Publicado pela Revista Cadernos Metrópole (Qualis/CAPES A1), está disponível o dossiê “Participar para democratizar as democracias? Conformação, desilusão e esperança”, que busca compreender como, tanto do ponto de vista teórico como prático, instituições e cidadãos têm repensado os seus papéis através de novas formas de diálogo e decisão conjunta.
O dossiê foi organizado por Roberto Falanga e João Ferrão, ambos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal).
Segundo os organizadores, a democratização da democracia através de práticas de participação e deliberação dos cidadãos pode e deve tornar-se um tema de debate sério e fundamentado naquilo que é hoje o desempenho das instituições legitimamente eleitas, bem como da sociedade civil auto-organizada, do associativismo e dos movimentos.
O terreno fértil da democracia precisa continuar a experimentar novas modalidades de diálogo e contestação, novas articulações entre parceiros formais e informais (…)
Diante desse quadro, o dossiê convidou pesquisadores e pesquisadoras a apresentarem uma análise crítica da participação cidadã, das suas potencialidades e das suas contradições. O resultado, segundo os organizadores, foi uma rica combinação de abordagens metodológicas utilizadas para refletir sobre tópicos particularmente desafiantes no contexto atual e que abrem novas pistas de investigação nesse âmbito de estudos.
A seguir, apresentamos os 10 artigos selecionados no âmbito do dossiê temático e os sete textos adicionais que completam o número:
No artigo que abre o dossiê, intitulado “Ceticismo e polarização: determinantes políticos da não participação em instituições participativas“, Ligia Helena Hahn Lüchmann, Lucas de Carvalho de Amorim e Julian Borba investigam os fatores políticos que influenciam a não participação em instituições criadas para ampliar o envolvimento democrático no Brasil. Em particular, os autores buscaram compreender as razões por trás da não participação de camadas sociais mais desfavorecidas em instituições participativas que visam justamente incluir diferentes segmentos da população na administração pública, definindo a inclusão dos mais vulneráveis como um dos principais objetivos.
Em “Repensando as categorias de participação eletrônica: análise dos websites das Assembleias Legislativas“, Licemar Vieira Melo, Monika Dowbor e Roberta Carnelos Resende analisam os websites das 26 Assembleias Legislativas brasileiras com o objetivo de entender se e como esses canais ampliam a participação política dos cidadãos para além do voto. A partir da hierarquização entre as diversas formas de e-participação presentes na literatura científica e que incluem níveis como consulta, colaboração e envolvimento eletrônico, os autores compilam uma escala que é aplicada aos canais das Assembleias Legislativas.
O artigo “Cidadania digital e democracia: modelo de avaliação de iniciativas públicas de inclusão digital“, de Samir Rodrigues Haddad, foca no papel de programas de inclusão digital para a cidadania. O autor parte do pressuposto de que o acesso e a capacidade para usar as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) podem, potencialmente, permitir o exercício generalizado dos mesmos direitos civis, sociais e políticos.
No artigo “Rumo a futuros democráticos: o espaço público em Cidades AMI“, Ângela Carvalhaes Ferrari e Márcio Vieira de Souza investigam o papel das Cidades com Alfabetização Midiática e Informacional (Cidades AMI) no combate à “infodemia” e à proliferação de informações falsas e desinformação através do desenvolvimento de competências e literacia digitais.
O artigo “‘Pequenas ações, grandes resultados’: relações entre voluntariado e cidadania“, de Patrícia Trindade Caldas e Carlos Eduardo Cavalcante, traz uma reflexão sobre o papel do voluntariado na promoção da participação dos indivíduos em questões de caráter coletivo e no fomento da cidadania. O interesse dos autores por esse tema se fundamenta na possibilidade de se ampliar a participação cidadã no local onde as pessoas vivem, um desafio que é considerado relevante pelas lideranças políticas dado o baixo nível de envolvimento em debates públicos.
Já o artigo “Desafios da participação cidadã: sobre o perfil institucional dos conselhos municipais brasileiros”, de Pompilio Locks e Adilson Giovanini, focado nos conselhos municipais no Brasil, avalia os fatores que influenciam mudanças e permanências no seu desenho institucional. Os conselhos são instituições vinculadas ao poder executivo com o objetivo de ampliar a participação e a representação da sociedade civil organizada.
No artigo “As relações entre Orçamento Participativo e justiça territorial: uma contribuição teórico-prática“, Rodrigo Sartori Bogo analisa a relação entre Orçamento Participativo (OP) e justiça territorial, analisada no âmbito dos processos multidimensionais – sociais, políticos, institucionais e espaciais – e multiescalares que se desenvolveram nas últimas décadas no Brasil e que afetaram também o desempenho dessa prática inovadora no panorama internacional.
