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Privações habitacionais e desenvolvimento escolar

By 31/10/2012dezembro 13th, 2017Notícias
Privações habitacionais e desenvolvimento escolar

Crédito ONU Brasil

Privações habitacionais e desenvolvimento escolar: segregação na América Latina

A concentração territorial da pobreza torna-se um elemento crucial na reprodução das desigualdades, uma vez que conforma espaços socioeconômicos homogêneos, isola segmentos vulneráveis e impossibilita a convivência entre diferentes classes e grupos sociais. O INCT Observatório das Metrópoles tem investigado a segregação territorial, especialmente os aspectos geradores de obstáculos ao alcance da equidade escolar. Para avançar no debate, o instituto promoveu seminário com o professor Ruben Kaztman, que apresentou o relatório “Privações habitacionais e desenvolvimento do capital humano”. O documento conclui que na América Latina crianças que vivem em assentamentos precários apresentam, com mais frequência, déficit nos resultados educacionais.

O professor Ruben Kaztman é coordenador do Grupo de Estudos sobre Segregação Urbana (GESU) da Universidade Católica do Uruguai, e vem empreendendo há alguns anos pesquisas sobre a relevância do fenômeno da segregação urbana na explicação das novas modalidades de pobreza nas sociedades latino-americanas, com a finalidade de chamar atenção dos responsáveis das políticas sociais para a importância da dimensão espacial da intervenção pública orientada à promoção da integração social.

Durante o seminário “Territorio y cohesión social en las grandes ciudades de América Latina”, realizado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), na sexta-feira (26/10), Ruben Kaztman apresentou os resultados do documento “Infancia en América Latina: Privaciones habitacionales y desarrollo de capital humano”, preparado como marco do projeto CEPAL/UNICEF sobre pobreza infantil, desigualdade e cidadania.

Luiz Cesar Ribeiro, Mariane Koslinki, Ruben Kaztman e Marcelo Ribeiro

Seminário no Observatório das Metrópoles

Infância, desigualdade e cidadania

A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) em colaboração com a Oficina Regional para América Latina e Caribe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF-TATRO) desenvolvem desde 2008 a iniciativa “Infância, desigualdade e cidadania”, na qual se analisam as especificidades da pobreza infantil na região e se realiza uma medição multidimensional da mesma desde o enfoque de direitos, com o objetivo de proporcionar informação fidedigna, confiável e comparável que contribua à formulação de políticas públicas para a infância.

Dessa forma, o documento “Infancia en América Latina: privaciones habitacionales y desarrollo de capital humano” foi elaborado a partir das orientações de organismos internacionais para o aperfeiçoamento das condições habitacionais da infância, levando em conta as políticas públicas mais relevantes levadas a cabo pelos países da América Latina neste campo, e explorando empiricamente a significação que tem as variações de qualidade das condições habitacionais das crianças em desenvolvimento de seu capital humano, colocando especial atenção em suas realizações educacionais.

Ruben Kaztman conta que a iniciativa do estudo surgiu quando foi participar de uma conferência em Concepción sobre assentamentos precários, isto é, moradias construídas em terrenos não próprios e com condições precárias. Confirmou então que o Uruguai possuía 12% de assentamentos precários – dado semelhante à Argentina. No Chile, havia o fenômeno dos acampamentos que chegavam a um total de 100 mil moradias. “Tive acesso depois a dados educacionais que apontavam que somente 32% dos jovens uruguaios terminavam o ensino secundário. Esse fenômeno de baixo êxito educacional era semelhante em outros países da América Latina, embora apresentassem diferenças. A pergunta que levantei é se não havia uma relação entre as privações das habitações com o desenvolvimento educacional das crianças? Quer dizer, pensávamos que a educação era o melhor instrumento para a ascensão social; mas a investigação mostrou que a moradia também é importante. Se a criança vive em uma moradia precária, sem condições de saneamento, ou sem proteção contra intempéries naturais, ela terá mais dificuldades de realizar seus estudos”, explica.

Partindo do suposto que o desenvolvimento do capital humano na infância é a via mais importante para desativar os mecanismos de reprodução inter-geracional da pobreza, a pesquisa avançou na exploração dos efeitos das variações da qualidade das condições habitacionais em relação ao êxito educacional das crianças. A noção de qualidade das condições habitacionais refere-se a características principais do contexto físico no qual se produz a socialização das crianças, tal como a capacidade locativa das moradias em face do tamanho do lugar que as ocupa, os materiais utilizados em sua construção, a forma em que se abastece de água potável, assim como os meios utilizados para evacuação e processamento de água utilizada e a manutenção da higiene dos ocupantes. Em cada uma dessas dimensões, o estudo se questiona se a qualidade da habitação se encontra por cima ou por baixo do limiar requerido para o cumprimento dos direitos da infância.

