Skip to main content

Sobre a decadência do Centro Histórico de Porto Alegre

Coletivo A Cidade que Queremos PoA (RS) divulga o texto “Sobre a decadência do Centro Histórico de Porto Alegre”, assinado por Paulo Roberto Rodrigues Soares, professor do Departamento de Geografia da UFRGS e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles. Na análise, Soares debate o futuro da capital do Rio Grande do Sul tendo como perspectiva as questões envolvendo o seu centro histórico, especialmente a sua recuperação como espaço público de convivência e interação social para toda a cidade e região metropolitana. O texto também refuta os argumentos mais conservadores e higienistas relativos à apropriação do centro pelas camadas populares.

Coletivo A Cidade que Queremos foi criado por organizações e movimentos sociais de Porto Alegre em 2015 como um espaço público de articulação e debate da cidadania sobre o presente e o futuro da cidade de Porto Alegre. De caráter plural, e sem filiação partidária, o coletivo adota a diversidade de demandas, de proposições e das formas de ação coletiva relativas às políticas públicas e a ocupação e uso do espaço urbano, sempre orientados pelos princípios que historicamente constituíram a luta nacional pela reforma urbana, pela gestão democrática das cidades e pelo respeito ao ambiente natural, preceitos esses consagradas na Constituição de 1988 e posteriores regulamentações, como é o caso do Estatuto da Cidade, lei que deve ser seguida pelos municípios do país.

Pesquisadores do Núcleo Porto Alegre da Rede INCT Observatório das Metrópoles integram o coletivo, buscando atuar no monitoramento urbano local.

SOBRE A DECADÊNCIA DO CENTRO HISTÓRICO DE PORTO ALEGRE – POR PAULO ROBERTO RODRIGUES SOARES

Paulo Roberto Rodrigues Soares*

Entre as diversas discussões sobre o futuro de Porto Alegre, uma das questões mais importantes é a do Centro Histórico, especialmente da sua recuperação como espaço público de convivência e interação social de toda a cidade e região metropolitana. O debate é complexo e tem espaço para o mais variado tipo de propostas e opiniões, inclusive algumas que, mesmo reproduzindo argumentos já desgastados e do senso comum, ainda ganham eco nos meios de comunicação.

Por exemplo, em seu artigo “Era uma vez o Centro Histórico” (Sul 21, 21/03/2017) o vereador Adeli Sell afirma que “a decadência do Centro Histórico iniciou quando se deu permissão, nos anos 60, para que ali atuassem camelôs”. Na continuação do artigo o articulista ataca as “ilegalidades” presentes no centro de Porto Alegre e finaliza dizendo que devemos combate-las e devolver o centro e a própria cidade “para as pessoas”. Devolver o centro e a cidade para as pessoas: nisto estamos de acordo. Mas ficamos por aqui.

Em um comentário sobre o artigo considerei o mesmo higienista, afirmando ainda que o nobre Adeli apresentava conhecimentos parciais de história e geografia urbanas. Primeiramente, porque o Centro é o coração e a alma da cidade, não pertence a um ou outro grupo social e sim a todos que a construíram histórica e culturalmente.

Existem diversas causas para a decadência do(s) centro(s) histórico(s). Coloco no plural porque o caso não se restringe a Porto Alegre, atingindo grande parte das metrópoles e cidades médias. Mas se formos ficar apenas na capital podemos citar a supervalorização imobiliária ocorrida nos anos 60 e 70 do século XX e a consequente verticalização com construção especulativa de edifícios de escritório, muito além das necessidades da cidade, o que esvaziou áreas do centro que poderiam ser ocupadas por moradores. O não planejamento das estruturas de transporte coletivo e a transformação de ruas em terminais de ônibus também desvalorizou diversos setores do centro, sendo maiores exemplos a Avenida Salgado Filho e a – outrora – Praça Parobé.

Logo, a ocupação por camelôs é consequência, além do modelo econômico excludente, desta superconcentração de comércio, serviços e consumidores (os ambulantes estão onde o povo está!). O próprio comércio formal deu a sua contribuição, desvalorizando a arquitetura tradicional e a paisagem urbana do centro com grandes fachadas de imenso mau gosto. Sobre este último não podemos dizer que seria um processo inevitável, pois bem próximo a nós, em Buenos Aires e Montevideo, a tradicional arquitetura do centro continua visível na fotografia urbana.

Outro articulista costumaz sobre as questões do centro histórico (Fernando Albrecht do Jornal do Comércio) reiteradamente afirma em seus artigos que “a classe média foi expulsa do Centro a partir do início dos anos 1990”. Só não sabemos expulsa por quem, pois a partir dos anos 1980, o que vimos foi que a elite foi se retirando do centro por não querer conviver com os mais pobres e os equipamentos de maior status entraram em decadência. Os cinemas de calçada foram desaparecendo e recolhendo-se aos shoppings. Assim como o comércio de luxo assombrado pela violência urbana. Restou o comércio popular e as atividades de baixo prestígio.

Ou seja, o que o vereador e o articulista veem como causa da decadência do centro nós vemos como consequência. Por isso entendemos estas posições como “higienistas”, pois pretendem “limpar” o centro sem atacar as causas do seu declínio. Ou mesmo com todas as políticas de recuperação dos últimos anos (centros culturais, por exemplo) a elite voltou para o Centro?

No mundo e no Brasil as cidades vivem um momento especial em termos de valorização da cultura urbana, das reuniões e eventos de rua (shows, apresentações artísticas, feiras e festivais gastronômicos). Em Porto Alegre, uma legislação restritiva e conservadora, imposta nos últimos anos afasta muitos destes eventos do Centro. Quem sabe atraindo e permitindo mais eventos no Centro Histórico aliado a outras políticas de recuperação (limpeza, segurança) não começamos a reverter a situação devolvendo a cidade para todas as pessoas, sem distinções.

* Professor do Departamento de Geografia da UFRGS. Pesquisador do Observatório das Metrópoles.