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Revista e-metropolis nº 26 — Ofício de Sociólogo: lançando luzes sobre a realidade social

A Rede INCT Observatório das Metrópoles promove o lançamento da nova edição da Revista eletrônica e-metropolis, que traz como destaque a entrevista com o renomado sociólogo argentino Ruben Katzman, ex-diretor do Programa de Pesquisa sobre Integração, Pobreza e Exclusão Social da Universidade Católica do Uruguai. Na entrevista com o título “Ofício de Sociólogo: lançando luzes sobre zonas obscuras da realidade social”, Katzman tece reflexões sobre a sua trajetória e debate temas como desigualdade, política social e educação. Segundo o sociólogo, para a superação da pobreza na América Latina é fundamental ter avanços reais da cidadania social sobre bases universais.

A entrevista com o sociólogo Ruben Katzman foi realizada pelo professor Marcelo Gomes Ribeiro, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR/ UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

A seguir um trecho da entrevista.

Ofício de Sociólogo: lançando luzes sobre zonas obscuras da realidade social

MR– Quais são os desafios atuais para a superação da pobreza urbana na América Latina? E qual o papel das grandes cidades frente a esses desafios, considerando que as grandes cidades não são apenas palco desta realidade, mas também veículos da condição urbana?

RK – Minha impressão é a de que os grandes desafios têm a ver com avanços reais da cidadania social sobre bases universais. Creio que nas últimas décadas temos visto na América Latina um maior avanço nesta ideia de direitos. Porém, na prática são muitos os segmentos da população que não contam com os recursos e as condições para tornarem mais efetivos esses direitos. Então, é desafiador gerar tais condições. Há muitas políticas hoje em dia que pretendem salvar esses segmentos, sendo, talvez, as principais delas políticas de transferências condicionadas de recursos, como os subsídios. Há muitas ações desse tipo. O fato é que essas ações não geram capacidades autônomas para que os domicílios possam melhorar suas condições de vida.

Do ponto de vista do papel da cidade, vocês sabem que as cidades, junto ao seu crescimento, têm duas consequências contraditórias. De um lado, tanto o trabalho como o direito de viver em âmbito densificados facilita a aprendizagem da convivência das desigualdades. Não há possibilidade de aprendizagem da convivência das desigualdades quando a população está dispersa, como a população dispersa em áreas rurais. Quando se vive dentro de uma cidade, a promessa de cidade é sempre a possibilidade dessa aprendizagem da convivência das desigualdades.

Por outro lado, surge o efeito oposto, porque as cidades também favorecem o processo de mercantilização dos serviços. E com a mercantilização dos serviços aumenta a segmentação em distintos âmbitos da ação: no mercado de trabalho, de ensino e lugares de residência. Quais os problemas com isso? É que as segmentações geram muitas resistências para o avanço da cidadania social sobre bases universais. Na realidade, as segmentações produzem setores com mais privilégios do que outros, em cada campo, no campo do trabalho, no campo educativo e no campo residencial. E esses privilégios costumam ativar uma espécie de reprodução ampliada das desigualdades, porque as segmentações estão conectadas umas com as outras, ou seja, ir a uma determinada escola faz com que suas possibilidades no mercado de trabalho sejam umas, e as oportunidades ocupacionais também incidem nas possibilidades de residir em determinadas zonas. Isso se chama de reprodução ampliada de desigualdades.

Desse ponto de vista, as cidades sempre se veem com um dilema – algumas têm que tomar decisões sobre a forma como elas serão organizadas: como favorecer a aprendizagem da convivência nas desigualdades, cujas implicações são muito importantes para o fortalecimento da democracia, para a emergência de coalizões entre classes médias e classes baixas, sociais e políticas? Como fortalecer isto tudo com o objetivo de mitigar e amortizar os impactos da mercantilização e da segmentação dos serviços, já que à medida que isso se ativa as possiblidades dos setores populares, dos pobres, passam a ficar muito limitadas. A possibilidade de mobilidade social se vê muito limitada.

