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Está aberta até o dia 31 de julho a chamada de trabalhos para o Dossiê 100 anos de Darcy Ribeiro: Nuestra America e a Civilização no Século XXI, organizado pela Revista Reoriente, associada ao Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEHC/UFRJ).

O dossiê, com previsão de publicação em outubro de 2022, será coordenado pelos professores Jales Dantas da Costa (UNB), Joana das Flores Duarte (UNIFESP) e Marcos Pedlowski (UENF).

A chamada pretende reunir contribuições sobre os seguintes tópicos:

  • Qual o papel do Brasil, da América Latina e dos trópicos na construção de uma nova civilização da humanidade no presente século?
  • Quais os caminhos e desafios da Integração latino-americana no tempo presente?
  • Quais os percursos e desafios dos processos de emancipação dos povos de Nuestra América?
  • Como enfrentar o imperialismo e as estruturas internas de dominação da América Latina em nossa época?
  • Qual o panorama da questão indígena no presente século?
  • Quais os caminhos de um desenvolvimento autônomo, sustentado e socialista no Brasil?

A seguir, confira a apresentação:

O processo civilizatório até aqui não solucionou os dramas da humanidade. Seguimos afligidos pelos horrores do modo de produção capitalista, hoje ainda mais do que ontem, pela degradação ambiental e sua ameaça de extinção da vida humana e demais seres vivos na Terra. O legado da civilização industrial e de sua ordem privatista obsoleta nem libertou o ser humano do mundo do trabalho, nem erigiu o paraíso terrestre, salvo para um punhado de parasitas. Tanto pior para as sociedades do mundo periférico e dependente, cujas carências ainda são múltiplas, de soberania frente a potências imperialistas, autonomia para bem decidir o que fazer com suas fontes de riquezas naturais, de participação ativa de seus povos na vida política de suas nações, de libertação do trabalho escravizante e alienado etc. O desafio latino-americano, bem como o de outros continentes do velho Terceiro Mundo, ainda é o de superar o atraso civilizacional a que foram submetidos ao longo dos séculos. Erigir um porvir livre das desgraças acima enunciadas, erradicar de vez a miséria, pobreza, desigualdades e injustiças, erguer o reino da liberdade, paz, alegria e fartura para os povos e demais seres vivos.

Dói na alma saber que os problemas do Brasil tantas e tantas vezes denunciados por Darcy Ribeiro persistem e resistem ao tempo, saber que ainda somos “um moinho de gastar gentes”, um “proletariado do mercado externo” prontos a “servir aos reclamos alheios”; que nossa gente, uma vez mais, “se não morre de fome, vive com fome”, fruto de uma política deliberadamente genocida. Sabemos os reais motivos de tantas mazelas, pois aprendemos com nossos mestres antepassados e com nossa própria vivência a identificar nas classes dominantes nossos algozes, a quem produz e reproduz uma desigualdade cruel e nos ata ao cativeiro e a pobreza. Esta elite retrógrada é a grande responsável por nosso atraso civilizacional.

A obra de Darcy Ribeiro destaca-se como uma das mais importantes do pensamento crítico latino-americano. Entre os temas a que mais se dedicou está o estudo das civilizações e dos processos civilizatórios, a originalidade da América Latina enquanto parte da construção de um projeto de civilização mundial, bem como as principais características de suas estruturas internas e a singularidade do Brasil como Estado e formação social particular. Tais temáticas são desenvolvidas pelo autor, principalmente, em seus estudos de antropologia da civilização, tais como: O Processo civilizatório (1968), As Américas e a civilização (1970), Os Índios e a civilização (1970), Os Brasileiros – Teorias do Brasil (1972), Configurações histórico-culturais dos Povos Americanos (1975), O Dilema da América Latina (1978) e O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995).

