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A Câmara dos Deputados francesa aprovou, no dia 19 de julho de 2013, a criação da “Metropole du Grand Paris” (MGP) no quadro do projeto de lei de modernização da ação pública territorial e de afirmação das metrópoles francesas. Neste artigo, Michael Chetry mostra que esta lei concretiza uma nova etapa do processo de descentralização na França afirmando o papel das metrópoles como escala de governança relevante para a elaboração e a aplicação das políticas públicas. Esta análise representa mais uma ação internacional do Observatório das Metrópoles visando o levantamento das principais experiências de governança metropolitana mundiais.

O artigo “A Metrópole du Grand Paris: avanço real ou compromisso ruim?”, do pesquisador Michael Chetry, é mais um resultado da Rede de Pesquisa INCT Observatório das Metrópoles com o propósito de difundir o tema metropolitano mundialmente, consolidando assim uma rede de pesquisadores internacionais com interesses afins que possam trocar e contribuir para superar os desafios no desenvolvimento de políticas públicas para as grandes cidades do planeta.

No contexto europeu o Observatório das Metrópoles vem realizando várias iniciativas de cooperação internacional. Em 2012, por exemplo, o instituto lançou o relatório A Governança Metropolitana da Europa, em parceria com os professores João Seixas e Rosa Branco, da Universidade de Lisboa, que teve como objetivo levantar os principais problemas da evolução dos territórios metropolitanos europeus, focando nos diferenciais entre as forças e necessidades dos novos espaços e sistemas meta-urbanos, e os seus atuais e hipotéticos espaços de ação estratégica e política. O estudo propõe uma tipologia da evolução política metropolitana das grandes cidades europeias, bem como uma reflexão conjunta dos seus projetos sociopolíticos metropolitanos.

O relatório “A Governança Metropolitana da Europa” contou também com o levantamento do projeto “A construção de projetos metropolitanos. Experiências internacionais de sistemas de governança metropolitana (2010)”, produzido pela pesquisadora Sol Garson (Observatório das Metrópoles/IPPUR/UFRJ), financiado pela FAPERJ.

Em novembro de 2012, o coordenador do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, participou do Colóquio Internacional “La Gouvernance des Métropoles Mondiales: pouvoirs et territoires”. Encontro realizado pela Prefeitura de Paris, pelo Centro de Estudos Europeus de Ciências Políticas e pela Universidade Paris-Est Marne La Vallée com o objetivo de debater os vários desafios da governança metropolitana, como democracia, contribuição cidadã, papéis do Estado e dos atores privados no desenvolvimento dos grandes centros urbanos.

Já no mês de dezembro de 2012, o Observatório das Metrópoles firmou parceria no projeto “Estado, Grandes Firmas e Governança para o Desenvolvimento Metropolitano”, que será realizado por um grupo de institutos de pesquisas em cidades como Paris, Londres, Roma, Istambul, Bombaim e Pequim. O Observatório contribuirá com a investigação a partir da análise do contexto brasileiro no Rio de Janeiro – no qual grandes empresas atuam nos preparativos dos megaeventos esportivos. Coordenado por Christian Lefèvre, da Université Paris-Est Marne La Vallée, o projeto busca compreender a evolução da produção de estratégias e políticas que lidam com o desenvolvimento urbano na escala metropolitana. Para isso, serão investigados vários tipos de políticas e atividades: desenvolvimento econômico, infraestrutura, a elaboração de documentos de planejamento e na elaboração e produção de arranjos de governança. Sendo que o foco do projeto será os agentes econômicos, nomeadamente as grandes firmas.

Governança metropolitana na França

O artigo “A Métropole du Grand Paris: real avanço ou compromisso ruim?”, de Michael Chetry, traz o debate mais atual sobre a governança metropolitana na França com a aprovação da lei na Câmara dos Deputados que  estabelece, entre outras questões, a criação da Metrópole Du Grand Paris.

Michael é doutor em Geografia, Bolsista de Pós-Doutorado Júnior da FAPERJ (IPPUR-UFRJ) e pesquisador da Rede Observatório das Metrópoles. As suas pesquisas interessam-se pelas dinâmicas da organização socioespacial das metrópoles e as relações dos grupos sociais no espaço urbano.

A Métropole du Grand Paris: real avanço ou compromisso ruim?

Por Michael Chetry

No dia 19 de julho de 2013, alguns dias depois de ter sido rejeitada pelo senado, a Câmara dos Deputados francesa aprovou a criação da “Metropole du Grand Paris” (MGP) no quadro projeto de lei de modernização da ação pública territorial e de afirmação das metrópoles. Esta lei concretiza uma nova etapa do processo de descentralização na França afirmando o papel das metrópoles como escala de governança relevante para a elaboração e a aplicação das políticas públicas.

