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Vida Social e Política nas Favelas: pesquisa de campo no Complexo do Alemão

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) promove o lançamento, no dia 30 de junho, do livro “Vida Social e Política nas Favelas: pesquisa de campo no Complexo do Alemão”, resultado da parceria com o Instituto Raízes em Movimento. A publicação busca contribuir para a compreensão dos arranjos institucionais que viabilizam as ações públicas nas favelas, e dos mecanismos de participação política dos moradores. O resultado é uma coletânea que convida o leitor a uma reflexão para além do postulado da ausência do Estado nestas áreas, ao resgatar o histórico das ações governamentais nestas favelas, e aspectos da vida social e cultural que aí se desenvolvem.

Segundo o presidente do Ipea, Jessé Souza, o livro “Vida Social e Política nas Favelas” é um resultado do projeto Políticas Públicas para as Favelas: Passado e Presente, que amplia a produção do Ipea já consolidada em diagnósticos e acompanhamento das políticas voltadas para os assentamentos precários, ao tratar de políticas públicas em favelas em uma perspectiva institucional e histórica.

O livro é resultado também de uma parceria entre o Ipea e o Instituto Raízes em Movimento, que tem sede e atuação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A publicação tem como matéria-prima um conjunto de pesquisas de campo realizadas por pesquisadores e professores universitários de diversas instituições – além do Ipea, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal Fluminense (UFF), o Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que participaram dos encontros organizados pelo Instituto Raízes ao longo dos anos de 2011 a 2015.

Leia também: Entrevista Alam Brum — Complexo em Movimento (Revista e-metropolis)

LANÇAMENTO

Vida Social e Política nas nas Favelas: pesquisa de campo no Complexo do Alemão

Data: 30 de junho

Horário: 16 às 18h

Local: Ipea, Rio de Janeiro, Av. Presidente Antônio Carlos, 51, auditório do 10º andar

Informações: ingrid.ramos@ipea.gov.br

***É necessário a confirmação da presença: eventos@ipea.gov.br

INTRODUÇÃO

Rute Imanishi Rodrigues*

Todos os autores e autoras deste livro participaram de atividades promovidas pelo Instituto Raízes em Movimento, no Complexo do Alemão, nos últimos anos. Estas atividades reuniram pesquisadores, moradores locais, servidores públicos, entre outros. Desta convivência nasceu o projeto de um livro que visava unir a produção do Ipea sobre as políticas públicas para as favelas à produção de outros pesquisadores, com experiência acumulada sobre o tema e que realizavam pesquisas de campo no Alemão. Os autores e as autoras desta publicação aceitaram o convite do Ipea e, assim, ajudaram a contar neste livro um pouco da história e da vida social e política do Complexo do Alemão.

O livro apresenta uma coletânea de artigos que fazem vislumbrar as favelas a partir de um ponto de vista comum, no sentido físico do termo, que é o ponto de vista da pesquisa de campo. A despeito da diversidade dos princípios de partida e das conclusões de chegada, todos os autores e autoras desta coletânea, moradores locais ou não, vivenciaram, de diferentes maneiras, o espaço físico e a sociabilidade dessas favelas.

Talvez por esse motivo os textos aqui reunidos transmitam uma relação de proximidade com as pessoas das favelas, afastando ideias carregadas de preconceitos e estigmas automaticamente associados a elas, de modo geral, e a este complexo de favelas, em particular. Além disso, a maior parte dos textos foi redigida em um período marcante da história das favelas do Alemão, que se deu a partir das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Tais eventos trouxeram esperanças e também frustrações, e foram referências importantes para boa parte das pesquisas aqui reunidas.

O livro começa com um texto sobre a formação histórica do campo de atuação de agentes governamentais, pesquisadores, ativistas sociais e moradores das favelas do Rio de Janeiro. Em seguida, apresenta-se um conjunto de textos que abordam a atuação do Estado nas favelas do Complexo do Alemão, sempre com um olhar atento sobre a participação dos moradores nos arranjos institucionais que viabilizaram as políticas públicas. Na sequência, o leitor encontrará um conjunto de textos em que a sociabilidade nas favelas é tratada em primeiro plano. Aborda-se com profundidade a vida social nesse meio, até o epílogo, no qual apresentamos um texto livre e ilustrado, sintetizando o que é o Complexo do Alemão do ponto de vista de dois autores (texto e ilustração) que nasceram no Complexo e participam ativamente de sua vida social e política.

No primeiro capítulo, Marize Bastos da Cunha captura algumas cenas históricas que corroboram o entendimento dos significados que a participação popular assumiu nos dois lados das políticas públicas para as favelas: das formulações e práticas políticas governamentais, e das visões e experiências dos moradores das favelas. O texto traz alguns momentos fundamentais à compreensão da forma pela qual a participação popular se constitui como uma dimensão importante que se enraíza no campo da luta social e política nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, desde os anos 1950.

