Fernando Augusto Souza Pinho¹
Christiane Lima Barbosa²
Desde o anúncio oficial de Belém como a sede da COP30, em dezembro de 2023, uma inquietação se impôs, apesar da euforia ufanista e pouco crítica: a cidade estaria preparada para receber uma conferência desse porte?
A mobilidade urbana se colocou como um obstáculo. Como o sistema de transporte e trânsito de Belém atenderia a esse fluxo de visitantes? Lembremos que entre os principais requisitos para a realização de uma Conferência das Partes (COP), conforme estabelecido pela ONU, está a oferta de transporte seguro e confiável entre as áreas de hospedagem e o local da conferência.
Essa desconfiança é consequência das condições vigentes da mobilidade em Belém. O serviço de transporte coletivo é majoritariamente operado por ônibus convencionais, objeto de queixas dos usuários. Sua situação piorou com a queda da demanda de passageiros e o consequente aumento dos custos operacionais, causados pela pandemia da COVID19 e pelo avanço do transporte por aplicativo. O BRT municipal, inaugurado parcialmente em 2019, apresenta sinais de saturação. As obras do BRT metropolitano, iniciadas em 2019, ainda serão concluídas. Os avanços na constituição de uma rede cicloviária não tem garantido a segurança dos deslocamentos. O estado das calçadas é um outro entrave aos pedestres e à promoção da mobilidade ativa. Embora circundada por rios, Belém carece de uma rede fluvial, com maior frequência, conforto e integrada ao transporte coletivo por ônibus.
- Foto: Fernando Pinho.
- Foto: Ruth Costa, Coletivo ParáCiclo.
Este cenário criou uma grande expectativa com a realização da COP30 em Belém. Por inúmeras vezes, a COP30 foi encarada como uma espécie de tábua de salvação para todos os problemas de mobilidade da cidade. Porém, problemas estruturais de décadas não se resolvem a curto prazo, e muito menos por meio de um megaevento. Há possibilidades reais de melhorias na infraestrutura viária e no serviço de transporte coletivo, não restrita ao local da conferência ou à área de influência do polígono da COP30.
A sete meses do evento observa-se alguma definição do que será empreendido durante a COP30 no entorno do Parque da Cidade, local da conferência³. Para as Zonas Azul e Verde haverá controle da circulação de pessoas e veículos, na forma de anéis de restrição, que aumentam conforme a proximidade do local, da área de tráfego livre à mais controlada por credencial de acesso. Foram definidos locais específicos para o embarque/desembarque de veículos oficiais, das linhas especiais destinadas à Conferência, do transporte público coletivo regular por ônibus e dos serviços de táxi e por aplicativo. Para maior segurança do acesso à Zona Azul, o fluxo de pedestres será organizado em função dos perímetros de restrição e dos bloqueios de acesso, com uma caminhada de 700 a 750m para os usuários do serviço convencional, táxi e aplicativo, e de 150m para os usuários do serviço especial.
- Fonte: SECOP.
- Fonte: SECOP.
- Fonte: SECOP.
- Fonte: SECOP.
- Fonte: SECOP.
Em paralelo à operação a ser realizada no entorno do Parque da Cidade, há de se mencionar aquilo que parece apontar para uma permanência para além da COP30 e para um ganho para a cidade de Belém: a melhoria no serviço de transporte coletivo por ônibus, por meio da renovação da frota de veículos do serviço convencional e da implantação do BRT metropolitano.
Dadas suas configurações socioeconômicas e espaciais, o transporte coletivo em Belém é uma questão metropolitana. A atual SEGBEL (Secretaria Municipal de Segurança, Ordem Pública e Mobilidade de Belém) é responsável pela gestão, controle e fiscalização do serviço de ônibus municipal e metropolitano, abrangendo Belém, Ananindeua e Marituba. Portanto, qualquer ação de melhoria dos serviços passa, necessariamente, pela Prefeitura de Belém, Governo do Pará e empresas operadoras. Um exemplo disso aconteceu em setembro de 2023 com o estabelecimento de um acordo judicial entre a Prefeitura de Belém, Governo do Estado e Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo de Belém (SETRANSBEL), para a renovação da frota de ônibus (300 veículos, com tecnologia menos poluente, ar-condicionado, wi-fi e elevador para pessoas com deficiência), implantação gradativa de um novo sistema integrado de transporte público coletivo de passageiros e incorporação ao BRT municipal. Como contrapartida, foi concedida a isenção de impostos municipais e estaduais (ISSQN, Taxa de gerenciamento paga à SEMOB pelas empresas de ônibus, ICMS e IPVA).
A Prefeitura de Belém e o Governo do Pará cumpriram com sua parte do Acordo, o que não aconteceu por parte das empresas operadoras. Por isso, em atendimento à solicitação da Prefeitura de Belém, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará intimou o SETRANSBEL a apresentar provas do cumprimento do acordo. Na época, havia uma informação não oficial de que já se encontravam em Belém 51 destes veículos novos, sem utilização, nas garagens de nove empresas. É de se atribuir às eleições municipais influência nessa situação. Até março de 2025 não havia notícia do cumprimento do acordo, por parte dos empresários, com a devida circulação dos veículos. A situação mudou em abril deste ano, após a aprovação da nova tarifa e a circulação de 90 desses ônibus, apelidados de “Geladão”.
