Relatos e registros de atividades acompanhadas por integrantes do Núcleo Belém do INCT Observatório das Metrópoles encerram a cobertura especial da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro de 2025. Na segunda semana do evento, pesquisadores e bolsistas do núcleo participaram de atividades dentro e fora da Green Zone, com debates sobre ocupação amazônica, moradia, justiça climática, educação e retomadas territoriais, além de diálogos sobre cidades, clima e produção de conhecimento na região.
Os relatos integram a Série Especial COP30, publicada pelo Observatório desde outubro com o objetivo de compartilhar reflexões sobre temas em pauta durante a conferência. Textos prévios sobre moradia, justiça climática, bioeconomia e transição ecológica também integram a série.
- COP30 em Belém: a “COP da implementação” e as contradições da política ambiental global
- Impactos das mudanças climáticas e a luta por moradia digna em Belém: desafios e contradições da COP30
- COP30 e bioeconomia: o papel da Região Metropolitana de Belém no desenvolvimento regional
- COP30 e transição ecológica: como o passado indígena e as bordas de Belém inspiram um futuro climático justo

Foto: Bruno Peres (Agência Brasil).
Construções sustentáveis, microplásticos e futuros possíveis na Amazônia
A arquiteta e urbanista Vanessa Silva, integrante do Núcleo Belém e mestranda no PPGAU/UFPA, acompanhou a inauguração das geodésicas de bambu e palha instaladas no Parque Tecnológico do Instituto Peabiru, no município de Acará. Desenvolvida em parceria com a UNESP e projetada pela arquiteta e professora Juliana Cortez, a estrutura foi apresentada como experiência imersiva e educativa.
O percurso expositivo abordou a poluição por microplásticos, destacando pesquisas que estimam a ingestão humana semanal equivalente a um cartão de crédito, e reforçou o impacto da contaminação nos ecossistemas amazônicos. A construção das geodésicas envolveu processos participativos com moradores locais, que hoje utilizam técnicas com bambu em outras obras, ampliando renda e fortalecendo vínculos territoriais.
Para Vanessa, a atividade proporcionou reflexões sobre modos de ocupação e adaptação diante das mudanças climáticas, reunindo sociedade civil, pesquisadores e comunidades para debater soluções construtivas alinhadas à realidade amazônica.

Casa da Floresta. Crédito: Instituto Peabiru.
Desafios urbanos na Amazônia: territorialidades, adaptação e justiça socioambiental
Em debate realizado no espaço MAM – Porto Futuro II, integrantes da Rede AIPUAC (Rede de Avaliação dos Instrumentos de Política Urbana e Adaptação Climática) discutiram urbanização, vulnerabilidade e caminhos possíveis para as cidades amazônicas. Vanessa Silva acompanhou o painel e destacou o avanço conceitual no reconhecimento de “favelas e comunidades urbanas” (2024) em substituição ao termo “aglomerados subnormais”. No entanto, alertou para o risco de generalização de realidades periféricas muito distintas, como a Vila da Barca, comunidade palafítica, e favelas de outras regiões do país.
A discussão reforçou que:
- as periferias são resultado de processos históricos de urbanização e intervenções devem reconhecer a forma e os processos naturais dos territórios;
- áreas ambientalmente sensíveis exigem políticas que compreendam fenômenos naturais e não tentem “vencê-los”;
- grandes remoções não solucionam vulnerabilidades e podem intensificar desigualdades ao inserir moradores em áreas inadequadas;
- municípios pequenos e altamente poluentes, muitas vezes sem plano diretor ou regulação mínima, tornam-se “cidades invisíveis” no debate climático e fundiário.
Os diálogos convergiram para a necessidade de multilateralismo, regulação internacional e inclusão de agentes informais para que estratégias de adaptação e descarbonização sejam efetivas.
Moradia digna e justiça climática: vulnerabilidades e prioridades nas políticas habitacionais
Na Casa das ONGs, Vanessa Silva participou do debate “Moradia Digna e Justiça Climática: Diálogos sobre Direitos e Territórios”, promovido pela Abong, Habitat Brasil e União Nacional por Moradia Popular (UNMP). A pesquisadora registrou reflexões sobre a crise habitacional como eixo central da justiça climática.
Os painelistas ressaltaram que:
- deslocados climáticos não aparecem nas estatísticas oficiais, invisibilizando impactos de desastres socioambientais;
- famílias negras, chefiadas por mulheres e de baixa renda ocupam os territórios mais vulneráveis, evidenciando o racismo ambiental;
- é urgente requalificar habitações e adequar moradias às novas condições climáticas;
- políticas habitacionais precisam rever critérios de priorização, que hoje não correspondem às necessidades reais.
Em relato marcante, uma liderança da UNMP compartilhou que, durante chuvas fortes, “não tem direito de dormir”, pois precisa vigiar seus poucos bens. Para Vanessa, o depoimento traduz como as mudanças climáticas já alteram profundamente as rotinas e condições de vida.
Durante a atividade, foi apresentado o relatório “Sem moradia digna não há justiça climática“, produzido pela Habitat Brasil e disponível no site da organização (CLIQUE AQUI).

