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Imagem panorâmica de Campinas

Imagem panorâmica de Campinas (Crédito: Web/Reprodução)

Neste artigo da Cadernos Metrópole nº 39, Sidney Piochi Bernardini discute o universo dos mecanismos normativos de regulação urbanística implementados em 19 municípios da Região Metropolitana de Campinas entre 1970 e 2006. Duas questões aqui serão discutidas: os limites da autonomia municipal na gestão do uso e ocupação do solo e das suas normas como indutoras de um desenvolvimento urbano benéfico a toda a sociedade. Os substratos, condicionantes e forças (inclusive legais) que impulsionaram as transformações no âmbito do processo ainda constituem uma lacuna no vasto campo de investigações sobre o modelo de urbanização da Região Metropolitana de Campinas. Os resultados alcançados demonstram que esses municípios instituíram 3.087 instrumentos de regulação urbanística no período, sendo 85% deles promulgados para promover modificações pontuais nestes.

O artigo “Regulação às avessas? Uma análise sobre a legislação urbanística instituída nos municípios da Região Metropolitana de Campinas entre 1970 e 2006” é um dos destaques do dossiê especial“Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39.

Abstract

This article intends to discuss the universe of urban regulation normative tools implemented in 19 municipalities of the Campinas Metropolitan Region between 1970 and 2006. Two issues will be discussed here: the limits of municipal autonomy in the management of land use and occupation and the limits of its norms in promoting an urban development that benefits the society as a whole. The substrata, conditionings and forces (legal forces included) that have boosted transformations in the scope of the process still constitute a gap in the large field of investigations about the urbanization model of the Campinas Metropolitan Region. The results showed that these municipalities instituted 3,057 urban regulation tools in the period, and 85% of them were promulgated to promote specific modifications in the municipalities.

INTRODUÇÃO

Por Sidney Piochi Bernardini

Este artigo tem como objetivos principais apresentar e discutir, no âmbito da Região Metropolitana de Campinas, como ocorreram a institucionalização e a gestão do uso e ocupação do solo sob a perspectiva do planejamento e ordenamento físico-territorial de seus municípios constituintes, a partir da análise dos mecanismos legais estabelecidos entre os anos de 1970 e 2006. A constatação de tais características por pesquisas já realizadas, como as de Mitica Neto (2008) e Pires (2007), apontam para uma prática comum de produção do espaço urbanizado na maior parte dos municípios dessa Região, indicando, em hipótese, que existe uma certa sinergia (como também indicou Pires) entre os interesses privados do mercado incorporador e iniciativas e procedimentos conduzidos pelos poderes públicos locais.

Essa sinergia não só explica a conduta comum definida pelos municípios como também pode demonstrar em que bases ela se opera. Pretende-se, com isso, demonstrar que o encadeamento exacerbado de instrumentos legais urbanísticos de todas as ordens postulados pelos Poderes Executivos e aprovados pelos Poderes Legislativos criou um arsenal volumoso de medidas intimamente acopladas aos interesses particulares. Nesse ponto de vista, pretende-se discutir a validade dos ritos instituídos e apontar possíveis impactos e consequências das arbitrariedades observadas.

Alguns estudos, como o de Harris (2015), que se debruça sobre o interesse público nos processos de desapropriação compulsória de terras privadas nos Estados Unidos, demonstra que, já nos anos 1960, houve uma transição nas formas de conduzir esses processos vinculados a uma coalizão entre governos, incorporadores, empreendedores privados e outros agentes imobiliários nas ações de renovação urbana, remoção de favelas e expansão das áreas centrais como estratégias para a “revitalização das cidades”, sob a égide dos poderes locais.

Assim também, por outro lado, nos processos de “barganha lote a lote”, nas decisões sobre as regras de zoneamento das cidades estadunidenses, nas quais a voz dos moradores locais, em processos democraticamente legítimos, prejudica a intensificação do uso do solo e os adensamentos populacionais sob o discurso do Not In My Back Yard (NIMBY), ocorre uma sobrevalorização dos imóveis urbanos que, segundo Hills Jr. e Schleicher (2015), intensifica a crise da moradia e o empoderamento da indústria da incorporação de terras. Aqui o debate sobre a relação entre o planejamento compreensivo, como matriz do pensamento sobre o desenvolvimento urbano, e as restritivas regras de zoneamento, nem sempre vinculadas a esse pensamento, ganha contornos mais complexos.

A permanência do plano diretor como principal instrumento da política de ordenamento municipal perpetua a sua figura como meio ideológico para o setor imobiliário e o poder público justificarem suas atuações em defesa do desenvolvimento urbano. Nesse ponto, a distância que se estabelece entre a retórica contundente desses planos e os efetivos instrumentos de regulação e controle de uso do solo consolida e mascara os mecanismos já consagrados da produção imobiliária (Villaça, 2012).

No âmbito da gestão do uso e ocupação do solo, concepção, instituição e aplicação das leis urbanísticas são partes intrínsecas do cotidiano dos gestores públicos municipais que, sob o manto de uma profunda legalidade estruturada, operam leis que não possuem sanções para quem as infringem; que são impossíveis de serem cumpridas; que eles não têm capacidade de aplicar ou fiscalizar e até mesmo que se limitam a princípios gerais e generalidades que não afetam, em nenhum grau, qualquer ação de intervenção ou controle sobre o território (ibid.).

Essa dimensão da fronteira legal – ilegal, nas imperfeições subliminares da esfera burocrática, adapta-se muito bem aos ritos instituídos e conduzidos para possibilitar ao mercado formal o aval às suas atividades de incorporação. A malha excessiva, complexa e inchada de leis, decretos e mecanismos que corroboram esses ritos, longe de ser abarcada e compreendida pela sociedade e até mesmo pelos que a opera, define esse cotidiano da gestão urbana, sem haver, muitas vezes, qualquer questionamento por ela e por outros poderes constituídos.

Assim é que, mesmo apontada pela literatura como uma das dimensões da estreita fronteira entre legalidade e ilegalidade, a forma como esses institutos legais são aplicados e os caminhos pelos quais se dão as restrições e permissividades nas escolhas efetivadas pelos poderes locais ainda merecem ser aprofundados nas investigações sobre gestão urbana no Brasil, sob as mais variadas óticas. Supõe-se que, nessa esfera de decisões, as práticas referenciem-se na inversão da ilegalidade pela legalidade (tornar legal o que seria ilegal), em ritos e práticas que consubstanciem os atos discricionários por mecanismos legais em uma associação estreita entre os poderes executivo e legislativo na produção dos seus instrumentos de poder.

Leia o artigo completo na edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.