No segundo capítulo, faço uma reflexão sobre o papel das intervenções governamentais no processo histórico de construção das favelas que hoje fazem parte do Complexo do Alemão, para o período de 1950 até meados da década de 1990. Para tanto, utilizo os resultados das pesquisas que coordenei no âmbito do Ipea sobre o histórico fundiário e a memória dos moradores da área. Ao longo do texto, procuro identificar os arranjos institucionais que viabilizaram as intervenções do Estado para a urbanização das favelas da região, até a sua definição como um bairro, destacando o papel das associações de moradores.

No terceiro capítulo, Thiago Oliveira Lima Matiolli se propõe a responder a seguinte pergunta: quando se tornou possível pensar um conjunto de favelas heterogêneas, mas contíguas entre si, como uma unidade territorial? Ao seguir as pistas em busca de alguma resposta, o autor reconstitui um processo que começa no início da década de 1980 e culmina com a criação, em 1993, do bairro do Complexo do Alemão. Descobre, então, que essa trajetória conta muito sobre a história da cidade, em particular a emergência de uma nova escala urbana no Rio de Janeiro, qual seja, a dos aglomerados de favelas, que se desdobrariam nos anos seguintes na noção de complexo de favelas.

No quarto capítulo, Bruno Coutinho de Souza Oliveira evidencia um tipo de dinâmica participativa de grupos e atores sociais na arena política do PAC das favelas no Complexo do Alemão. A partir da sua experiência como gestor territorial do PAC Social e pesquisador acadêmico, o autor analisa alguns processos e desdobramentos que constituíram as relações entre governo, iniciativa privada e moradores na implementação do programa federal no território. Dois eventos concomitantes ao PAC são considerados como base para a análise: as chuvas de abril e o processo eleitoral, ocorridos em 2010.

No quinto capítulo, Natália Helou Fazzioni analisa os depoimentos de três sujeitos envolvidos com questões relativas à saúde pública no Complexo do Alemão. A partir deles, a autora procura traçar um breve panorama das condições e dos serviços de saúde acessados pela população local, sobretudo entre os anos 1980 e o período atual. Natália Fazzioni evidencia as diversas transformações ocorridas, sem com isso tentar traçar uma cronologia precisa sobre os serviços ou problemas de saúde no Complexo do Alemão, mas buscando levantar algumas pistas para compreender mais profundamente tal cenário.

No sexto capítulo, Éric Vidal Ferreira da Guia apresenta os principais aspectos do que denomina como processo de injustiça ambiental nos subúrbios cariocas, com destaque para a Serra da Misericórdia, maciço rochoso que se estende por 27 bairros e corresponde à principal área verde da região sobre o qual se situa o Complexo do Alemão. O autor mostra que, a partir das mobilizações da organização não governamental (ONG) Verdejar Socioambiental, foram constituídos espaços de discussão, denúncia e proposição de políticas públicas objetivando chamar a atenção da sociedade e reverter o processo de injustiça ambiental, que é histórico neste território popular.

No sétimo capítulo, Patrícia Lânes Araujo de Souza analisa os eventos #OcupaBorelàs9h e #OcupaAlemãoàs9h, ocorridos em 5 de dezembro de 2012 nas favelas de seus respectivos nomes, a partir das relações entre projetos sociais, políticas públicas e movimentos sociais locais. A autora aborda as relações entre iniciativas com foco em jovens/juventude e alguns de seus efeitos não previstos no que diz respeito a mobilizações e à organização social nessas localidades. Evidenciasse no texto o uso, pelos organizadores dos eventos, da internet e outros recursos tecnológicos disponíveis, assim como as formas como as categorias jovens/juventude são pensadas e utilizadas nesse universo.

No oitavo capítulo, Felícia Picanço apresenta uma exploração inicial dos resultados de sua pesquisa sobre jovens envolvidos no tráfico de drogas, no contexto da instalação das UPPs no Complexo do Alemão. A autora destaca três razões para voltar ao tema da juventude e o mundo do crime nas favelas: o interesse em compreender como as dimensões da sociabilidade das favelas (moradia, lazer, afeto etc.) são vividas por esses jovens, entender os mecanismos de saída, retenção ou adesão dos jovens ao tráfico no contexto da UPP e, por fim, assimilar o olhar da rede de afeto sobre essas dimensões e processos de vida dos jovens. A partir das narrativas e discursos dos jovens e de suas mães, a autora procura compreender os enquadramentos, repertórios e scripts sobre família, escola, lazer, entrada e saída do tráfico, bem como expectativas de futuro.