Educação ambiental, retomadas territoriais e escolas resilientes em Outeiro
Vanessa também acompanhou o relato da comunidade de Outeiro e a visita à Fundação Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira (FUNBOSQUE), criada em 1995 após a ECO-92 e ameaçada em 2025 por propostas de incorporação à Secretaria Municipal de Educação e perda de autonomia administrativa.
A escola abriu suas portas durante a COP30 como parte do projeto Escolas Verdes para Cidades Resilientes, coordenado pelo Ateliê Navio em parceria com a Prefeitura de Belém e instituições nacionais e internacionais. A proposta, baseada em escuta ativa das crianças, resultou em maquetes e soluções como jardins de chuva, uso de materiais naturais e adequações ambientais de espaços pedagógicos.
A FUNBOSQUE mantém núcleos de:
- gerenciamento de resíduos com compostagem e parceria com cooperativas;
- monitoramento ambiental liderado por estudantes;
- hortas educativas e comunitárias;
- produção de mudas para reflorestamento;
- extensão em agroecologia para moradores;
- EcoMuseu da Amazônia, com peças produzidas pelos moradores.
A iniciativa exemplifica como educação ambiental e defesa territorial se articulam no enfrentamento da crise climática.

FUNBOSQUE
Educação, crise climática e luta de classes: impactos e disputas no cenário amazônico
A arquiteta e urbanista Beatriz Barbosa do Nascimento, também integrante do Núcleo Belém e mestranda no PPGAU/UFPA, acompanhou o debate “Educação e luta de classes diante da crise climática”, realizado na Tenda “Educação na Cúpula dos Povos”.
Representantes do SINTEPP, UEPA, Instituto Paulo Freire, SINDITIFES e APYEUFPA discutiram:
- a crítica ao discurso de “grande aldeia global”, que mascara desigualdades históricas entre países emissores e territórios vulneráveis;
- casos como Tuvalu e Nova Caledônia, que revelam impactos desiguais das mudanças climáticas e exploração econômica;
- a crise do capitalismo global como elemento estruturante da crise ambiental;
- a insuficiência de tecno-soluções e de políticas centradas apenas na transição energética;
- a necessidade de romper com a lógica do capitalismo verde e enfrentar conflitos fundiários e assassinatos de lideranças socioambientais.
O debate ressaltou que, sem transformação estrutural, as tragédias climáticas tendem a se intensificar, especialmente na Amazônia.

Lançamento da coletânea Amazonicidades: cidades amazônicas como parte da solução climática
Também durante a segunda semana da COP30, ocorreu o lançamento da obra Amazonicidades, coletânea em três volumes que reúne pesquisas sobre urbanização, dinâmicas territoriais e cidades da Pan-Amazônia, produzidas por 111 pesquisadores de 38 grupos de pesquisa. A atividade foi promovida pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA.
A professora Ana Cláudia Duarte Cardoso, pesquisadora do Núcleo Belém e cocoordenadora do projeto, destacou que a coletânea nasce do esforço de consolidar uma rede de diálogo científico sobre o urbano amazônico. O lançamento durante a COP30 dá visibilidade à importância das cidades para o debate climático:
“Ainda há quem pense que, na Amazônia, não existem cidades. Queremos mostrar que elas existem, são diversas e fazem parte da solução para a floresta”, destacou a docente.
Além de Ana Claudia, os pesquisadores do Núcleo Belém José Júlio Ferreira e Raul Ventura Neto, também contribuíram com a obra.

Foto: FAU UFPA.