Darcy dedicou-se a entender a América Latina como uma formação social original inscrita no estabelecimento de civilizações mundiais, impulsionadas pela expansão da economia mundial capitalista que assumiu as formas de colonialismo mercantil e escravista, de imperialismo e neocolonialismo, e de revolução industrial, abrindo o espaço para as disputas sociais, políticas, ideológicas e econômicas com as formações socialistas emergentes, como formas de contrapoder. Estas civilizações mundiais impostas, dirigidas e hegemonizadas pela expansão europeia levaram a criação de três grandes padrões de formação social na América Latina: os povos testemunho, que articulam de forma conflitiva e contraditória os seus processos civilizatórios pré-capitalistas à modernidade europeia e anglo-saxã e suas estruturas de dominação; os povos novos, onde se inscrevem os brasileiros, os antilhanos e os grã-colombianos, marcados pelo imenso deslocamento de populações africanas para assentar a exploração colonial sobre o trabalho escravo, seu encontro com a burguesia criolla, com a imigração europeia, associada à transição ao assalariamento, e com os povos originários; e os povos transplantados onde o processo de dominação colonial e pós-colonial vinculou os processos de exploração à forte imigração europeia, estabelecendo drástica colisão com os povos originários.

O autor menciona ainda que os processos civilizatórios tendem a dar um salto tecnológico com o desenvolvimento da ciência na segunda metade do século XX, colocando no horizonte do futuro a criação de uma civilização da humanidade baseada em sociedades lastreadas em um socialismo de novo tipo. Darcy situava então, de forma pioneira, as revoluções termonuclear e eletrônica como precursoras de uma nova base tecnológica que impulsionaria processos de aceleração e atualização históricos. Tais processos de aceleração não atuariam de forma unívoca.  A apropriação da nova base tecnológica pelas classes dominantes da civilização mundial capitalista geraria forças regressivas e destrutivas que poderiam colocar em risco a sobrevivência da humanidade. A transição para uma sociedade mundial socialista dependeria das lutas sociais e políticas no interior dos Estados e no espaço internacional.

Para Darcy Ribeiro, na construção de um socialismo de um novo tipo no século XXI, a América Latina teria uma contribuição chave, destacando-se nela o papel do Brasil. Diferentemente de outros povos latino-americanos como os povos testemunho, cindidos no confronto entre duas altas civilizações, ou dos povos transplantados, onde a invasão europeia esmagou os povos originários, os brasileiros e os povos novos são povos em fazimento, impedidos de sê-lo. Povos onde a mestiçagem foi um ato histórico fundamental para a constituição de uma nova classe trabalhadora que, entretanto, encontra-se impedida pelas classes dominantes de exercer sua liberdade e dirigir o seu destino. O autor considera, assim, o Brasil, potencialmente, uma nova Roma, com dimensão tropical, e capacidade de impulsionar o sonho bolivariano de uma América Latina, unida em sua diversidade contra o imperialismo anglo-saxão, para realizar sua vocação de constituir-se em um dos centros da civilização da humanidade. Tal Brasil só poderá emergir, entretanto das lutas sociais e políticas e da construção de um novo socialismo.

A partir desta contribuição central de Darcy Ribeiro sobre as relações entre civilização, América Latina, imperialismo e emancipação, de um lado, e da transição histórica que vivemos, de outro, onde a sobrevivência da humanidade depende cada vez mais da construção de uma civilização ecológica, democrática e plural, voltada para as grandes necessidades públicas de saúde, educação, cultura e lazer, para erradicação das grandes desigualdades, do imperialismo e da guerra, e para afirmação da diversidade e da diferença como medida de riqueza, chamamos os interessados/interessadas a enviarem suas contribuições sobre os seguintes tópicos:

  • Qual o papel do Brasil, da América Latina e dos trópicos na construção de uma nova civilização da humanidade no presente século?
  • Quais os caminhos e desafios da Integração latino-americana no tempo presente?
  • Quais os percursos e desafios dos processos de emancipação dos povos de Nuestra América?
  • Como enfrentar o imperialismo e as estruturas internas de dominação da América Latina em nossa época?
  • Qual o panorama da questão indígena no presente século?
  • Quais os caminhos de um desenvolvimento autônomo, sustentado e socialista no Brasil?

Saiba mais sobre a chamada em: revistas.ufrj.br/reoriente

A Revista Reoriente objetiva articular o pensamento crítico sobre marxismo, dependência, sistemas-mundo, imperialismo, colonialidade, emancipações e desenvolvimento para impulsionar uma ofensiva científica, ideológica, brasileira, latino-americana e mundial voltada para as necessidades do nosso tempo, marcado por crises de paradigmas, transições, insurgências e reações conservadoras.

Com periodicidade semestral, a publicação tem como público-alvo cientistas sociais, internacionalistas, economistas, geógrafos, assistentes sociais, planejadores urbanos, filósofos e demais pesquisadores do campo das humanidades com temáticas afins às indicadas pela Reoriente.