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Política Econômica de Austeridade e seus impactos sobre os Direitos Humanos

Iniciativas recentes do Governo Federal, como a Emenda Constitucional 95 (que congela gastos públicos nos próximos vinte anos) e a Reforma da Previdência, apontam para o gradual desmonte do Estado brasileiro como indutor de políticas sociais. Esse é o tema do documento produzido pela Plataforma Dhesca Brasil, apresentado no dia 4 de outubro no Senado Federal. O Relatório Impactos da Política Econômica de Austeridade sobre os Direitos Humanos apresenta contribuições para o debate e o questionamento público sobre a manutenção de uma política econômica que impõe imenso sofrimento à população, viola direitos e fere a Constituição Brasileira. A equipe do INCT Observatório das Metrópoles contribuiu na produção do relatório, realizando a missão sobre o aumento da violência nas favelas cariocas.

Durante a apresentação do Relatório no Senado Federal, a integrante da Plataforma Dhesca e coordenadora da Relatoria Especial, Denise Carreira, apontou que a Constituição Federal vem sendo duramente atacada, e que economia é um assunto que precisa ser apropriado por toda a população brasileira. “A economia não pode ficar isolada do debate público, tem de estar a serviço da Constituição e a garantia de Direitos Humanos”, disse.

Já Carmen Silva, integrante da Frente de Luta por Moradia de São Paulo, Alan Brum Pinheiro, do Instituto Raízes em Movimento (RJ), Pergentina Vilarim, do Fórum Estadual de Reforma Urbana, de Pernambuco, e Paulo Karai, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresentaram aspectos da realidade enfrentada pelas populações vulnerabilizadas em decorrência da intensificação das políticas de austeridade em seus territórios. “Hoje, famílias inteiras são despejadas em SP pela especulação imobiliária. São cerca de 20 mil moradores vivendo em situação de rua, então quando a gente vê que morar é um privilégio, ocupar é um direito. A Plataforma andou dentro de malocas e de ocupações durante a missão e constatou que os brasileiros estão sendo exterminados a partir da retirada de seus direitos”, denunciou Carmen Silva.

Além de apresentado ao Senado, o documento será entregue ao Ministério Público Federal e às instâncias de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas.


“Este não é apenas um relatório, é uma ferramenta de luta da população brasileira, sobretudo dos defensores e defensoras de direitos humanos, dos movimentos sociais e das populações mais atingidas em seus direitos, seja pelo Estado ou pelos interesses do setor privado. Na véspera do aniversário da Constituição Cidadã de 1988, queremos evocar nosso direito à democracia plena”, afirma Denise Carreira, integrante da Coordenação da Plataforma Dhesca.

CRISE ECONÔMICA E AUSTERIDADE: PRECISA SER ASSIM?

Moralmente, a palavra austeridade é entendida como um valor positivo. Significa rigor, contenção, severidade. Na economia, porém, esse termo pode ganhar outra conotação: a da desigualdade. Uma política de “austeridade econômica”, via de regra, envolve o corte de despesas que são consideradas essenciais para a população, com vistas a reduzir gastos públicos em áreas como saúde, educação e moradia, além da diminuição de postos de trabalho. Ou seja: uma austeridade apenas para os pobres, não para os ricos, protegida por um discurso falacioso do sacrifício que esconde a realidade de grande sofrimento gerada na vida de crianças, jovens e adultos.

O Brasil enfrenta hoje a maior contração do PIB (Produto Interno Bruto) da história, superior a 7%, além dos índices mais alarmantes de desemprego já vistos: de acordo com os dados do último PNAD, são 13 milhões de pessoas sem ocupação formal. A partir de 2015, marco da promoção do desemprego, da queda de indicadores e da ruptura constitucional, o discurso da necessidade de redução das funções do Estado e de austeridade ganhou amplitude.

O Governo Federal vem promovendo iniciativas recentes, como a Emenda Constitucional 95 (que congela gastos públicos nos próximos vinte anos) e a Reforma da Previdência, que apontam para o gradual desmonte do Estado como indutor de políticas sociais e fragilizam trabalhadoras e trabalhadores, suas entidades, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. De maneira articulada, tem-se o aumento da repressão policial, da criminalização de movimentos do campo e da cidade e de defensores (as) de direitos humanos, além da intensificação de políticas racistas de contenção de conflitos sociais – sobretudo por meio do encarceramento em massa e de medidas socioeducativas.