A proposta do BRT metropolitano tem orige durante a elaboração do Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana de Belém (PDTU), de 1991, graças a um convênio de cooperação técnica firmado entre o Governo do Pará, o Governo Federal e a JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão). O estudo da JICA, atualizado em 2000 e 2020, apontou para a criação de um sistema tronco-alimentador em “Y”, contemplando a BR-316, a Av. Augusto Montenegro e a Av. Almirante Barroso, e que nos dias de hoje abrange o BRT municipal e o BRT metropolitano⁴.

A concepção do sistema tronco-alimentador da Região Metropolitana de Belém 1990/2000/2020. Fonte: ARTRAN/PA.

A operação do BRT metropolitano. Fonte: ARTRAN/PA.
As obras do BRT metropolitano, financiadas pela JICA e pelo Governo do Pará, iniciaram em 2019 e prosseguiram com atrasos, adiamentos e alterações, com previsão de término em 2024, prazo esse não cumprido. A expectativa é de finalização em julho deste ano. Uma vez finalizado, cerca de 10 km da Rodovia BR-316 contarão com nova rede de drenagem, pavimentação, ciclovias, calçadas arborizadas, passarelas, paisagismo e nova rede de iluminação, ligando a cidade de Marituba a Belém, contemplando também as cidades de Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará e Benevides, com uma única tarifa, beneficiando cerca de 1/3 da população metropolitana situada em um raio de 500 metros da rede. Operacionalmente, o BRT contará com 40 ônibus elétricos e 92 ônibus modelo Euro 6 (com baixa emissão de poluentes) nas linhas troncais e 113 ônibus convencionais para as linhas alimentadoras. A aquisição destes veículos é fruto de recursos federais e estaduais, no valor de cerca de 386 milhões de reais. Haverá dois terminais de integração (equipados com bicicletário coberto), 13 estações de passageiros e quatro estações de uso conjugado com o BRT municipal. Uma novidade recente é a proposta de inclusão de uma linha expressa que atenderá à UFPA com ônibus elétricos.
Para encerrar, voltemos à indagação que dá título a esse texto: afinal, o que está em jogo nas ações de mobilidade para a COP30? Acreditamos que há pelo menos dois fatores em destaque e inter-relacionados: o político (no que se refere ao poder como condução de condutas e, também, à política) e o ambiental. Em suas agendas, os governos estadual e municipal já haviam sinalizado a melhoria do sistema de transporte coletivo por ônibus antes mesmo do anúncio de Belém como cidade-sede. Projetos existentes e em implantação foram incorporados à preparação para a COP30 e como legado à cidade, mesmo aqueles a ela não relacionados, sendo assim justificados. Projetos antes engavetados, por falta de recursos ou obstáculos legais, puderam ser retomados. Vemos aí aquilo que poderia ser intitulado como obra da COP30 e como obra na COP30⁵, e que, certamente, trarão reflexos (positivos ou não) às próximas eleições para o governo estadual (e federal). Por outro lado, a escuta e o debate social foram relegados em nome da necessidade de aceleração das obras na e da COP30, aumentando a assimetria de poder entre governo e sociedade.
As obras na COP30 parecem ser aquelas contraditórias às premissas de desenvolvimento sustentável amparadas pela Conferência. Não é o caso da melhoria do transporte coletivo por ônibus (um modo mais justo, socialmente e em termos de uso viário, menos poluente e cada vez mais comprometido com o meio ambiente). É o caso da construção da Avenida Liberdade e da duplicação da Rua da Marinha frente aos impactos socioambientais, a garantia de fluidez do tráfego e a priorização do veículo particular. Aqui o ambiental perde sua importância e se reduz a um vazio.
¹ Engenheiro Civil, doutor em Planejamento Urbano e Regional, funcionário da Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará (ARCON-PA).
² Engenheira Civil, doutora em Transportes, docente da Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Federal do Pará (UFPA).
³ Informações apresentadas por Olmo Xavier, representante da SECOP/Governo Federal, durante a realização da mesa “A COP30 em Belém: desafios e oportunidades para a mobilidade urbana”, constante da programação do seminário “No meio do caminho tinha uma COP. Nunca esqueceremos desse acontecimento? Perspectivas sobre a COP30 em Belém”.
⁴ Informações apresentadas por Claudio Conde, representante da ARTRAN/PA (Agência de Regulação e Controle dos Serviços Públicos de Transporte), entidade atualmente responsável pela execução do projeto, durante a realização da mesa já citada anteriormente.
⁵ Retomamos aqui a expressão utilizada pelo Prof. Raul Ventura Neto (UFPA) em sua participação no painel “A dimensão sustentável dos projetos para a COP30”, também constante da programação do seminário já citado anteriormente.
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