MR – Na primeira década do século XXI, vários países latino- americanos, em maior ou menor grau, voltaram a experimentar políticas macroeconômicas desenvolvimentistas, em direção contrária à experiência neoliberal dos anos 1990. O senhor concorda com essa afirmação? E nesse contexto, como o senhor avalia a relação entre a condição urbana e a cidadania?

RK – Efetivamente, eu creio que esteja havendo em alguns países da região uma reação aos programas neoliberais. Creio que até o momento ocorreram algumas contribuições muito importantes para enfrentar as situações de riscos, como as que afetam a terceira ou quarta idade, os desempregados, os informais e a infância em domicílios vulneráveis. Fora isto, minha impressão é que muitas dessas medidas correm o risco de estarem às voltas com uma dinâmica clientelista. Creio que também exista uma espécie de aproveitamento perverso desta articulação entre pobreza, programas sociais, subsídios e, especialmente, clientelismo político.

Clientelismo político através de tino político, que explora o controle e a concessão deste tipo de subsídios com fins eleitorais. Creio que seja um grande perigo e, neste momento, temos evidências claras de que não é só um perigo virtual, mas algo que está acontecendo. Vemos, na realidade, dois perigos: por um lado, o não fortalecimento das capacidades autônomas dos domicílios para melhorar as suas condições de vida; por outro lado, a dependência dos sistemas clientelistas, que tem a ver muito com questões eleitorais. Isto está muito relacionado com a segunda parte da tua pergunta, referente à noção de cidadania, porque novamente a cidadania implica em direitos. E o cumprimento desses direitos se vê limitado quando há uma participação de tipo clientelista, com controle de tipo clientelista, na concessão e no cumprimento desses direitos.

MR – Para o senhor há uma mudança das matrizes socioculturais nos países da América Latina dos anos 1990 para hoje?

RK – Sim, me parece muito claro que há. Creio que por todos os lados exista uma espécie de revolução de expectativas, que tem a ver com o processo de urbanização. Recordemos que a América Latina, nos anos 1950, tinha menos de 50% da população urbana, em geral; hoje em dia deve estar em 75% ou 80%, com países que estão com mais de 90%. A urbanização consiste em dizer que as pessoas entram em contato de modo muito mais intenso umas com as outras e com seus meios. Estão mais informadas. A revolução educativa também é formidável. Assim como os meios de comunicação. E, finalmente, também há a incorporação ao discurso eleitoral quanto à legitimidade de direitos. Existe uma expectativa muito forte pela implementação desses direitos, e ela está permeada por várias informações.

Assim sendo, a legitimidade dos velhos regimes, em geral, hoje em dia está muito em baixa, inclusive em países como a Bolívia, isso é muito claro. A Bolívia é um país que sofreu uma revolução cultural. E apostou no caráter étnico como epicentro do seu imaginário coletivo junto a um presidente que dis- põe de um apoio popular muito grande. Há os casos, também, de outros países andinos onde os regimes hierárquicos cujos superiores tinham pretensão justa- mente de “superioridade” considerada legítima, mas isso já não funciona assim. Eu acho que hoje em dia, como você bem disse, nos últimos 20 ou 30 anos, tem havido mudanças formidáveis que explicam a resistência pelos setores subordinados a qualquer pretensão de superioridade dos de “cima”. Creio que seja essa a razão de que tudo isso esteja ocorrendo em contextos democráticos. Agora estamos vendo as dificuldades que a democracia tem para resolver esses problemas internos.

Leia a entrevista completa de Ruben Katzman na edição nº 26 da Revista e-metropolis.

EDIÇÃO 26

A revista eletrônica e-metropolis é uma publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas teórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins.

É direcionada a alunos de pós-graduação de forma a priorizar trabalhos que garantam o caráter multidisciplinar e que proporcionem um meio democrático e ágil de acesso ao conhecimento, estimulando a discussão sobre os múltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.

