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Comerciantes de rua do Movimento Unido dos Camelôs percorrem o centro do Rio de Janeiro em passeata pelo direito ao trabalho nas ruas da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil).

O INCT Observatório das Metrópoles vem desenvolvendo o projeto de extensão “Morar, Trabalhar e Viver no Centro: mobilizações e ações de promoção do direito à cidade na área central do Rio de Janeiro” com o objetivo de mapear e dar visibilidade às situações de moradia e trabalho na região central; denunciar situações de violações de direitos sociais e promover ações de exigibilidade do direito à cidade na área central da capital fluminense, com foco na questão das ocupações urbanas, dos cortiços e dos trabalhadores informais (camelôs). No primeiro semestre de 2017, a equipe do projeto — formada por estudantes da UFRJ e militantes dos movimentos sociais parceiros — começou o trabalho de campo, com a aplicação de questionários. Diante de um contexto de recrudescimento da Prefeitura do Rio contra as classes populares na área central, o projeto pretende produzir um mapa inédito com o número de cortiços e trabalhadores informais nessa região.

O projeto é resultado de uma parceria entre o INCT Observatório das Metrópoles, representado pelo grupo de pesquisa sob a coordenação do Profº Orlando Alves dos Santos Jr., a Central de Movimentos Populares (CMP) e o Movimento Unidos dos Camelôs (MUCA). A pesquisa conta com o apoio da Ford Foundation.

O Projeto “Morar, Trabalhar e Viver no Centro” é um desdobramento das pesquisas que o Observatório das Metrópoles vem realizando no Rio de Janeiro sob a perspectiva da neoliberalização da política urbana da cidade, impulsionada e legitimada pela agenda de megaeventos esportivos sediados nos últimos dez anos. Trata-se de um processo que tem como característica a privatização e elitização de determinadas porções do território, acompanhada de uma política de ordenamento urbano pautada, cada vez mais, na militarização do território.

Segundo Larissa Lacerda, pesquisadora do Observatório que integra a pesquisa, a operação urbana consorciada do Porto Maravilha vem implementando um enorme projeto de reestruturação urbana de toda área central, acompanhado pelo recrudescimento das políticas de controle urbano, como a operação “choque de ordem” e o Centro Presente. “Quando vemos na área central uma região ocupada historicamente pelas classes populares, não fica difícil concluir que todo esse projeto está tendo repercussões violentas para essa população que mora e circula pelo centro, dependendo dele para sua própria reprodução social”, afirma e completa:

“A questão dos cortiços nos chamou atenção quando da elaboração do Plano de Habitação de Interesse Social do Porto, realizado no âmbito da operação urbana do Porto Maravilha, que não continha nenhuma informação sobre os cortiços e seus moradores. A invisibilidade dessa forma de moradia popular é ainda mais perigosa quando inserida nesse contexto de reestruturação urbana, que tem utilizado o argumento das obras de “revitalização” da área para a remoção de dezenas de imóveis ocupados por moradia popular, sejam as ocupações urbanas ou os cortiços. Do mesmo modo, as/os trabalhadoras/es camelôs também estão submetidas/os às transformações dessa área, com o recrudescimento da política de controle urbano pautada na ideia de higienização do espaço público – ou seja, ao mesmo tempo em que se utiliza do argumento de ‘devolução’ do espaço público ocupado ‘ilegalmente’ pelos camelôs à população, privatiza-se enormes porções do territórios por meio de parcerias público-privadas, como no caso do Porto”, argumenta.

“A análise destas intervenções indica o risco de diversas violações de direitos humanos e graves impactos sobre diversos grupos populares que dependem do acesso à área central para sua reprodução social como os moradores de cortiços e das ocupações, e os camelôs. É neste sentido que se justifica um projeto de extensão que tenha como foco um conjunto de ações visando a denúncia dessas situações de violação e a promoção do direito à cidade, tendo como foco a área central do Rio de Janeiro”, aponta.

