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O custo da Copa e das Olimpíadas no Rio

By 06/06/2012janeiro 29th, 2018Publicações
Parque Olimpíco Rio 2016

Parque Olímpico Rio 2016 (Prefeitura Rio)

O custo da Copa e das Olimpíadas no Rio

O Rio de Janeiro receberá, entre financiamentos e investimentos previstos, pouco mais de R$ 4,1 bilhões para a Copa do Mundo de 2014 e R$ 12,5 bilhões para as Olimpíadas de 2016, sendo que, no caso dos jogos olímpicos, 94,91% do investimento será público. O dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos” discute a falta de transparência no uso dos recursos públicos nos preparativos da Copa e Olimpíadas, como também o processo de construção da capital fluminense em cidade-empresa a partir de novos padrões de relação entre o Estado e os agentes econômicos e sociais, processo caracterizado pela concentração de obras em algumas áreas da cidade, indicando a subordinação das decisões aos grandes interesses imobiliários.

Os pesquisadores do Observatório das Metrópoles participaram, em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, da elaboração do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio”, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades públicas, da sociedade brasileira, das organizações de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, para o verdadeiro legado do projeto Olímpico no Rio de Janeiro: uma cidade mais desigual, com a exclusão de milhares de famílias e a destruição de comunidades inteiras, e a apropriação da maior parte dos benefícios por poucos agentes econômicos e sociais.

O dossiê denuncia o processo de violação do direito à moradia e fala do desrespeito, pelas autoridades, do direito dos cidadãos e cidadãs de terem acesso à informação e a participar nos processos decisórios. Fala da subordinação dos interesses públicos aos interesses de entidades privadas (entre as quais se destacam o Comitê Olímpico Internacional e grandes corporações), fala do desrespeito sistemático à legislação urbana e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, fala do desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados às prioridades da população. Enfim, fala da violação do direito à cidade.

Após o lançamento do documento, a equipe do Boletim Observatório tem divulgado, a cada semana, os eixos temáticos do dossiê com o objetivo de ampliar, ainda mais, o debate sobre os megaeventos na capital fluminense. Nesta edição, o destaque é o tema Orçamento e Finanças. Leia a seguir as principais questões discutidas.

DOSSIÊ: “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio”
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Tema: Orçamento e Finanças

A realização da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 tem como agente econômico protagonista o poder público, responsável ou pelos investimentos diretos ou pelo financiamento das intervenções vinculadas à esses megaeventos. No entanto, cabe destacar que as informações disponíveis sobre os investimentos públicos são ainda muito precárias. De fato, ainda não se sabe quanto efetivamente será gasto, e como os recursos serão utilizados. Nos portais eletrônicos do governo federal, criados com o objetivo de dar transparência ao uso dos recursos públicos na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, as informações são insuficientes e superficiais, e às vezes desatualizadas e contraditórias, dificultando o monitoramento social e a análise aprofundada em torno dos gastos públicos.

Em relação à Copa do Mundo de Futebol, estão previstos pouco mais de R$ 4,1 bilhões entre financiamentos e investimentos, sendo mais de  R$  2,8 bilhões oriundos do governo federal. Cabe registrar que o Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES é a principal instituição de financiamento no Rio de Janeiro. Tomando-se como referência o total de investimentos nas cidades-sedes da Copa  do Mundo, segundo a Matriz de Responsabilidades elaborada pelo governo Federal, destaca-se o fato da Cidade do Rio de Janeiro ser a segunda cidade onde mais devem ser investidos recursos públicos, só sendo superada por São Paulo (onde estão previstos investimentos de R$ 5.145,15 bilhões). Em relação às Olimpíadas, o Dossiê de Candidatura Rio 2016, documento usado na seleção de qual cidade iria sediar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos 2016, prevê R$ 12.518,24 milhões em investimentos, sendo R$ 11.881,54 milhões (94,91%) de investimento público e R$ 636,70 milhões do COJO (Comitê Organizador Rio2016).

Levando-se em conta o conjunto dos investimentos previstos, pode-se prever o impacto das intervenções na dinâmica urbana da cidade. De fato, a maior parte dos recursos está alocada em mobilidade urbana, que representa 44,9% do total de investimentos previstos para a Copa e 59,6% para as Olimpíadas. Do restante dos investimentos para a Copa, 26,9% estão alocados na ampliação ou reforma da infraestrutura dos aeroportos e portos, e outros 21,1% na reforma do Maracanã. Aliás, é interessante destacar que as obras de reforma do Maracanã contam com R$ 400 milhões disponibilizados pelo BNDES, através de linha de financiamento especial. Na Tabela 7, pode-se observar uma síntese da divisão por área dos investimentos na Cidade do Rio de Janeiro.

TABELA 7

Em síntese, pode-se afirmar que a importância da Copa do Mundo e das Olimpíadas está menos ligada à realização desses megaeventos em si mesmo (a Copa, as Olimpíadas), e mais ao processo de reestruturação da dinâmica urbana na Cidade do Rio de Janeiro, legitimada e possibilitada pelo discurso em torno das oportunidades de desenvolvimento econômico e do legado que esses eventos podem deixar.