EDITORIAL

Caros leitores e leitoras, é com muita satisfação que apresentamos a 26a edição da Revista e-metropolis. O presente número inicia com o artigo Bahia urbana – a política de desenvolvimento urbano do estado da Bahia: planejamento e governança, escrito pelo professor e pesquisador Luiz Augusto Maia Costa e que aborda uma iniciativa pioneira na gestão democrática das cidades no contexto recente das políticas de planejamento urbano no Brasil. Após apresentar um panorama da questão urbana no Brasil pós-88, o autor discute as particularidades das políticas de desenvolvimento territorial postas em prática no estado da Bahia, destacando o aspecto inovador acerca da prioridade conferida à participação democrática no seu processo de concepção e implantação, baseado no controle social e na transversalidade.

Esse debate sobre as políticas de desenvolvimento territorial segue no artigo Rio Criativo: O projeto Porto Maravilha em questão, de Rui Sardinha Lopes e Natália Fragalle, focando a discussão nas consequências negativas da transformação de uma área específica da cidade do Rio de Janeiro sobre população menos favorecida em termos socioeconômicos, a despeito do discurso criado sobre as supostas vantagens do planejamento estratégico enquanto oportunidade para dinamizar economias locais. O ponto de vista crítico dos autores defende que essa perspectiva não opera de forma a proporcionar uma melhoria na qualidade de vida dos habitantes da região e muito menos as possibilidades de gestão democrática do território.

No artigo seguinte – Governança Metropolitana: a permeabilidade dos arranjos institucionais de gestão metropolitana às organizações societárias: estudo de caso das RMs de Belo Horizonte, Campinas e Maringá, PR – a autora Lucia Nunes discute a permeabilidade dos arranjos institucionais da gestão metropolitana no Brasil às organizações societárias, tendo como referência as três regiões citadas. Ela busca demonstrar que os arranjos institucionais onde os representantes do Governo, empresários e a sociedade civil se reúnem espontaneamente para discutir os problemas das cidades são mais eficientes para desenvolvimento territorial.

Por fim temos o artigo Flexibilização da produção e recomposição da formação e do emprego, escrito pela socióloga Carolina Zuccarelli, que debate o impacto da reestruturação produtiva da recomposição da formação e do emprego e suas dinâmicas nas regiões metropolitanas do país. A autora demonstra que o número de diplomados com ensino médio e superior cresce em todas as ocupações, mas foi naquelas que formalmente requerem níveis de competência menores que aconteceu maior crescimento. Além disso, observa que as consequências da reestruturação produtiva não parecem divergir consideravelmente entre as regiões metropolitanas analisadas, embora alguns fenômenos possam ser agravados por condições e especificidades locais.

Contamos também na presente edição com o belíssimo ensaio fotográfico da artista-pesquisadora Mariana Corteze, que nos brinda com uma série fotográfica desenvolvida em Portugal entre os anos de 2012 e 2014. Série em que a autora procura retratar a ausência de experiência e o encapsulamento urbano, durante um período (em suas palavras) “de exílio, quando estava desalojada de mim mesma”.

Como a cidade é/foi significada em diversas materialidades discursivas?, essa pergunta orienta o relato apresentando em nossa seção especial intitulada Memória e mídia no discurso sobre a cidade: o Grupo Discurso & Cidade, texto sobre a experiência intelectual coletiva do grupo de pesquisa coordenado pela professora Lucia Ferreira do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO. O grupo expõe sua proposta de investigação sobre a constituição da memória social segundo a perspectiva da linguagem.

E finalizamos a edição com a entrevista do renomado sociólogo argentino Ruben Katzman (ex-Diretor do Programa de Pesquisa sobre Integração, Pobreza e Exclusão Social da Universidade Católica do Uruguai) concedia ao professor Marcelo Ribeiro que atua como professor e pesquisador do Observatório das Metrópoles. Katzman fala de sua história e dos fatos políticos relacionados ao seu ofício de sociólogo. Decorrente das reflexões estimuladas durante a entrevista, o autor escreveu uma notal sobre um dos seus temas preferidos: a vulnerabilidade social. La noción de vulnerabilidade y sus ambiguedades encontra-se também publicada nesta edição.

Agradecemos aos que contribuíram com esta edição e desejamos uma boa leitura a todos.

Leia a edição completa da Revista e-metropolis nº 26.