INVISIBILIDADE DOS CORTIÇOS

De acordo com Larissa Lacerda, diferente de outras cidades, o poder público do Rio de Janeiro não possui nenhuma informação pública sobre cortiços e sua população, por consequência, também não existe legislação que regularize e fiscalize o seu funcionamento ou políticas públicas destinadas a atender essa população. Essa invisibilidade completa dos cortiços no Rio se repetiu no âmbito da operação urbana do Porto Maravilha, mesmo no momento de elaboração do diagnóstico sobre habitação na área, a prefeitura não apresentou nenhum dado sobre essa forma de moradia. Consequentemente, os cortiços e seus moradores não entraram em nenhum planejamento no projeto de reestruturação da área, mesmo no momento de elaboração do Plano de Habitação de Interesse Social do Porto.

“Apesar de ser uma realidade conhecida em toda a área central, a CDURP não fez nenhum esforço em se aproximar dessa população e de sua realidade de moradia, ao contrário, o que se viu foram despejos de famílias que moravam em cortiços sem nenhuma contrapartida para que se mantivessem morando na região”, afirma a pesquisadora.

APOIO AOS TRABALHADORES INFORMAIS

A pesquisa sobre as condições de trabalho das/os camelôs está inserida nessa mesma perspectiva de necessidade de disputar o centro como uma área popular em um momento de grandes transformações urbanas. O projeto de reestruturação urbana da área central, que tem na operação urbana do Porto apenas um de seus vetores, atinge diretamente as condições de trabalho dos camelôs, especialmente na atual crise econômica, em que o desemprego tem feito aumentar o número de trabalhadores na rua.

Apesar dos camelôs viverem uma disputa histórica pelo uso do espaço público no Rio de Janeiro, com períodos de maior ou menor repressão nas ruas a depender do governo em exercício, desde 2009, na gestão de Eduardo Paes, os conflitos se intensificaram. Logo no primeiro dia de seu mandato, Paes criou a Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP), que juntou em uma mesma estrutura diferentes órgãos da prefeitura que já atuavam no controle urbano da cidade, agora reunidos para atuar de maneira mais “organizada”. No mesmo ano foi criada a operação “choque de ordem”, que protagonizou inúmeras cenas de violência contra trabalhadores/as ambulantes pelas ruas da cidade.

De acordo com Larissa Lacerda, a gestão de Paes também ficou marcada pela realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, o que, na prática, também significou um aumento da repressão aos camelôs. “Para ambos os eventos foram formuladas verdadeiras leis de exceção – a Lei Geral da Copa e a Lei Geral da Olimpíada – em que determinadas porções do território eram declaradas áreas de exclusividade das organizadoras e seus patrocinadores, ou seja, no entorno de equipamentos esportivos ou nas áreas destinadas aos eventos da FIFA ou COI, camelôs foram impedidos de trabalhar”, afirma.

“Agora, na gestão de Crivella, apesar de ser ainda recente, parece que ele está adotando uma postura diferente do Paes. Segundo alguns camelôs, a rua está livre, ele estaria deixando todo mundo trabalhar, contudo, em um momento em que o número de camelôs cresce todos os dias, esse aparente ‘descaso’ também não parece bom. Ao lado dessa pretensa ‘boa-vontade’ da gestão em deixar todo mundo trabalhar, as operações do choque de ordem continuam, como aconteceu na Central do Brasil, Copacabana e hoje no Largo da Carioca, com as mesmas cenas de violência contra os camelôs”, aponta e defende:

“O MUCA, Movimento Unido dos Camelôs, tem proposta de organização do trabalho ambulante, é preciso ouvir quem está trabalhando nas ruas, suas demandas e necessidades. Em um momento de desemprego como o que estamos vivendo, o trabalho informal é uma saída para muitas famílias”.

CURSO DE FORMAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

O grupo de pesquisa coordenado por Orlando Alves dos Santos Jr. vem desenvolvendo várias ações com foco no fortalecimento do direito à cidade na área central do Rio de Janeiro.

Em junho de 2017, foi realizado o Curso de Extensão “Políticas Públicas e Direito à Cidade” com o propósito de oferecer capacitação para a reflexão crítica a lideranças populares, conselheiros municipais e gestores públicos para uma ação participativa e consciente.

