas que estamos mencionando, porque possui um pressuposto que é muito fácil de ser compreendido intuitivamente: indivíduos com maior nível de escolaridade apresentam maior produtividade e, por isso, maior nível de remuneração”, afirma e completa:

“De fato, quando se utiliza qualquer base de dados que possui informações relativas a rendimento e escolaridade, as análises vão sempre indicar que há uma correlação positiva entre essas duas variáveis, o que possibilita concluir que o nível de rendimento é, em grande medida, decorrente do nível de escolaridade. É claro, que grau de correlação não implica, necessariamente, em relação de causalidade, em que uma coisa determina a outra e sempre no mesmo sentido. Porém, independente disso, é importante ressaltar que se há alguma causalidade entre os dois fenômenos mencionados torna-se importante compreender os mecanismos que operam no sentido de tornar os mais escolarizados os que também possuem, em média, os maiores rendimentos, já que se trata da relação entre dois fenômenos sociais”.

Na pesquisa, Marcelo mostra que já foram realizados, nesse sentido, avanços ao procurar demonstrar que a escolha da mão-de-obra demandada pelo mercado de trabalho, baseada no critério de escolaridade, e outros relativos à educação (tais como a natureza jurídica da escola, se pública ou privada etc.), tem implícita a escolha segundo a condição social dos indivíduos, favorecendo aqueles que ocupam posições sociais de elite ou posições sociais superiores, que são justamente as posições sociais com as melhores remunerações, o que torna muito difícil a possibilidade de mobilidade na estrutura social.

Normalmente, esse tipo de seleção se faz baseado na instituição de ensino onde os indivíduos estudaram, no modo como apresentam as respostas numa entrevista de seleção a postos de trabalho, no jeito como se vestem, entre outros aspectos que fazem menção à posição de classe dos indivíduos e, por isso mesmo, acabam por reproduzir a estrutura social existente ao selecionar aqueles que apresentam as características compatíveis com a classe social dominante, quando se trata, sobretudo, de ocupações de elite ou de indivíduos que, mesmo não buscando inserção em ocupações compatíveis com as posições dominantes, adquiriram respeito pelos valores e estilos de vida do grupos sociais dominantes (COLLINS, 1971).

Em contextos onde ocorre inflação de credenciais educacionais, o mercado de trabalho, ao demandar mão-de-obra, seleciona os indivíduos que apresentam os melhores atributos adquiridos, como é o caso das credenciais educacionais (e não do ano de escolaridade), mesmo em circunstâncias em que a escolaridade apresentada é maior que a exigência da ocupação. Neste caso, ocorre a existência de filas ordenadas segundo os atributos dos indivíduos (THUROW, 1972). Aqueles com os melhores atributos pessoais ocupam as melhores posições, sendo sucedidos pelos demais indivíduos à medida que as ocupações vão sendo preenchidas, restando para os menos escolarizados as piores ocupações, que são as que apresentam as menores remunerações, ou até a não inserção na estrutura de emprego existente, configurando, com isso, a situação de desemprego.

Território e Trabalho

De acordo com Marcelo Gomes Ribeiro, houve importantes avanços nesse campo analítico, em que se procurou analisar a relação da escolaridade e o nível de rendimento, tanto referente à oferta de trabalho, quanto referente à demanda por trabalho. Tanto numa dimensão quanto noutra foram feitas análises em que se buscou também compreender os mecanismos que tornam os mais escolarizados os que, em média, recebem as maiores remunerações do trabalho.

Assim, passou-se a destacar as condições sociais dos indivíduos como explicativos para sua inserção no mercado de trabalho e, por conseguinte, determinante para explicação do nível de rendimento que obtêm. Essas condições sociais foram compreendidas, sobretudo, pela posição ocupada pelos indivíduos na estrutura social. Mas poucos avanços foram feitos no sentido de considerar a inscrição dessa estrutura no espaço físico, para compreender a relação entre escolaridade e nível de rendimento, principalmente quando consideramos os contextos urbano-metropolitanos. Assim, se a estrutura social se retraduz no espaço físico (BOURDIEU, 1997), sobretudo em contextos metropolitanos, torna-se importante inserir na análise a localização residencial dos indivíduos na metrópole para ampliar a compreensão da relação entre escolaridade e nível de rendimento.

“Ao considerar a importância da segmentação residencial, partimos da hipótese de que os mecanismos explicativos da relação entre território e obtenção de rendimentos podem estar associados aos modelos do efeito vizinhança, que colabora para reforçar o padrão de segmentação residencial das metrópoles brasileiras compreendido na dupla escala da divisão social do território: por um lado, modelo centro-periferia (macroescala), em que há correspondência entre distância física e distância social, e, por outro lado, pelo modelo favela-cidade (microescala), onde há proximidade física e distanciamento social”, argumenta.

Ao considerar o padrão “centro-periferia” para compreender as diferenças de rendimentos dos indivíduos, o estudo sugere que os moradores das periferias estão em desvantagens na busca por ocupações que apresentam maiores remunerações decorrente das dificuldades referente à mobilidade urbana em contextos metropolitanos associados à capacidade de inserção em redes sociais (capital social) que possibilitam o acesso às melhores ocupações, haja vista que os melhores empregos tendem a se concentrarem no núcleo metropolitano, próximos dos indivíduos que aí residem (SMALL; NEWMAN, 2001).

Já em relação ao padrão de organização social do território marcado pela divisão “favela-cidade”, considera-se que as diferenças de rendimentos entre os moradores desses contextos e da cidade consolidada são decorrentes também da restrição ao acesso à estrutura de oportunidades do mercado de trabalho. Porém, neste caso, essa restrição não decorre do distanciamento físico que se dá entre os moradores da favela e os moradores da cidade, mas devido ao distanciamento social propriamente dito, que constitui um padrão de interação social baseado na hierarquia e na discriminação.

O procedimento operacional para realização dos testes de hipóteses no trabalho consistiu na realização de análise de regressão linear a partir de três modelos analíticos que pretendiam oferecer interpretações diferentes sobre o desempenho dos indivíduos no mercado de trabalho. Os dados utilizados foram decorrentes de pesquisas domiciliares do tipo survey, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), correspondente à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no período de 1995 a 2009.

Segmentação educacional

Embora a oportunidade de acesso à estrutura educacional dos moradores de favela e dos moradores da cidade consolidada pode ser a mesma – mesmo que possa haver diferença dessas oportunidades no interior da cidade consolidada -, haja vista a possibilidade de indivíduos da favela estudar em escolas da cidade que estão na sua proximidade, há diferenças na estrutura educacional, decorrente da segmentação institucional das escolas – escola privada e escola pública, mas também entre as escolas públicas (ALVES; FRANCO JUNIOR; RIBEIRO, 2008) –, que faz com que boa parte das pessoas da cidade, sobretudo, do núcleo metropolitano estudem naquelas que apresentam melhor qualidade; a mesma oportunidade não é existente para os moradores das favelas.

“No Brasil, a escola pública, em termos gerais, tende a apresentar nível de eficácia escolar inferior ao que é observado pelas escolas privadas, sobretudo aquelas localizadas no núcleo metropolitano. E essa diferença da estrutura educacional contribui para explicar as diferenças entre os rendimentos de indivíduos que estão em contextos territoriais diferentes na metrópole”, explica o pesquisador.