O processo de descentralização na França iniciou-se, de forma mais acentuada, com a lei Deferre, promulgada em 1982, que consistiu fortalecer as coletividades territoriais (municípios, departamentos, regiões) dando, em particular, mais autonomia e competência aos departamentos e as regiões. Em 2003, esta tendência foi consolidada por outra lei que instituiu o princípio de independência financeira das coletividades territoriais além da transferência de competências suplementares para as regiões. Inscrevendo-se em continuidade, o projeto de lei que acabou de ser aprovado pela Câmara dos Deputados francesa tem como objetivo, além de esclarecer as responsabilidades das coletividades territoriais e do Estado, a criação do Estatuto da Metrópole para as aglomerações de mais de 400 000 habitantes. No total aproximadamente 15 novas metrópoles poderiam ser criadas, sendo que as três principais aglomerações urbanas francesas (Paris, Lyon e Marseille–Aix-en-Provence) ganhariam um estatuto particular sendo atribuídas competências mais importantes.

O estatuto dessas metrópoles baseia-se numa estrutura de cooperação intercomunal que já existia, o Estabelecimento Público de Cooperação Intercomunal (ECPI), que permite aos municípios associar-se para desenvolver competências em comum, tal como o transporte, o planejamento do território ou a gestão do meio ambiente. Os ECPIs podem arrecadar impostos, ampliando sua autonomia financeira para a realização de investimentos nos espaços da cooperação. Assim, a metrópole é então uma nova categoria de ECPI, beneficiada de uma fiscalidade própria, “destinada a reunir vários municípios integralmente e sem enclave e que se associam em um espaço de solidariedade para elaborar e conduzir juntos um projeto de planejamento e de desenvolvimento econômico, ambiental, educacional, cultural e social do seu território, a fim de melhorar a competitividade e coesão a nível nacional e europeu” (artigo 31). Neste quadro, a metrópole se beneficia da transferência de competências pelos municípios e pelo Estado e, de forma facultativa, pelos departamentos e regiões. No caso das transferências de competências do Estado elas serão acompanhadas de uma compensação assim como a disponibilização e transferência de funcionários.

Medida chave do projeto de lei de modernização da ação pública territorial e de afirmação das metrópoles, a criação da Métropole du Grand Paris é prevista para o 1 de Janeiro de 2016, sob a forma de um ECPI reunindo a capital e os 124 municípios dos departamentos em torno (Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis, Val-de-Marne), representando um total de cerca de 6,5 milhões de habitantes. Além disso, o texto prevê que os outros municípios da Unidade urbana de Paris que ficam fora deste perímetro deverão constituir ECPIs de mais de 200 000 habitantes que poderão aderir à metrópole sob certas condições.

A metrópole assumirá responsabilidade direita para as questões relativas ao meio ambiente, planejamento e habitação. Ela se organizará em “territórios” de 300 000 habitantes no mínimo, reunindo vários municípios (sendo Paris um desses territórios), aos quais ela delegará varias das suas competências. Em termos de governança, a MGP será governada por um conselho metropolitano composto em parte por representantes dos municípios e em outra parte por conselheiros. Este último ponto é sem dúvida a inovação maior trazida pela instauração das metrópoles em relação à situação atual na qual os cidadãos não são associados ao processo de decisão na escala metropolitana, pois estes conselheiros deveriam ser eleitos via sufrágio universal direto a partir de 2020.

Todavia, como revela a rejeição do projeto no senado, a criação da Métropole du Grand Paris encontra uma forte resistência por parte dos políticos que percebem a implantação do sufrágio universal direto à escala metropolitana como uma ameaça aos municípios, que conduziria, a termo, ao seu desparecimento. Outros criticam o autoritarismo do Estado nesta questão, sua abordagem tecnocrática e centralizadora, que traz uma complexidade suplementar multiplicando as instâncias territoriais. Outros ainda denunciam a supressão dos ECPIs já existentes no perímetro da Metrópole, ignorando assim os projetos de cooperação já estabelecidos ou planejados.

No campo técnico, o texto adotado poderia ter sido, a nosso ver, mais ambicioso, em particular em relação ao projeto inicial, tanto do ponto de vista das competências da metrópole como de seu perímetro. Assim, o transporte e o desenvolvimento econômico ficam fora das responsabilidades da MGP, estes dois campos continuam sendo de competência da Região Ile-de-France, o que poderia levar disfuncionamentos e dificultar a realização das metas de melhoria da competitividade e da coesão da metrópole. Também o perímetro da MGP, mesmo sendo considerado como um perímetro mínimo, se restringe a uma parte só da Unidade urbana de Paris deixando fora os territórios mais distantes nos quais, porém, se colocam com mais acuidade os problemas sociais, econômicos e urbanos da metrópole. Enquanto, na primeira versão do texto, o perímetro abrangia a Unidade urbana de Paris, ou seja, 412 municípios e 10,5 milhões de habitantes.

Apesar destas reservas e da incerteza quanto a validação definitiva deste projeto, a criação da Métropole du Grand Paris não deixaria de ser um passo importante, em particular no campo institucional com a eleição dos conselheiros metropolitanos ao sufrágio universal direto. Isso constituirá, sem dúvida, uma das primeiras experiências reais de constituição de um governo metropolitano.