Marcel Assis Batista do Nascimento¹
Dentre as várias discussões temáticas que perpassam a realização da COP30, uma ganha expressão por mediar as soluções que enfatizam a necessidade de uso responsável dos recursos naturais e estimulam a permanência da cobertura florestal. Trata-se da bioeconomia.
Dada a relevância do tema, o Seminário No meio do caminho tinha uma COP. Nunca esqueceremos desse acontecimento? Perspectivas sobre a COP30 em Belém, inseriu essa temática em sua programação, em especial tendo em vista as expectativas geradas em termos de soluções inovadoras para a ativação da economia local e estadual.
Dessa forma, diante do cenário mundial de preocupação com as consequências provocadas pela incidência do desmatamento, fruto de ações antrópicas, têm-se evidenciado alternativas que promovam o desenvolvimento de baixo carbono, baseado na valorização da floresta em pé, com o uso de recursos biológicos de forma sustentável e eficiente para promover o desenvolvimento econômico, enquanto preserva o meio ambiente e contribui para a saúde e bem-estar da sociedade.
Com a inovação tecnológica, a supressão vegetal dá lugar à capacidade de impulsionar o desenvolvimento econômico através da floresta em pé, evidenciada ainda pelas ações e investimentos que valorizem a sustentabilidade, diante do avanço robusto das mudanças climáticas. No mundo contemporâneo, a bioeconomia desponta como uma alternativa para reduzir as emissões de carbono provocadas pelo desmatamento e, também, evidencia a oportunidade econômica do uso do conhecimento tradicional e das soluções baseadas na natureza.
Além do crescente índice de desmatamento da floresta Amazônica, com expressiva participação do estado do Pará nesse contexto, o governo estadual criou uma série de diretrizes voltadas a colaborar com o esforço global de adaptação e mitigação dos impactos das mudanças climáticas, compilados na promulgação da lei estadual nº 9.048, de 29 de abril de 2020, intitulada Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC). Tendo em vista que esses índices estão associados, em sua maioria, às atividades relacionadas ao setor de uso de terras e florestas no estado, foi elaborado um plano de ação para atuar nesse ponto crítico denominado Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), cujo nome ressalta a necessidade de urgência da implementação de medidas voltadas para conservação da biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais.
As medidas estabelecidas pelo PEAA buscam reduzir as ações de destruição da floresta e as emissões de gases de efeito estufa (GEE), por meio do incremento das atividades de fiscalização ambiental, promoção da regularização ambiental e fundiária, captação de recursos por meio de colaborações privadas (a fim de fortalecer a política pública e outras iniciativas sociais voltadas para o meio ambiente e desenvolvimento social), além de incentivar medidas de transformação gradativa da economia do estado para moldes mais sustentáveis que agreguem a valorização dos povos tradicionais existentes na região, promova o crescimento econômico com distribuição justa e equitativa de benefícios, compatibilizando as atividades econômicas desenvolvidas com a manutenção da floresta viva.

Feira do Açaí em Belém. Foto: Olga L. C. de Freitas, acervo do projeto.
Nesse sentido, foi instituído o Plano Estadual de Bioeconomia (PLANBIO) com a finalidade de promover ações que possam influenciar a transformação sustentável positiva na matriz econômica do estado. No Pará, a bioeconomia é vista por meio de uma perspectiva bioecológica, na qual os critérios de sustentabilidade são priorizados em relação aos econômicos. Em outras palavras, o foco está na implementação de soluções que utilizam os recursos naturais de forma sustentável, garantindo que todas as etapas do desenvolvimento de produtos ou serviços estejam alinhadas com a preservação da floresta e dos rios.
Ademais, o PLANBIO reconhece a importância do conhecimento tradicional e o papel dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (PIQCT’s) presentes na região. Dessa forma, a bioeconomia paraense busca associar inovação, tecnologia, conhecimento científico e tradicional, com a finalidade de agregar valor às cadeias produtivas baseadas na floresta e na biodiversidade, promovendo a mudança desejada.
O Plano apresenta uma série de ações originadas a partir de um processo de escuta participativa, organizadas em três eixos principais:
- Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, buscando aplicar conhecimento científico e tecnológico para agregar valor às cadeias produtivas da bioeconomia;
- Valorização e proteção do patrimônio cultural e conhecimento genético, oferecendo alternativas sustentáveis de desenvolvimento e garantindo os direitos das comunidades tradicionais;
- Cadeias produtivas e negócios sustentáveis, visando valorizar os produtos da bioeconomia, atrair investimentos e gerar empregos e renda, com uma distribuição equitativa dos benefícios.
