Lançada durante Sessão Especial no XXI ENANPUR (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), em Curitiba, a coletânea “A nova urbanização dependente no capitalismo rentista-neoextrativista” contou com a colaboração do pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro do INCT Observatório das Metrópoles, Igor Matela.
O Capítulo 3, que recebeu o título “Metrópole, Estado e Capital na dependência rentista-neoextrativista: para entender a ordem urbana antinação”, foi elaborado por ele, em parceria com Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Nelson Diniz, organizadores do livro. Matela também é autor do Capítulo 5, intitulado “Dependência e produção do espaço no Brasil”. Dividida em cinco partes, com 24 capítulos escritos por 42 autores e autoras nacionais e internacionais, a obra soma 840 páginas. Todo o projeto de publicação está disponível em um blog criado com o material do projeto. O livro está à venda no site da Letra Capital Editora (para adquiri-lo, clique aqui).
Como forma de apresentação mais ampla da obra, a Sessão Especial reuniu autores de capítulos, além dos organizadores. Na ocasião, Matela, que faz parte do grupo “Metrópole, Estado e Capital”, explicou que tentou construir um quadro teórico interpretativo para auxiliar na leitura das relações entre o desenvolvimento e a expansão do capitalismo em um nível sistêmico e a produção do espaço nos territórios particulares. “A ideia, fazendo um diálogo entre a teoria dos ajustes do espaço-temporais do geógrafo David Harvey, parte da teoria da acumulação do capital, e como isso se desenvolve também na produção do espaço”, ressaltou.
De acordo com Matela, a produção do espaço é um momento intrínseco da acumulação do capital, e é necessária sua articulação com uma teoria que traga uma concretude histórica maior para essa produção do espaço. Foi utilizada a teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação, a qual o economista Giovanni Arrighi faz um apanhado desde as origens do capitalismo enquanto sistema histórico nas cidades-estados italianas, mostrando as transformações sistêmicas a partir das disputas hegemônicas, através das mudanças e das formas de acumulação ao longo dos mais de 500 anos da história do capitalismo mundial. “A ideia era pensar como as transformações do capitalismo também impactavam as transformações na produção capitalista do espaço”, sublinhou.
Conforme o pesquisador, a produção capitalista do espaço no período pós-guerra até os anos 1970, foi diferente em relação à produção do espaço para os anos 1980 até os dias atuais, quando se estaria sobre um regime de dominância financeira. “Isso já traz uma modificação muito grande, apesar de estarmos sobre um capitalismo sistêmico. Mas, como se pode pensar a produção do espaço nos territórios particulares? Uma primeira mediação fundamental é a das relações interestatais”, apontou. Segundo ele, para pensar o nível sistêmico e particular da produção do espaço nos Estados, é preciso pensar essa relação entre os Estados e, no caso do Brasil, a fundamentar uma relação de dependência. Historicamente, o Brasil se constituiu em uma formação socioespacial periférica e dependente, de modo que essa relação vai condicionar também a produção específica do espaço, tanto no centro quanto na periferia. “Também procuramos pensar, de acordo com todo o arcabouço teórico que fomos construindo, que essas relações de dependência se transformaram ao longo do tempo e da história”, salientou.
Para Matela, as transformações sistêmicas do capitalismo, as disputas hegemônicas, uma geopolítica do poder global entre os Estados, que não está necessariamente vinculada somente à acumulação de capital, e as forças internas aos Estados dependentes, não são só uma relação passiva. “A dependência não é algo imposto do centro para a periferia, mas também tem a associação das forças internas aos Estados dependentes”, explicou. Para ele, esses fatores conformam as formas históricas da dependência, no caso do Brasil. A partir disso, foi construído um quadro síntese do que se pôde fazer da relação entre as fases dos ciclos sistêmicos de acumulação, de como o capitalismo se constituiu na longa duração do final do século XIX até os dias atuais. “Um outro momento foi a forma histórica da dependência, baseado nos canais de transferência de valor e na inserção do Brasil na economia mundial, e relacionando isso com os padrões de produção do espaço”, afirmou.

Igor Matela durante apresentação na Sessão Especial. Foto: Karina Soares.
Conforme Matela, os padrões de produção do espaço estariam relacionados com aspectos dos ajustes dos espaços temporais, que não se dão da mesma forma em uma fase de expansão financeira ou material. “Ou seja, no momento que o capitalismo se desenvolve, predominantemente a partir da acumulação baseada nas finanças ou na produção e no comércio, isso tem uma diferença grande sobre como o ajuste espacial vai funcionar”, revelou. Ele explica que o Brasil ainda funcionava como uma plataforma de valorização financeira e uma economia primária exportadora. Dessa forma, existem uma série de características dessa produção do espaço, que tem a ver com a urbanização e investimentos na produção do espaço visando a extração de rendas.
“Conhecemos essa história da produção do espaço do Brasil no final do século XIX e início do século XX. Investimentos especulativos, projetos de renovação e embelezamento urbano, acumulação por apropriação e uma certa privatização dos serviços públicos naquele momento. Isso vai mudar a partir dos anos 30, 40 e 50, que é esse período de disputa hegemônica, caos sistêmico e guerras mundiais”, refletiu. Segundo Matela, ocorreu um afrouxamento das relações de dependência, visto que o Brasil tem uma oportunidade de um desenvolvimento para dentro, industrialização por substituição de importações, mas isso muda totalmente a relação da produção do espaço.
“Há uma maior retenção do excedente no território nacional e há investimentos de capital nacional e estatal para criar as condições gerais de produção capitalista. Podemos dividir em mais três fases, dos anos 50 até o fim dos anos 70, um momento de internacionalização do mercado interno e a dependência muito marcada pelas remessas dos lucros industriais para os países centrais”, discorreu. Ele salienta que a produção do espaço também ganha outras características, como investimento visando aumento de produtividade industrial. Nos anos 80, existiu uma virada da transformação sistêmica do capitalismo, o início de uma dependência rentista, numa primeira fase entre os anos 80 e até meados da década de 90.
A partir da década de 90 até hoje, percebe-se uma mudança dentro da própria lógica do capitalismo rentista. “Por exemplo, passaríamos de uma inserção passiva na financeirização para uma inserção ativa na financeirização”, advertiu. Para ele, essa dependência atual já se caracterizaria como uma dependência rentista-neoextrativista, que faz parte do título do livro. Com características mais complexas que vão incorporar o neoextrativismo, também vão incorporar, por exemplo, as economias de plataforma. “Enfim, vai se constituir toda uma produção do espaço também característica, uma série de aspectos que já são muito estudados pelo nosso campo e outros que vão se constituindo mais recentemente. E que estão abordados no livro por diversos autores, com esses aspectos dessa característica da produção do espaço e da urbanização dependente no momento atual”, concluiu Matela.