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Debater as questões urbanas e públicas relativas à vida das mulheres foi o objetivo da Semana 8M: Mulheres, Espaço e Políticas Públicas, uma iniciativa do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Espaço e Políticas Públicas (NUGEPP/UFRJ), em parceria com o Observatório das Metrópoles. O evento teve início na segunda-feira, dia 08, e segue até hoje, 11, com transmissão ao vivo pelo canal do Youtube e página do Facebook do Observatório das Metrópoles.

A Mesa de Abertura contou com a participação da filósofa e professora de ética do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), Carla Rodrigues e da pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Thêmis Aragão, com moderação da coordenadora do NUGEPP/UFRJ, Maria Walkíria Cabral. O intuito foi dar o tom dos debates que desenvolvem reflexões sobre a vida das mulheres, a partir das questões contemporâneas, considerando os impactos mais profundos e relevantes sobre a convivência coletiva.

Em sua fala, Carla Rodrigues abordou a questão do corpo a partir do trabalho feminino doméstico. A discussão se insere no projeto de pesquisa intitulado “Judith Butler: do gênero à violência de estado”, financiada pela FAPERJ, onde Carla parte da ideia de um “corpo infeliz” para se referir ao corpo das mulheres dedicadas ao trabalho doméstico realizado no contexto brasileiro. “Seja o espaço urbano ou privado, eles são ocupados a partir de disputas de poder. A gestão da rotina da família e da alimentação pode acontecer mesmo em situações em que a dona da casa não trabalhe fora. Com isso, eu faço a pergunta, a quem pertence o trabalho realizado pelo corpo da empregada?”, refletiu a professora.

Segundo ela, nesse momento de pandemia, em que todas as mulheres estavam confinadas em suas casas, parece que houve uma oportunidade de perceber e tornar visível aquilo que estamos sistematicamente esquecendo, para poder manter uma empregada doméstica como um corpo duplicado. “É por isso que eu chamo minha pesquisa de corpo infeliz, porque me parece que há um componente de alienação de si nessa relação de patroa e empregada, que aliena a patroa de sua própria casa e aliena ainda a empregada da sua própria casa, porque ela passa a tomar a casa da patroa como a sua própria casa. De tal maneira que esses dois corpos são duplicados e são infelizes, nessa disputa do espaço doméstico onde, no final das contas, quem manda ainda é o homem”, ressaltou.

O debate continuou com a pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Thêmis Aragão, que iniciou sua fala afirmando que o papel da mulher foi historicamente construído a partir do olhar dominante masculino. “A arte reflete isso. Percebe-se essa construção e esse discurso sendo reproduzido quando temos o homem num espaço público, enquanto o papel da mulher se resguarda ao espaço privado”, pontuou.

Sobre a relação da mulher com a cidade e o urbanismo feminista, Thêmis prosseguiu falando acerca do deslocamento do homem, que sai de casa para desempenhar suas atividades econômicas e retorna, sendo limitado a um único percurso. “Já quando a mulher sai, ela faz vários percursos para dar conta de suas atividades e isso é reforçado quando ela tem filhos e precisa levar ao colégio, ir ao supermercado e ainda trabalhar. É preciso desconstruir essa teoria urbana e vários dogmas dentro da teoria para reconstruir nossa cultura de renascimento. Resgatar a mulher e vir com uma contracultura dessa hegemonia cultural”, pontuou a pesquisadora.

Políticas públicas sob a perspectiva de gênero e raça

A segunda mesa do evento, que ocorreu na terça-feira, 09, teve como objetivo abordar as políticas públicas de assistência social e de enfrentamento à violência contra as mulheres. As convidadas foram a atual Secretária Municipal de Políticas e Promoção da Mulher do Município do Rio de Janeiro e aluna do GPDES, Joyce Trindade e a professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), Carolina Stuchi, com moderação da professora Maria Abreu (IPPUR/UFRJ) e da pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Mariana Albinati.

Carolina Stuchi iniciou o debate falando que os números de violência doméstica na pandemia são bastante assustadores. “As mulheres estão desprotegidas. São o público prioritário do auxílio emergencial e Bolsa Família, mas no seu ambiente doméstico, não. É um direito não sofrer violência, mas precisamos ir além e inserir as mulheres na ocupação dos espaços públicos”, afirmou. Segundo ela, é necessário ampliar a participação das mulheres como eleitoras e demandadoras de políticas públicas nos seus municípios. “Atuando na formação de mulheres na política pública e letramento digital para usufruir de serviços públicos é de suma importância para reivindicar seus direitos, além da ideia também da participação nos cargos eletivos”, apontou.