O QUE É A RELATORIA

O objetivo da Relatoria, que teve início em abril deste ano, foi investigar os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro no último período na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população, e também no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país – em especial àquelas referentes a gênero, raça, campo/cidade, geracionais e entre regiões do país.

Os temas abordados nas missões (ou visitas) realizadas pela Plataforma Dhesca e parceiros foram: a violência nas favelas cariocas; a população em situação de rua e desempregada em São Paulo; a situação de abandono e criminalização enfrentada pelos povos indígenas de todo o país; o desmonte da política nacional de saúde, de saneamento e de assistência social em Pernambuco e o retrocesso das políticas agrárias aliado ao crescimento vertiginoso da violência no campo em Goiás.


Durante o processo das missões, foram coletados depoimentos, realizadas reuniões e ouvidos gestores públicos, além de especialistas, integrantes do sistema de justiça e movimentos sociais. As informações das missões integram um relatório nacional, composto também por análises de indicadores sociais e orçamentários, discussões jurídicas e econômicas e por recomendações ao poder público.

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil é uma rede formada por 40 organizações e articulações da sociedade civil, que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos, bem como na reparação de violações de direitos. Foi responsável pelo Brasil ter sido o primeiro país do mundo a criar, em 2002, Relatorias Nacionais de Direitos Humanos.

Acesse, no link a seguir, o Relatório Impactos da Política Econômica de Austeridade sobre os Direitos Humanos.

O AUMENTO DA VIOLÊNCIA POLICIAL NAS FAVELAS CARIOCAS

A missão especial sobre o aumento vertiginoso da violência nas favelas cariocas foi conduzida pelo Relator Nacional de Direitos Humanos da Plataforma Dhesca, o profº Orlando Alves dos Santos Júnior (IPPUR/Observatório das Metrópoles), com apoio de Melisandra Trentin (Coordenação da Plataforma Dhesca); e das pesquisadoras do Observatório das Metrópoles Larissa Lacerda, Taiana Sobrinho e Fernanda Amim Machado. A missão foi realizada entre os dias 9 e 11 de setembro de 2017.

Segundo o documento, as políticas econômicas de austeridade adotadas pelo Estado brasileiro, sobretudo a partir do golpe político de 2016, permitem identificar uma nova inflexão no padrão de relação do Estado com os territórios populares. Tais políticas incidem sobre o grave aumento da pobreza urbana, decorrente da redução dos programas sociais e do aumento do desemprego.

Ao mesmo tempo, percebe-se o agravamento da criminalização da pobreza e da militarização dos territórios ocupados pelos mais pobres, tornados inimigos na metáfora da “guerra às drogas” construída pelo poder público e pela grande imprensa. Assim, a partir da atuação policial pautada no estereótipo do inimigo resultante da punibilidade seletiva praticada pelas instituições policiais – e reforçada pelo judiciário -, os pobres e negros comporiam as “classes perigosas” a ser combatidas, o que justificaria as violações dos direitos humanos nas operações policiais nestas áreas.

Segundo o Atlas da Violência, publicado em 2017, o Rio de Janeiro é o estado que registrou o maior número de mortes em decorrência de intervenção policial – foram 926 pessoas assassinadas pela polícia apenas em 2015. Dados divulgados pelo próprio Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro – ISP, demonstram o aumento do recrudescimento da violência policial no cenário de crise do estado, considerando o aumento de 45,3% dos homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial (denominado autos de resistência) no primeiro semestre de 2017 em relação a 2016, subindo de 400 para 581 casos.

Quatro territórios tornaram-se emblemáticos desse processo de militarização e sua conexão com o genocídio negro no país: as favelas, as periferias (em especial a Baixada Fluminense), as ruas (atingindo a população vivendo em situação de rua) e o sistema penitenciário: todos ocupados majoritariamente pela população negra.

Na missão sobre a violência nas favelas cariocas, tomou-se o caso do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, como ilustrativo de uma situação que, de fato, é generalizada e atinge outras cidades no país. Os casos não esgotam as consequências irreparáveis do atual modelo de segurança pública implementado e mantido no país no decorrer de sua história. Apenas demonstram como a questão perpassa estruturas muito mais profundas desse sistema.

Acesse o documento Missão 3: Aumento vertiginoso da violência policial nas favelas do Rio de Janeiro.

 

Publicado em Notícias | Última modificação em 11-10-2017 20:53:34