No nono capítulo, Eugênia Motta analisa, a partir de uma etnografia da economia cotidiana – das práticas econômicas das pessoas no dia a dia –, diversas dimensões da vida social na favela. A autora trata de dinâmicas que articulam práticas econômicas, relações familiares e construção e transformação dos espaços materiais. Sua análise se baseia nas noções de casa e configuração de casas, que consideram as articulações entre casa material, família, cotidiano e economia em uma abordagem que torna visível o protagonismo das mulheres. A análise se propõe a dar conta da complexidade que emerge da atenção às práticas econômicas cotidianas, que desafiam modelos interpretativos baseados na fixidez e nas fronteiras marcadas entre esferas da vida, entre casas, entre objetos e pessoas, entre economia e parentesco.

No décimo capítulo, Adriana Facina faz uma reflexão sobre educação e cultura a partir de sua experiência como uma das coordenadoras do projeto de extensão universitária Vamos Desenrolar, em 2014, no Complexo do Alemão. A autora parte do princípio de que a produção cultural no Complexo se insere em um contexto de cultura de sobrevivência, no qual, mais que expressões artísticas específicas, a cultura envolveria modos de vida permeados de solidariedade e de estratégias para garantir direitos e acessos aos benefícios da modernidade. Para a autora, a ideia de que culturas de sobrevivência não se transmitem de modo institucionalizado está na base do projeto de extensão universitária. Adriana Facina analisa, então, três momentos do Vamos Desenrolar que detonaram vivências e emoções que explicitaram o processo de produção de conhecimentos produzidos coletivamente.

O epílogo apresenta um texto-síntese da história do Complexo, escrito por Alan Brum Pinheiro e ilustrado por David Amen, ambos nascidos no Morro do Alemão. Para Alan Brum, o texto, quase sem conectivos entre as palavras, mimetiza o fato de serem negadas à favela as conexões que poderiam tecer o sujeito de direitos, anunciando uma escrita que beira o caos e a incoerência textual. Porém, a coerência não estará no texto em si, mas no sentido que o leitor dará a ele. No caminhar labiríntico, como becos e vielas, as palavras chegam em uma sequência cronológica assimétrica, equiparando-se às buscas por sobrevivência nas favelas, embaçadas em suas memórias e lutas. O avanço da escrita não é retilíneo e a velocidade do tempo não é constante porque, na favela, são os elementos não programados que se rearticulam em outras lógicas e alimentam a resistência cotidiana dos moradores e a história de suas vidas.

Agradecemos a todos que participaram deste esforço coletivo de pesquisas e construção de pontes de diálogo e comunicação entre as pessoas das favelas, das universidades e das instituições governamentais.

*Rute Imanishi Rodrigues, Técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea.

Faça no link a seguir o download do livro Vida Social e Política nas nas Favelas: pesquisa de campo no Complexo do Alemão.

 

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO

Rute Imanishi Rodrigues

CAPÍTULO 1

CENAS HISTÓRICAS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTITUIÇÃO DE UM CAMPO DE FRONTEIRA NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO

Marize Bastos da Cunha

CAPÍTULO 2

UMA CONSTRUÇÃO COMPLEXA: NECESSIDADES BÁSICAS, MOVIMENTOS SOCIAIS, GOVERNO E MERCADO

Rute Imanishi Rodrigues

CAPÍTULO 3

NOTAS SOBRE O SURGIMENTO DO BAIRRO DO COMPLEXO DO ALEMÃO

Thiago Oliveira Lima Matiolli

CAPÍTULO 4

POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PAC DAS FAVELAS

Bruno Coutinho de Souza Oliveira

CAPÍTULO 5

ENTRE NOVOS E VELHOS SINTOMAS: APONTAMENTOS SOBRE SAÚDE E DOENÇA

Natália Helou Fazzioni

CAPÍTULO 6

A SERRA DA MISERICÓRDIA COMO UMA ZONA DE SACRIFÍCIO DO RIO DE JANEIRO

Éric Vidal Ferreira da Guia

CAPÍTULO 7

MOBILIZAÇÕES, PROJETOS SOCIAIS E JUVENTUDE EM FAVELAS CARIOCAS: UM OLHAR A PARTIR DOS EVENTOS #OCUPAALEMÃOÀS9H E #OCUPABORELÀS9H

Patrícia Lânes Araujo de Souza

CAPÍTULO 8

FILHOS DE SUAS MÃES: NOTAS PRELIMINARES DE PESQUISA SOBRE A JUVENTUDE E O TRÁFICO DE DROGAS NO CONTEXTO DE PACIFICAÇÃO

Felícia Picanço

CAPÍTULO 9

CASAS E ECONOMIA COTIDIANA

Eugênia Motta

CAPÍTULO 10

VAMOS DESENROLAR: REFLEXÕES A PARTIR DE UM PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO COMPLEXO DO ALEMÃO

Adriana Facina

EPÍLOGO

O MUNDO COMPLEXO… DO ALEMÃO

 

Publicado em Notícias | Última modificação em 30-06-2016 15:57:59