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Denise Elias¹
Via Outras Palavras

Aumenta a compreensão de que as transformações das formas de uso e ocupação do espaço agrícola brasileiro, com a expansão de commodities e a destruição de uma das mais importantes biodiversidades do planeta, entra na fatura da dívida das corporações do agronegócio com o povo brasileiro.

Porém, o que talvez ainda seja pouco conhecido é o papel que o agronegócio desempenha na expansão da urbanização no país. Especialmente nas últimas três décadas, o agronegócio foi responsável pela (re)estruturação não só do espaço agrícola, mas também do espaço urbano e regional em diferentes partes do Brasil. Discutir essa urbanização associada ao agronegócio e algumas de suas principais características é o objetivo do presente artigo.

Um tipo de cidade vem ganhando destaque na rede urbana brasileira, são as denominadas cidades do agronegócio. De maneira geral, essas são cidades de pequeno e médio portes e resultam da expansão da urbanização inerente às novas formas de uso e ocupação do território brasileiro associadas à reestruturação produtiva da agropecuária e à expansão da economia e da sociedade do agronegócio globalizado.

Considerando-se a gama de atividades que compõem o agronegócio, é notório que não se localizem e nem se realizem somente no campo, mas também nos espaços urbanos de vários estratos da rede urbana. É na cidade que se processa parte da materialização das condições gerais de reprodução do capital do agronegócio, como atividades de comando, de fornecimento de uma gama diversa e complexa de produtos, serviços e mão de obra especializados. Tais demandas acabaram por intensificar a urbanização brasileira, realidade presente em todas as áreas onde o agronegócio se difundiu, apesar de suas muitas especificidades.

As cidades do agronegócio possuem distintos níveis de urbanização, mas, de maneira geral, são espaços urbanos não metropolitanos nos quais ocorre a gestão local e regional de suas atividades. Esses locais oferecem as respostas imediatas às necessidades técnicas, científicas, financeiras, logísticas e de mão de obra para o agronegócio, ou seja, são pontos fundamentais na rede de relações econômicas, sociais, políticas e de logísticas do agronegócio.

Sinop – MT. Foto: Prefeitura Municipal de Sinop/MT.

Essas cidades exercem centralidade em amplas regiões produtivas de commodities e constituem-se enquanto elo entre esses espaços agrícolas – extremamente racionalizados com altos índices de ciência, tecnologia, informação e capital – e o espaço urbano-regional. Assim, as cidades do agronegócio devem ser entendidas a partir de suas interações com os espaços agrícola e regional.

Via de regra, nas cidades do agronegócio localizam-se as indústrias esmagadoras de soja, os frigoríficos de aves, suínos e bovinos, as lojas de agrotóxicos e máquinas agrícolas, os bancos especializados em crédito para o agronegócio, as empresas de pesquisa agropecuária etc. Essas cidades também abrigam os trabalhadores agrícolas não rurais, aqueles que exercem atividades agropecuárias, mas residem nas cidades, sejam ou não especializados, da mesma forma que os funcionários das agroindústrias, dos silos, os proprietários dos estabelecimentos agropecuários, entre outros.

Em algumas das cidades do agronegócio não é incomum que estabelecimentos industriais, armazéns, lojas de tratores e outros comércios e serviços associados ao consumo produtivo do agronegócio estejam localizados dentro do próprio perímetro urbano principal da cidade, junto às mais valorizadas áreas residenciais.

As cidades do agronegócio existem em todo o Brasil. Algumas são mais antigas e encontram-se em permanente processo de (re)estruturação, enquanto outras já nascem como fruto da difusão do agronegócio e da divisão do trabalho por ele estabelecida, especialmente nas fronteiras agrícolas.

Essa tipologia de cidade é um exemplo efetivo do uso do território brasileiro para atender os interesses das corporações do agronegócio. Citemos algumas: Sinop, Sorriso, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde (MT); Balsas (MA); Uruçuí (PI); Rio Verde (GO); Ribeirão Preto (SP); Luís Eduardo Magalhães (BA); Petrolina (PE); Chapecó (SC); Dourados (MS); Uberlândia (MG); Passo Fundo (RS), entre várias outras.

Consumo produtivo e especialização das cidades do agronegócio

O agronegócio possui inúmeras demandas de produtos, serviços e mão de obra. Assim sendo, as cidades do agronegócio são extremamente especializadas no atendimento a essas diversas demandas. De maneira geral, os agentes do agronegócio têm poder de impor especializações econômicas e espaciais cada vez mais profundas a esses espaços urbanos. Assim, as cidades do agronegócio são aquelas cujas funções inerentes ao agronegócio são, em vários casos e especialmente nas cidades menores, hegemônicas sobre as demais funções. Em muitas dessas cidades pode ser mais simples adquirir uma colheitadeira da geração 4.0 que um jornal impresso da capital do estado a qual pertence, evidenciando a supremacia do consumo produtivo para atender o agronegócio sobre o consumo consumptivo voltado à vida cotidiana dos citadinos.

Nas regiões onde se processam a reestruturação produtiva da agropecuária e a difusão do agronegócio, é recorrente que as cidades expandam suas economias urbanas associadas ao consumo produtivo. Tais cidades são marcadas, também, por processos migratórios significativos de pessoas que vêm em busca de trabalho. Tudo isso está entre os vetores de incrementos não só da economia urbana, mas também pode ser apontado como fator causal da (re)estruturação de várias cidades, de complexas relações campo-cidade, do incremento da urbanização e de novas regionalizações.

Em virtude de cada commodity(cana, soja, café, carnes, milho etc.) apresentar necessidades específicas de produtos e serviços (as da soja são diferentes das da cana-de-açúcar, que diferem das do milho que, por sua vez, são distintas das de produção de frutas tropicais etc.), as cidades do agronegócio são cada vez mais especializadas e, a despeito de haver inúmeras similitudes entre elas, suas respectivas economias apresentam distinções entre si, diferenciando, muitas vezes, os ramos do comércio e dos serviços associados ao consumo produtivo, assim como a própria (re)estruturação da cidade.

A economia urbana inerente ao consumo produtivo do agronegócio na cidade de Petrolina, em Pernambuco, que comanda importante região produtora de frutas (especialmente uva), guarda pouca semelhança com a economia urbana de cidades associadas à produção e transformação industrial da soja, como Luís Eduardo Magalhães, na Bahia (que compõe a chamada região de Matopiba), ou Sorriso, no Mato Grosso, entre outros exemplos.

Leia o artigo completo, acesse: outraspalavras.net/cidadesemtranse/uma-radiografia-das-cidades-do-agronegocio

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¹ Geógrafa e doutora em geografia humana, professora da UECE, pesquisadora do CNPq, da Reagri (Rede de Pesquisadores sobre Regiões Agrícolas) e da ReCiMe (Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias) e também colaboradora da Rede BrCidades. Integra o Núcleo Fortaleza do Observatório das Metrópoles.