Avançando na análise dos investimentos por setor, algumas questões emergem das informações disponíveis. Em primeiro lugar, tendo em vista o montante de recursos e os impactos das intervenções na cidade, chama atenção o fato das decisões relativas a esses investimentos não passarem por uma ampla discussão democrática, envolvendo todos os segmentos sociais, colocando em pauta o projeto de cidade que está construído. Nesse sentido, o projeto Olímpico do Rio de Janeiro, não obstante eventuais efeitos pontuais positivos, expressa um padrão autoritário de intervenção pública e contraria as diretrizes do Estatuto da Cidade (Lei  10257/2001) que, no seu segundo artigo, estabelece o direito à participação da população na definição de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Em segundo lugar, como pode ser observado ao longo desse Dossiê, os investimentos previstos e em curso estão concentrados em algumas áreas da cidade, notadamente na Barra da Tijuca, na Zona Sul e no Centro do Rio de Janeiro, indicando a subordinação das decisões relativas aos grandes interesses imobiliários. Ou seja, para além do propalado legado social do projeto para a cidade, percebe-se que o grande legado são os lucros apropriados por certos agentes econômicos que têm a cidade como o seu negócio.

Por fim, um dos aspectos mais importantes: existem diversos elementos para afirmar-se  que o projeto Olímpico tem como uma de suas principais características a transferência de recursos públicos para os agentes privados, seja na contratação das grandes obras, seja no estabelecimento das várias modalidades de parceria público privada.

No caso do projeto revitalização da área portuária o projeto Porto Maravilha , a parceria público-privada está ocorrendo por meio de uma operação urbana consorciada e da emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção-CEPAC. Pela lei aprovada, as empresas interessadas em construir na área portuária teriam de adquirir os certificados (em torno de seis milhões, cada um no valor mínimo de R$ 400,00), comercializados como títulos imobiliários negociados em leilões públicos supervisionados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Ao todo, a operação urbana consorciada envolve uma área de quatro milhões de metros quadrados, que vai dos bairros da Gamboa, Saúde, São Cristóvão, Caju, Santo Cristo e Cidade Nova  à Região da Leopoldina.  No entanto, no leilão realizado em 2010 para promover a primeira operação urbana consorciada do Rio de Janeiro e a maior parceria público privada do Brasil, conforme declaração do prefeito Eduardo Paes, a iniciativa privada não comprou nenhum título. O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, controlado pela Caixa Econômica Federal, comprou todos os CEPACS com recursos do FGTS.

Posteriormente, em 2011, seria estabelecida a parceria entre o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, gerido pela CAIXA, e a empresa Tishman Speyer, uma das maiores do mundo no ramo, para o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário comercial na região do Porto do Rio de Janeiro. O empreendimento prevê a construção de um conjunto de torres comerciais de alto padrão.

No caso do Maracanã, que está sendo reformado com recursos públicos, o governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou a intenção de entregar sua gestão para um concessionário privado, já em fevereiro de 2013, na inauguração das obras para a Copa do Mundo em 2014. Conforme noticiou o jornal Brasil Econômico (27/10/2011), o bilionário Eike Batista, controlador do grupo EBX e oitavo homem mais rico do mundo -, admitiu interesse em participar do processo de privatização e da gestão do estádio Maracanã, como é popularmente conhecido o oficialmente estádio Mário Filho.

Como se esses exemplos não bastassem, a Prefeitura do Rio de Janeiro, através do Decreto n. 31.182, de 05 de outubro de 2009, instituiu o “Rio Escritório de Negócios” para articular e identificar oportunidades de  negócios e investimentos  na  cidade, constituindo-se na referência institucional da Prefeitura para atração e viabilização de investimentos nacionais e internacionais destinados à cidade . O decreto expressa claramente o principal objetivo do legado do projeto Olímpico: transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma cidade-empresa. Nessa perspectiva, estão entre os seus principais objetivos (i) identificar e articular oportunidades de  investimentos nos setores econômicos definidos como estratégicos pela Prefeitura do Rio de Janeiro; (ii) prestar assistência a investidores, incluindo o auxílio no acesso a informações e dados; (iii) potencializar a imagem da Cidade do Rio de Janeiro, no Brasil e no Exterior, como pólo de realização de negócios; e (iv) articular parcerias institucionais públicas e privadas para estimular investimentos na Cidade do Rio de Janeiro.

Em síntese, há claros indícios de que as profundas transformações em curso na dinâmica urbana da Cidade do Rio de Janeiro envolvem, de um lado, novos processos de mercantilização da cidade, e de outro, novos padrões de relação entre o Estado e os agentes econômicos e sociais, caracterizados pela exceção e pelo autoritarismo.

Acesse o conteúdo completo do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio” aqui.

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