Em “Avanzando las experiencias democráticas participativas de niños y jóvenes: el caso de los presupuestos participativos“, de María Ángeles Abellán-López e Gonzalo Pardo-Beneyto, é estudada a implementação dos Orçamentos Participativos (OPs) para crianças e adolescentes em municípios da Comunidade Valenciana, na Espanha. O envolvimento de jovens cidadãos na alocação de recursos públicos é considerado um instrumento de educação cívica e socialização democrática.
No artigo “O rural nas inovações democráticas: uma proposta comparativa América Latina-Europa“, José Duarte Ribeiro e João Moniz analisam o modo como as inovações democráticas (IDs) ocorrem em áreas rurais da Europa e da América Latina. Os autores pretendem ampliar a compreensão sobre o papel de instituições e processos vocacionados para a promoção de participação cidadã em diferentes contextos geográficos através da comparação de casos registados em bases de dados abertas ao público.
Por último, o artigo “Mudando o status quo por meio de inovações democráticas? Três paradoxos da Península Ibérica“, de Roberto Falanga e Ernesto Ganuza, centra-se no potencial das inovações democráticas (IDs) para transformar o contexto político, com foco na Península Ibérica. Em Portugal e Espanha, os índices de governança democrática mantêm-se relativamente elevados, apesar do aumento da abstenção eleitoral nas últimas décadas.

Foto: Cláudio Fachel (Palácio Piratini, Governo Estadual do Rio Grande do Sul).
Este número da revista Cadernos Metrópole inclui ainda sete artigos que contribuem para articular e aprofundar algumas das questões discutidas nos artigos selecionados para integrar o dossiê temático.
No texto “Crisis climática, arte y paisaje. Caso: cuenca del arroyo El Pescado, Argentina“, de Daniela Vanesa Rotger, Cecilia Giusso e Noelia Vallejo, é explorada a relação entre arte e natureza como ferramenta para fortalecer a resiliência ante a crise climática. A resiliência é entendida como um processo dinâmico em que o ambiente e os indivíduos interagem para a adaptação das comunidades em contextos adversos.
O artigo “Entre liberdades e (in)subordinações: experiências de cicloentregadoras urbanas“, de Luiza Fleury de Freitas e Leandro Cardoso, incide sobre a influência das relações de poder nas experiências de cicloentregadoras em Belo Horizonte e em São Paulo. O estudo aborda a precarização à qual essas mulheres estão submetidas no seu trabalho, que se as insere numa realidade social que influencia negativamente a sua integridade mental e física, assim como a sua dignidade, mostrando, no entanto, a capacidade de resistência delas.
Em “Projetos de transportes e conflito urbano: resistência ao planejamento formal em Fortaleza“, Rebeca Froés de Assis, Isabela Ribeiro de Castro e Clarissa F. Sampaio Freitas abordam a resistência popular contra projetos de transporte que impactam as Comunidades dos Trilhos em Fortaleza. O estudo aborda criticamente as dinâmicas neoliberais em contextos urbanos e o papel que o Estado tem na formulação e na regulação de políticas públicas, com destaque para o apelo a práticas de inclusão no planejamento urbano que acabam por reproduzir o poder hegemônico do capital, impedindo uma real transformação social.
No artigo “Cidade ativa: considerações sobre a cidade saudável“, Douglas Gallo discute a relação entre mobilidade urbana e saúde com base no intenso e acelerado processo de urbanização e crescimento das cidades brasileiras desde meados do século XX. Nesse contexto, destaca-se a importância de um planejamento urbano integral e intersetorial que promova saúde e qualidade de vida com foco na análise da mobilidade ativa (caminhabilidade e ciclismo urbano).
O texto de Natasha Bantim, intitulado “Do empreendedorismo às utopias: apropriação heterotópica do Rio de Janeiro pós megaeventos“, analisa como os espaços urbanos do Rio de Janeiro foram apropriados após os megaeventos, como as Olimpíadas de 2016.
No artigo “Entre anéis e radiais: logística e desigualdade na Região Metropolitana de São Paulo“, de Aldo Garcia Júnior e Sidney Piochi Bernardini, discutem criticamente as transformações territoriais causadas pela expansão da logística na periferia da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) entre 1998 e 2020.
Finalmente, no artigo “Dicotomias na participação democrática: conformação e desilusão no planejamento urbano brasileiro“, Jeane Aparecida Rombi de Godoy, Sandra Medina Benini e Angelo Palmisano analisam as contradições da participação democrática no planejamento urbano do Brasil, com destaque para discursos de inclusão e práticas excludentes.
A Revista Cadernos Metrópole surgiu em 1999 como um dos principais produtos do INCT Observatório das Metrópoles e tem como principal objetivo difundir os resultados da análise comparativa entre as metrópoles brasileiras. Na última avaliação Qualis Periódicos (2017-2020) da CAPES, recebeu classificação A1. A revista é produzida em parceria com a EDUC (Editora da PUC-SP). Conheça a história do nosso periódico nesse post da Scielo (clique aqui).