Como vivem as famílias nas metrópoles brasileiras e o que sua estrutura social revela sobre as raízes da desigualdade urbana no país? Um estudo inovador destaca o olhar multidimensional e relacional sobre as famílias metropolitanas, e reflete sobre os mecanismos que sustentam – e desafiam – as desigualdades sociais. Trata-se do livro “Estrutura social familiar nas metrópoles brasileiras”, de autoria de um dos coordenadores do Núcleo Rio de Janeiro do INCT Observatório das Metrópoles, Marcelo Ribeiro. Segundo ele, a pesquisa inova ao trabalhar a partir da compreensão das famílias por meio de cinco dimensões, utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“É uma inovação porque, normalmente, se trata das famílias sobre uma das perspectivas, e aqui se constrói essa interação entre cinco dimensões: do arranjo familiar, da configuração de classe, da composição racial da família, do clima educativo e da composição de renda. O livro tem uma inovação interessante porque trabalhou com os dados da POF e permitiu fazer uma análise para o conjunto das metrópoles brasileiras”, pontuou Ribeiro. O livro ainda contou com a colaboração dos(as) pesquisadores(as) Vinicius dos Reis Soares, Paula Guedes Martins Ferreira, Marcos Alves Fernandes, Lucas dos Santos Jambeiro, Tito Magalhães da Rosa e Matheus Lucas Cordovil de Oliveira.
O estudo que resultou na obra integra o INCT Observatório das Metrópoles, e foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Metrópole, Economia e Sociedade (GP-MES) no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), contando com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) via Chamada Universal de 2023. O livro foi publicado pela Letra Capital Editora e está disponível para download gratuito na Biblioteca Digital do site do Observatório.
Livro foi lançado durante Sessão Especial no XXI ENANPUR
A presença marcante do INCT Observatório das Metrópoles no XXI ENANPUR (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), promovido no mês de maio, em Curitiba (PR), se deu também por conta do lançamento do livro “Estrutura social familiar nas metrópoles brasileiras”. A Sessão Livre ocorreu dia 21 de maio, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e teve como base do debate o tema da obra, contando com a apresentação dos resultados do projeto coordenado por Marcelo Ribeiro, com a participação dos(as) pesquisadores(as) Erick Omena, Latussa Monteiro, Suzana Pasternak e Vanessa Marx.
O livro de autoria de Ribeiro representa uma inovação na compreensão das famílias urbanas ao articular cinco dimensões estruturantes: arranjo familiar, configuração de classe, composição racial, clima educativo e composição de renda, utilizando dados da POF 2017-2018, do IBGE. Durante a sessão, Ribeiro introduziu os principais achados do projeto que tem como unidade de análise a família — uma abordagem distinta das análises tradicionais centradas no indivíduo. A metodologia envolveu análise de correspondência múltipla seguida de classificação hierárquica, o que permitiu identificar uma tipologia de posições sociais familiares nas metrópoles brasileiras. Essa tipologia revela uma estrutura social piramidal marcada por desigualdades verticais e diferenças horizontais que mostram que apenas 6,4% das famílias estão na posição social alta; enquanto 42,2% pertencem aos grupos Baixa I e II.
Segundo Ribeiro, famílias de alta renda são majoritariamente brancas e compostas por homens (65%), e a renda provém principalmente do mercado de trabalho protegido (54%). Já nas faixas de baixa renda, observa-se grande instabilidade, com rendimentos diversificados e significativa dependência de fontes informais ou não protegidas. A composição da renda familiar foi um dos pontos centrais do estudo, já que a POF oferece um nível elevado de detalhamento dos rendimentos monetários e não monetários. De acordo com Ribeiro, a renda das famílias de alta renda provém, principalmente, do mercado patrimonial (84,9%), seguida do trabalho protegido (68,3%). “Por outro lado, nas famílias de baixa renda, a diversidade nas fontes de renda revela a precariedade e a insegurança econômica”, ressaltou Ribeiro.

Marcelo Ribeiro, autor do livro, durante Sessão Livre de apresentação da obra.
O pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Erick Omena aprofundou a discussão ao tratar da financeirização das elites. Com base em dados da POF e do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), ele analisou como a composição patrimonial do 1% mais rico revela um padrão de crescente financeirização, especialmente nos estados litorâneos do Sul, Sudeste e Nordeste. Omena destacou que estudar esse grupo é essencial para compreender os mecanismos que reproduzem a desigualdade no Brasil. “O patrimônio financeiro tem crescido rapidamente entre os mais ricos, sendo que os bens financeiros são altamente concentrados no topo da pirâmide social”, salientou. Conforme o pesquisador, há uma irradiação da financeirização das elites para outras camadas sociais. Ele propõe uma exploração mais profunda sobre o papel da renda financeira e imobiliária, a partir de dados mais detalhados do IRPF.
A pesquisadora do Núcleo Vitória, Latussa Laranja Monteiro, apresentou uma análise sobre famílias que recebem transferências governamentais. Segundo os dados, mais de 40% dessas famílias são compostas por casais com filhos. A composição racial é, na maioria das vezes, monorracial parda, tendência que se intensifica conforme aumenta o valor das transferências. Já a estrutura etária dessas famílias revela predominância feminina em faixas etárias mais avançadas. O clima educativo, representado pelo nível de instrução da pessoa de referência, também foi abordado como um fator estruturante. Já a pesquisadora do Núcleo Porto Alegre, Vanessa Marx, trouxe uma análise focada em famílias chefiadas por mulheres sem cônjuges. Ela chamou a atenção para os limites dos dados da POF, que ainda se restringem ao binarismo de gênero (masculino/feminino), dificultando abordagens mais amplas sobre diversidade familiar. “As famílias chefiadas por mulheres estão concentradas nas classes populares e apresentam desafios significativos para composição de renda, especialmente entre mulheres mais jovens”, pontuou.
Além de destacar a complexidade da estrutura social familiar nas metrópoles brasileiras, as apresentações da sessão apontaram, também, a necessidade de novos olhares metodológicos e teóricos sobre os processos de desigualdade, reprodução social e transformação urbana. Conforme a professora do Nides/UFRJ, Luciana Corrêa Lago, autora do prefácio do livro “Estrutura social familiar nas metrópoles brasileiras”, o que foi apresentado na publicação complexifica a compreensão da estrutura de classes da sociedade brasileira. “Essa obra dá subsídios para um desenho de políticas redistributivas que busquem incorporar outras dimensões da vida cotidiana das famílias brasileiras, para além da renda monetária”, enfatizou no prefácio.

Pesquisadoras(es) convidadas para a Sessão Livre de lançamento do livro.
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Sumário
- AGRADECIMENTOS
- PREFÁCIO, por Luciana Corrêa do Lago
- INTRODUÇÃO
- CAPÍTULO 1 – ARRANJO FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro, Vinicius dos Reis Soares, Paula Guedes Martins Ferreira e Tito Magalhães da Rosa
- CAPÍTULO 2 – CONFIGURAÇÃO DE CLASSE FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro, Vinicius dos Reis Soares e Marcos Alves Fernandes
- CAPÍTULO 3 – COMPOSIÇÃO RACIAL FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro, Vinicius dos Reis Soares e Paula Guedes Martins Ferreira
- CAPÍTULO 4 – CLIMA EDUCATIVO FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro, Vinicius dos Reis Soares e Lucas dos Santos Jambeiro
- CAPÍTULO 5 – COMPOSIÇÃO DE RENDA FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro, Vinicius dos Reis Soares, Paula Guedes Martins Ferreira, Lucas dos Santos Jambeiro e Matheus Lucas Cordovil de Oliveira
- CAPÍTULO 6 – ESTRUTURA SOCIAL FAMILIAR, por Marcelo Gomes Ribeiro e Vinicius dos Reis Soares
- CONCLUSÃO
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- ANEXOS
- SOBRE O AUTOR E OS COLABORADORES