Skip to main content

Kleber Oliveira¹

A desigualdade social continua sendo um grande problema para o nosso desenvolvimento. As pessoas nascem de forma diferente: desde o pré-natal, o acesso ao atendimento médico é diferencial por classe de renda. A formação educacional ocorre também segundo o nível de renda da família, ou seja, famílias com maior renda podem proporcionar aos seus filhos ensino básico suficiente para garantir aprovação em cursos de graduação mais concorridos. E isto é, em boa medida, a chave para melhores empregos. Morremos também segundo nível de renda. As mortes por causas externas, principalmente os homicídios, tendem a afetar mais os mais pobres e, em especial, jovens pobres. Os remediados, por viverem mais, são acometidos de doenças crônico-degenerativas, como neoplasias.

Essas poucas evidências não trazem, em si, muita novidade. Apenas reafirmam o que todos nós, de alguma forma, sabemos: nossa sociedade é muito desigual. Mas desigual quanto?

Uma possível forma para tornar ainda mais explícito esse nível de desigualdade consiste em recorrer à infalível técnica de comparação hipotética. Em nosso caso, interessa admitir que Aracaju seja o mundo e que cada bairro, um país. Desta forma, podemos considerar a renda média do chefe de domicílio de cada bairro como uma ‘proxy’ da renda domiciliar dos países. Em seguida, uma rápida pesquisa nas bases de dados oficiais permite entender o fosso socioeconômico que separa áreas quase vizinhas de Aracaju.

Pois bem, vamos aos dados. Antes, é necessário dizer que se trata apenas de um exercício, uma reflexão, sem qualquer ambição de atingir a exatidão numérica. Esse ensaio explora os primeiros resultados do Censo Demográfico 2022 para os bairros de Aracaju, com informação sobre renda do chefe do domicílio como uma proxy da renda total domiciliar, em valores nominais ou em salários mínimos vigentes em 2022 (R$1.212,00). Vale destacar que a renda do chefe tende a subestimar a renda domiciliar, na medida em que desconsidera possíveis aportes dos demais integrantes da unidade.

Observe de partida na figura 1 a distância entre os extremos de renda: metade dos bairros de Aracaju possui renda abaixo da média municipal (R$2.418,98). Considerando os extremos da distribuição, chama atenção que no bairro 17 de Março o rendimento médio do responsável pelo domicílio seja de R$974,73, enquanto nos Jardins é quase 17 vezes maior, R$16.152,54.

Figura 1: Renda do chefe de domicílio por bairros de Aracaju (Valores nominais de 2022).

A distribuição da renda em Aracaju, classificada por múltiplos de salário mínimo, revela padrões espaciais bem definidos. A figura 2 mostra que os bairros da zona norte formam um aglomerado de renda entre 1 e menos de 3 salários mínimos. Essa área é quase vizinha da região com renda de 6 ou mais salários mínimos. Note também que os bairros 17 de Março e Santa Maria, com a menor renda, são também contíguos de áreas com renda média alta e alta, como da Aruanda e Gameleira.

Figura 2: Distribuição da renda do chefe de domicílio por bairros de Aracaju (em salários mínimos).

Voltemos à hipótese inicial. Considerando cada bairro-país e sua respectiva renda, em qual país você moraria? Pois bem, por esse critério, o bairro Jardins teria como equivalente a países europeus como Bélgica (R$15.552,87) ou Áustria (R$17.038,44). No outro extremo, as rendas dos chefes de domicílio residentes nos bairros 7 de Março e Santa Maria seriam compatíveis com os países africanos Eritréia (R$799,62) e Burkina Faso (R$1.186,93).

Vale destacar que metade dos bairros de Aracaju possuem renda comparativamente inferior à de países como Cabo Verde (R$4.049,00) e Angola (R$4.080,00), enquanto apenas o bairro Jardins e 13 de Julho seriam, hipoteticamente, países europeus.

Um segundo olhar na figura 2 mostra que apenas 5 quilômetros (em linha reta) separam o país europeu (Jardins e 13 de Julho) dos hipotéticamente africanos 17 de Março e Santa Maria.

Esses resultados devem chamar atenção para a necessidade de maior articulação das políticas públicas municipais voltadas, por exemplo, à geração de emprego e melhoria da renda. Reconhecer o grau de desigualdade social é essencial no desenho dessas ações.

A desigualdade de renda é um dos mais graves problemas sociais brasileiros e, em especial, em Sergipe. A superação da pobreza como insuficiência de renda, por exemplo, pode ser feita por meio de pequenas (mas não insignificantes) transferências de renda, de acesso ao trabalho, ou seja, mudanças de natureza conjuntural.

Reduzir a desigualdade social, no entanto, exige mudanças de ordem estrutural. É claro que foge aos objetivos deste ensaio essa discussão, mas é importante mostrar como a desigualdade na renda do chefe de domicílio no núcleo da Grande Aracaju ilustra a gravidade dessa desigualdade de renda.


¹ Docente Titular do Departamento de Estatística e Ciências Atuariais da Universidade Federal de Sergipe, Professor do Programa de Mestrado Profissional em Administração Pública (Profiap/UFS), Doutor em Demografia pela Unicamp (SP) e bolsista de Pós-doutorado na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE – IBGE/RJ).