A estrutura do relatório inclui uma primeira seção na qual se sintetizam as orientações elaboradas por organizações internacionais e regionais para o aperfeiçoamento das condições habitacionais da infância. Uma segunda seção revela algumas das políticas públicas levadas a cabo nos países latinoamericanos para elevar a qualidade geral das condições habitacionais da população e, em particular, as da infância. Katzman afirma ainda que é importante destacar que, tanto nas orientações internacionais como nas iniciativas nacionais, domina uma tendência que considera que os maiores riscos ao desenvolvimento do capital humano das crianças se localizam nos assentamentos precários.

Esses espaços se caracterizam pela superposição de fatores negativos para a socialização das crianças, incluindo a convivência no bairro, a fragilidade das configurações das famílias, assim como insuficiências nas condições habitacionais.  Neste texto se destacam os benefícios da segmentação dos assentamentos precários enquanto implicação ao tratamento integral dos fatores que incidem no desenvolvimento das crianças, ao mesmo tempo se alerta sobre os riscos de não atendimento de um grande número de famílias que não residem em assentamentos precários e que apresentam condições habitacionais inadequadas para a socialização primária.

Na terceira seção se analisam empiricamente as áreas urbanas de 17 países da região para explorar os efeitos da qualidade das condições habitacionais nos aspectos centrais do desenvolvimento do capital humano na infância. Os resultados da análise estatística respalda uma perspectiva segundo a qual o aperfeiçoamento da capacidade locativa das habitações, da qualidade de seus materiais de construção e de sua infraestrutura de saneamento e higiene fortalece a capacidade de socialização das famílias e, em particular, suas atitudes para complementar o trabalho que realizam nos centros de ensino. Consequentemente, os resultados sugerem a existência de um aporte significativo das desigualdades na relação entre as condições habitacionais na infância com as desigualdades de aquisição de conhecimento e créditos educativos chaves para o acesso às oportunidades de bem estar futuro.

Por último, cabe destacar ao menos três implicações acadêmicas e políticas desses resultados. A primeira é a confirmação da utilidade das análises multidimensional da pobreza quando se trata de enriquecer a compreensão dos mecanismos que contribuem à perpetuação desta situação na infância. Uma segunda implicação tem a ver com a forma em que se estruturam as relações entre educação e integração social, na medida que os resultados apontam para a relevância de tomar em conta as condições habitacionais para o êxito dos níveis mínimos de educação que requerem o bom funcionamento do sistema educativo. Em terceiro lugar, esses resultados colocam em questão a hierarquia do sistema educativo dentro da arquitetura nacional do bem estar, o qual deveria ser definido de maneira tal que permitisse fortalecer a capacidade da educação em demandar e articular apoios de outras esferas do Estado, entre as que se encontram e têm a ver com as condições habitacionais dos meninos, meninas e adolescentes estudantes.

Para ler o documento na íntegra, acesse o site da Cepal aqui.

 

 

Segregação residencial e oportunidades educacionais: estudos no Brasil

O Observatório das Metrópoles tem pesquisado (Linha II) o impacto da segregação residencial sobre as oportunidades educacionais por meio do projeto “Organização Social do Território e Desigualdades de Oportunidades Educativas”, dividido em duas frentes de pesquisa. A primeira “Escola e o efeito-vizinhança: o impacto da segregação residencial sobre o desempenho escolar de alunos do ensino fundamental” trata do “efeito-vizinhança” ou impacto da divisão social do território a partir da demanda da educação. Isto é, concentra-se na explicação do efeito da vizinhança sobre os resultados escolares dos alunos a partir de mecanismos de socialização.

Já a segunda “Políticas educacionais e segregação residencial: efeitos sobre a estratificação das escolas de ensino fundamental e médio” concentra-se na oferta da educação, isto é, trata do efeito da segregação residencial e de políticas educacionais sobre a estratificação das escolas. A proposta neste primeiro projeto tem sido responder as seguintes questões: (i) a segregação residencial característica dos aglomerados urbanos metropolitanos exerce impacto sobre resultados escolares, controlando pelo efeito da família e da escola? (ii) que mecanismos do efeito-vizinhança podem ser observados no contexto brasileiro? (iii) os diferentes modelos de segregação dessas cidades implicam em diferentes impactos sobre resultados escolares?

Entre os resultados, o instituto lançou em 2008 o livro “A Cidade contra a Escola: segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina”. A publicação contou com a colaboração do professor Ruben Kaztman e o Grupo de Estudos sobre Segregação Urbana (GESU) da PUC Uruguai; e os professores Bryan Roberts e Robert Wilson, da Universidade do Texas, em Austin.

 

Segundo o coordenador do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, o trabalho desenvolvido por Ruben Kaztman para a CEPAL/UNICEF trata dos pressupostos de comparação entre a relação das estruturas de oportunidades de ativos e desigualdades sociais, no caso as privações habitacionais e o impacto ao acesso de oportunidades de educação. “O encontro serviu para os pesquisadores do instituto apreenderem a metodologia a fim de desenvolvermos o mesmo tipo de pesquisa para as metrópoles brasileiras. Vamos usar os dados do Censo 2010 – com um número maior de variáveis -, além de incorporar o território. É um tipo de pesquisa inédita para o Brasil e poderá resultar em novos pressupostos”, afirma.