A atual Secretária Municipal de Políticas e Promoção da Mulher do Município do Rio de Janeiro, Joyce Trindade, informou que pessoas negras no serviço público representam 47% do seu quantitativo e que isso é um número completamente representativo. “No entanto, quando a gente vai ver onde estão essas pessoas negras, percebemos que é uma escala hierárquica assustadora e isso diz muito sobre o Brasil em todo o seu contexto, porque estamos falando da hierarquia social completamente atrelada à racial também, então, a máquina pública também reverbera justamente aquilo que a sociedade brasileira é, essa hierarquia social em todos os espaços. São vários cenários que justificam a questão da desigualdade racial nas hierarquias do serviço público”, afirmou.

Outro ponto que a secretária reflete é o seguinte: dos 507 cargos de secretários municipais no ano de 2020 nas 26 capitais do brasil, somente 140 mulheres se tornaram secretárias. “Ainda não chegamos na equidade de gênero que tanto sonhamos e, muito menos, na equidade racial que tanto almejamos. Pessoas negras, mulheres, trans e todas as diversidades nesses cargos da mais alta gestão impactará na entrega do serviço público, que impacta diretamente o futuro da sociedade. O compromisso que nós precisamos assumir, enquanto servidores públicos, é o de que precisamos pautar raça, gênero e classe em todos esses debates. Porque, sem esses demarcadores, não conseguimos projetar um futuro em que inclua essa gama da diversidade social que atravessa o nosso país e que nunca foi, de fato, contemplada. Que outras mulheres negras ocupem esses espaços e que eu não seja mais a exceção e, sim, a regra. Que o normal seja ver mulheres, assim como eu, nesses espaços de liderança”, concluiu.

Mulheres e Futebol

A terceira mesa, Mulheres e Futebol, ocorreu na quarta-feira, 10, e foi formada por Silvana Goellner, professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Isabelly Morais, jornalista da Band e primeira mulher a narrar uma partida de futebol em Minas Gerais e na Copa do Mundo pela Fox Sports. Luiza Macedo e Giulia Marques foram as responsáveis pela moderação. O objetivo do debate foi problematizar a participação das mulheres no espaço público, mais especificamente no mundo do futebol.

Silvana Goellner iniciou a sua fala destacando o quanto é importante as mulheres ocuparem espaços historicamente masculinos. No futebol, especificamente, ela destacou o desafio que é ocupar desde as dimensões mais profissionais até as mais cotidianas, incluindo também o universo cultural. A professora afirma que o futebol é um direito e, dado que a nossa sociedade é marcada por várias desigualdades, é um campo de disputa e luta. “Não é possível pensar a presença das mulheres no futebol sem considerar a abissal desigualdade de renda em nosso país, o racismo estrutural, a desigualdade de gênero, a homofobia e transfobia, e as dificuldades de acesso por pessoas com deficiência”.

Dentre os pontos levantados, Silvana pontuou que as questões de gênero no futebol estão muitos pautadas na discussão da biologia dos corpos, sendo necessário desconstruir essa representação, buscando pensar a partir da particularidade de cada esporte. Segunda ela, não se trata de negar as diferenças biológicas e orgânicas, mas pensar porque essas diferenças são usadas para justificar a negação do acesso e permanência das mulheres em certos meios.

Isabelly Morais começou a sua fala pontuando que a atuação das mulheres nos esportes coletivos pode ser observada a partir de várias vertentes, destacando que a sua experiência se insere no âmbito da Comunicação, dada a sua formação como jornalista. A questão comum, no entanto, é a cultura esportiva masculinizada que atravessas todas as trajetórias. Para ilustrar a sua afirmação, Isabelly destacou uma frase da carta aberta escrita por Serena Williams a favor da igualdade entre homens e mulheres:

“Sou chamada de ‘uma das melhores atletas mulheres do mundo’. Mas eles dizem que LeBron é um dos melhores atletas masculinos do mundo? E Tiger? Federer? Por que não?”.

A narradora apresentou algumas situações durante a sua carreira como comunicadora no futebol e que expressam as dificuldades e restrições enfrentadas pelas mulheres nessa área. Para Isabelly, ainda existem muitas situações onde a presença da mulher é oferecida como um produto, objetificando os corpos femininos presentes nesse meio. Segundo ela, “a nossa presença não pode ser reduzida a isso de maneira alguma. Até porque isso não é feito no caso dos homens, se um homem está ali é porque ele é competente e mereceu”. No caso da mulher, afirma, a presença é justificada por outros motivos e situações que anulam toda a sua trajetória profissional.

Mulheres e Cidade

Acompanhe hoje (quinta-feira), às 19:00, a quarta e última mesa da Semana 8M. Com o tema “Mulheres e Cidade”, contaremos com a presença de Poliana Souza, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas de Belo Horizonte, e Tainá de Paula, vereadora do Rio de Janeiro. O debate será guiado pela seguinte questão: como e por que as políticas urbanas, em especial as de habitação, devem ser inspiradas pelas lutas feministas?

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