O curso contou com o apoio do CNPq e da Fundação Ford, e a parceria da ONG Ação Urbana e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Divido em três módulos temáticos: 1) Democracia, Direito à Cidade e Conflitos Urbanos; 2) Políticas Públicas e o Direito à Cidade; e 3) Morar, Trabalhar e Viver no Centro, o Curso de Formação contou com cerca de 55 participantes, vinculados a movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como: Rocinha Sem Fronteira, Movimento Unidos dos Camelôs, TETO Brasil, Fundação Bento Rubião, Comunidade de Indiana, Ocupação Quilombo da Gamboa, Ocupação Quilombo das Guerreiras, Grupo Filhos de Gandhi, Fórum de Mulheres Negras de Niterói, entre outros.

De acordo com os organizadores, a fim de contribuir para o enfrentamento desses bloqueios, o curso visa fornecer aos participantes um conjunto de conceitos, métodos e técnicas buscando fortalecer: (i) a prática dos ativistas nas ações de mobilização social e de insurgência na perspectiva da promoção do direito à cidade; (ii) a qualificação da atuação dos ativistas e agentes sociais nos espaços de participação, nos processos de discussão de políticas públicas urbanas, tanto nos fóruns e redes vinculados à luta pelo direito à cidade quanto nos espaços institucionais; e (iii) a qualificação do debate em torno da apropriação da área central da cidade pelas classes populares, associado às questões políticas, urbanas e sociais da região, visando contribuir com a promoção do direito à cidade.

Segundo Orlando Alves dos Santos Jr., integrante do Observatório das Metrópoles e coordenador do curso de formação, o objetivo neste ano foi fortalecer o ativismo dos movimentos sociais. “Estamos interessados em oferecer ferramentas para que os movimentos sociais possam atuar nos espaços de lutas urbanas, sobretudo os espaços institucionais. Queremos oferecer condições para o chamado ‘ativismo de insurgência’, e também gerar possibilidades de reflexão sobre a realidade na qual os agentes e movimentos sociais atuam, como ainda reflexão sobre a própria prática e os caminhos que estão sendo escolhidos de atuação”, argumenta Orlando.

A edição de 2017 teve como foco de análise a área central do Rio, já que essa região vem, desde 2009, sofrendo processos de renovação urbana, com destaque para revitalização da área portuária carioca, ocupada tradicionalmente por camadas populares. Além disso, outras intervenções na área central como a operação Choque de Ordem, Centro Presente e Lapa Presente, vem impactando diretamente a vida de trabalhadoras e de trabalhadores informais no centro da cidade.

“Entendemos que os projetos recentes têm como marca central a subordinação da cidade aos interesses do mercado, em especial do mercado imobiliário e corporativo, e a implementação de experimentos de privatização da gestão dos serviços urbanos, como no caso da parceria público-privada do Porto Maravilha e do VLT do Centro. A análise destas intervenções indica o risco de diversas violações de direitos humanos e diversos bloqueios e dificuldades sobre os grupos populares que dependem do acesso à área central para sua reprodução social”, aponta Orlando Júnior.

Faça o download do Caderno Didático “Políticas Públicas e Direito à Cidade: Programa Interdisciplinar de Formação de Agentes Sociais”.

PROJETO PRATA PRETA

Já em dezembro de 2016, o Observatório das Metrópoles e a Central de Movimentos Populares (CMP) divulgaram o resultado final do Projeto Prata Preta, com um levantamento inédito dos cortiços localizados na zona portuária do Rio de Janeiro. O mapa aponta que são 54 cortiços situados na área portuária, distribuídos nos bairros Santo Cristo, Gamboa e Saúde, envolvendo no mínimo 712 quartos, onde habitam cerca de 1.120 pessoas. A pesquisa faz parte das ações em defesa do direito à moradia no contexto da Operação Urbana Porto Maravilha. E teve como objetivo dar visibilidade à situação econômica, social, cultural, jurídica e urbanística dos moradores dos cortiços da área central do Rio; e também identificar a demanda por regularização fundiária e habitação de interesse social.

Faça o download do Relatório Final do Projeto Prata Preta.