A realização da COP30 em Belém, ressalta-se a discussão sobre bioeconomia e o desenvolvimento pautado no baixo carbono é ratificado por ser a bioeconomia uma estratégia global, destacando a importância de modelos econômicos sustentáveis que integrem a conservação ambiental com o desenvolvimento social e econômico, pois ao promover soluções baseadas na natureza, torna-se um pilar central para a transição para uma economia verde, capaz de gerar emprego, inovação e, ao mesmo tempo, mitigar os impactos das mudanças climáticas.
Portanto, esse tema não poderia estar ausente de nossas discussões no seminário, que contou com um painel com a participação de representação da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), e de pesquisador da EMBRAPA e UEPA (Universidade Estadual do Pará).
Nele, além de questões relativas às várias definições sobre bioeconomia, foram discutidas as perspectivas da bioeconomia para o Estado do Pará e o seu papel na COP30. A bioeconomia foi apresentada como uma estratégia que engloba uma variedade de cadeias produtivas, como óleos vegetais, artesanato, turismo, gastronomia, agricultura sustentável, restauração florestal e bioinsumos. Um ponto destacado durante o debate foi a importância dessas cadeias para o desenvolvimento socioeconômico e o bem-estar social das comunidades locais envolvidas.
Quanto à concepção de bioeconomia, observou-se que não existe uma única definição para o termo, uma vez que ela depende do agente responsável pela sua formulação. No entanto, foi enfatizado que o governo brasileiro fundamenta a bioeconomia na sociobiodiversidade, no conhecimento tradicional e nas comunidades locais. O Plano Nacional de Bioeconomia foi apontado como uma política crucial para a estruturação desse modelo no país, destacando os setores produtivos prioritários, como a produção de alimentos e a segurança alimentar.
Outro tema relevante discutido no painel foi a Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia (IGB) e os Princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia do G20, que foram apresentados como diretrizes globais para a implementação de políticas públicas e práticas empresariais voltadas à bioeconomia sustentável. A IGB enfatiza a importância de uma abordagem integrada que considere tanto os aspectos ambientais quanto os sociais, promovendo o desenvolvimento de bioprodutos e serviços de maneira inclusiva e sustentável. Já os Princípios de Alto Nível buscam garantir que a bioeconomia não apenas impulsione a inovação tecnológica, mas também respeite os direitos das comunidades locais e promova a justiça social, uma perspectiva que se alinha com a proposta brasileira de fortalecer a bioeconomia através da sociobiodiversidade.
O Estado do Pará se destaca no cenário nacional por ter implementado uma política estadual de bioeconomia antes mesmo da elaboração do Plano Nacional. Contudo, existe uma disparidade nas abordagens adotadas pelo Pará e pelo governo federal em relação à bioeconomia. A dimensão urbana dessa discussão ficou evidenciada na proposição do governo do estado em criar uma Zona Franca de Bioeconomia na Região Metropolitana de Belém.
Além disso, foi ressaltado o enorme potencial da bioeconomia para a economia do Pará. Caso haja investimento em 13 cadeias produtivas locais, estima-se que possam ser gerados cerca de 6,5 milhões de empregos e um aumento de 816 milhões de reais no PIB do estado, conforme um levantamento realizado pelo WRI, citado pela painelista representante da AFD.
A bioeconomia surge, assim, como uma alternativa para mitigar os impactos sociais das mudanças climáticas, oferecendo uma ferramenta de preservação da floresta e do conhecimento tradicional, além de ser uma opção de desenvolvimento de baixo carbono. Contudo, ainda há desafios relacionados ao financiamento e ao investimento em tecnologia para o fortalecimento dos bioprodutos. Nesse contexto, diversas narrativas sobre bioeconomia devem circular durante a COP30, com ênfase em como esse modelo pode contribuir para um futuro sustentável.
Diante do debate proposto pelo painel, observou-se que a realização da COP30 em Belém não apenas potencializa a discussão sobre bioeconomia — ela escancara a urgência de repensarmos o modelo de desenvolvimento que ainda insiste em conciliar crescimento econômico com a degradação ambiental. A bioeconomia, ao ser tratada como solução estratégica, carrega em si tanto promessas quanto contradições, principalmente quando se indaga a seguinte questão: qual bioeconomia está sendo posta para a Amazônia? E a partir de que valores será construída?
Com a COP30, a Amazônia e a bioeconomia terão um palco global e, diante disso, o Brasil, especialmente a Amazônia, não pode apenas reproduzir discursos alheios. É hora de tensionar, propor e desafiar o mundo com uma bioeconomia construída de baixo para cima, enraizada na floresta viva e nas vozes que historicamente foram silenciadas. A disputa por narrativas ficou evidente: enquanto a bioeconomia estatal se ancora na sociobiodiversidade, outras visões tendem a capturar a lógica de mercado, esvaziando o papel das comunidades tradicionais.
¹ Turismólogo (FACTUR/UFPa), doutorando em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (NUMA/UFPA), Técnico em Gestão de Meio Ambiente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS/PA).
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